Acabou o mês de março e com ele, o especial sobre o cinema baiano, mas como teve boa aceitação, a segunda-feira ficará sempre reservada para o cinema nacional. Uma forma de incentivar o nosso cinema, tão mal visto ainda pelos brasileiros. Após sair de uma sessão de cinema, um amigo meu disse: "Para um filme nacional, é muito bom". Que sina... por isso, escolhi o filme Estômago, o tal filme "até bom" para estrear esta série.
Após dez anos estudando cinema na Itália, Marcos Jorge voltou ao Brasil para ser cineasta. Seu primeiro longa, então, não poderia deixar de ser uma co-produção Brasil/Itália. O filme foi rodado aqui e finalizado por lá. "Sob a aparência de uma comédia, eu queria fazer um filme mais profundo", ele disse. E conseguiu. A trama possui um tom jocoso em situações corriqueiras, porém fala da natureza humana com uma propriedade incrível.
Inspirada no conto Presos pelo Estômago? do livro Pólvora, Gorgonzola e Alecrim (Lusa Silvestre), a trama narra a história de Nonato, um nordestino que vai para o sul, tentar a vida. Com um talento nato para a culinária, acaba sendo "adotado" pelo dono de um restaurante italiano que lhe ensina a arte de cozinhar. Em paralelo a essa primeira parte da trajetória, vamos acompanhando Nonato em uma cadeia, onde seus dotes vão o ajudando a subir no conceito do chefe dos presidiários. Alecrim, como ele fica conhecido, passa a cozinhar para os presos que antes comiam apenas as gororobas da prisão.
O grande plus do filme, que o faz ser tão envolvente, é exatamente a escolha do roteiro de seguir essas duas trajetórias em paralelo. O início do Nonato ingênuo até o crime, e o início do Nonato novato até o desenlace vão sendo dosados, mostrando sua tentativa de adaptação a nova realidade, impondo-se aos poucos através de seu talento e criando uma expectativa e curiosidade de por que ele foi parar na cadeia e qual será seu destino ali.
Com grande interpretação de João Miguel, esse baiano que apesar do talento ainda não conseguiu fugir do estereótipo de nordestino no cinema. Neste, pelo menos, o rapaz consegue mostrar que de bobo não tem nada. Ainda assim, falta uma diversificação de papéis e densidade tal qual a peça O Bispo que o projetou nacionalmente.
A comida, claro, é o ingrediente de toda a trajetória, Nonato é o típico rapaz que prende os outros pelo estômago, este orgão vital e intermédio entre a boca e bunda, que, como explicou o diretor, está ali como uma metáfora da luta pelo poder. E o filme, realmente, trata disso. Do poder do patrão sobre o empregado, do cliente sobre o vendedor, do preso chefe sobre o preso novato, do dinheiro sobre as pessoas. Afinal, como foi dito em Amarelo Manga: “O ser humano é estômago e sexo”.
Prêmios:
- Melhor Filme e Melhor Ator (João Miguel), no Festival de Punta del Este.
- Melhor Filme no Festival do Uruguai.
- Melhor Filme e Melhor Ator (João Miguel), na Semana Internacional de Cinema de Valladolid.
- Troféu Redentor de Melhor Filme - Voto Popular, Melhor Diretor, Melhor Ator (João Miguel) e o Prêmio Especial do Júri (Babu Santana), no Festival do Rio 2007.