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Grandes Cenas: Fale com ela

A cena de hoje foi uma sugestão de Lhais, se você tiver também uma cena favorita no cinema, comente que, na medida do possível, eu posto aqui.



Fale com ElaFale com Ela (2002) é um filme de Pedro Almodóvar[bb] que fala do universo feminino de uma forma totalmente inusitada. As duas protagonistas estão em coma, em um hospital, e a história é narrada através dos dois homens que as amam e aguardam que elas acordem. Benigno, enfermeiro do hospital, nutre uma paixão platônica por Alicia, de quem cuida com devoção exagerada. Marco é um jornalista que tenta esquecer um amor mal sucedido quando conhece a toureira Lydia, em destaque na imprensa pelo término do seu romance com outro toureiro: "El Niño de Valência". O título do filme é o conselho que Benigno dá ao homem que acaba tornando-se seu amigo. "Fale com ela. De uma certa maneira ela irá ouvir."

Mesmo com as cores fortes, tão características do diretor, o filme não traz personagens tão exacerbados. Eles sofrem por amor, mas um amor mais contido. Mesmo em meio aos rompantes suicidas de Lydia, tudo é feito com mais plástica e poesia. A cena a ser analisada é o momento em que ela, perigosamente, doma o touro fazendo com que ele se aproxime o máximo dela. A toureira acabou de dar uma entrevista, onde a repórter falou abertamente do sofrimento da moça em relação ao término do namoro, dizendo que El Niño a usou para obter fama. Lydia irrita-se e sai no meio da entrevista, deixando a entrevistadora quase caída no chão.

A cena da tourada, ao contrário, é bela, plástica. Faço um parêntese aqui para dizer que não suporto touradas, o pobre bicho é maltratado para ficar nervoso, apenas para divertir meia dúzia de gente. Mas, enfim, a grande sacada do filme é o contraste das emoções de Lydia, da dureza e sofrimento do touro, de El Nino na platéia e da música, uma declaração de amor.

Aqui outra pausa para o efeito na platéia brasileira. Vi o filme no cinema e quando esta cena começou, o burburinho foi inevitável vários sons tímidos ecoando em surpresa: Elis?! Elis?! Elis?! Realmente, ouvir Elis Regina é sempre uma grata surpresa, ainda mais em um filme de Almodóvar. A música era "Por toda a minha vida" de Tom Jobim. E, como já falei, faz uma declaração de amor eterno. Amor de Lydia por El Niño e pelo touro, por aquilo que ela é e representa naquela arena.

Seus movimentos em câmera lenta, em um balé com o touro dão uma sensação de emoção contraditória na pláteia, que teme pela protagonista, já sabe que ela vai acabar em coma. E ao mesmo tempo de prazer que a música e a dança proporcionam. Desnecessária a conversa entre El Niño e seu acessor no meio, interrompendo aquele momento íntimo apenas para explicar que Lydia está ali, se arriscando, para chamar sua atenção e de certa forma se vingar do homem que a deixou.

O contraste de luz e sombra realçam a plástica da cena, além do sangue escorrendo do touro, que simbolicamente escorre também de Lydia, ferida por dentro. A câmera procura o touro, realçando o balé e deixando a platéia nervosa sem saber se aquele é o momento em que Lydia irá sucumbir. A imagem de Lydia, no entanto, continua impassível, segura de si e surpreendentemente forte.

Fale com Ela: Lydia doma o touro
A cena é pura emoção, feita para provocar efeitos contraditórios na platéia. Vale mais a pena vê-la do que falar sobre ela.

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