
Confesso que estava com um pé atrás em relação a esse
filme. Daniel Filho havia criado uma sólida carreira com comédias de sucesso, com um certo resquício televisivo, mas bastante divertidas. Do seu único drama genuíno que foi o Primo Basílio (já que A Dona da História tem um pé na comédia também) eu não tinha gostado. Então,
Tempos de Paz corria sérios riscos. Mas, tenho que admitir que ele é inteligente e conhece o produto que tem nas mãos. Assim, fez um filme muito bem dosado e soube valorizar o que este tem de melhor: o excelente texto de Bosco Brasil e a interpretação fantástica de seus dois protagonistas.

O texto, baseado na peça
Novas Diretrizes em Tempo de Paz, é uma emocionante ode ao teatro e fica muito bem nas telas. A adaptação foi inteligente em não querer abusar de flashbacks, nem tentar enxertar mais ação, erro típico de filmes recentes. Ele percebe a força do diálogo e deixa ele fluir no dueto desses dois grandes atores, principalmente Dan Stulbach que emociona ao recitar um monólogo decisivo. Mesmo a história do médico interpretado pelo próprio Daniel Filho, que a princípio parece sem sentido, esdrúxula, consegue se encaixar bem ao final.
A história conta o encontro de Segismundo, um ex-torturador da ditadura Vargas que trabalha na alfândega identificando nazistas, e o polonês Clausewitz, que após sobreviver ao horror da guerra quer viver no Brasil como agricultor. Ao chegar falando um português quase perfeito a ponto de recitar Carlos Drummond de Andrade levanta suspeitas dos agentes que o levam a Segismundo para um interrogatório. Após várias contradições, os dois fazem uma aposta, se Clausewitz conseguir fazer Segismundo chorar, ele fica no Brasil, do contrário segue viagem com o cargueiro. Aí começa um dos embates mais bonitos que já vi.

Pouco tenho a dizer a direção em termos cinematográficos. Tirando as primeiras cenas da chegada do navio que muito me lembraram o péssimo
Olga, Daniel Filho consegue manter-se neutro, enquanto deixa os atores fazerem o texto fluir. E não é uma ironia, um bom diretor também sabe a hora em que tem que se anular para que a obra fale por si. Qualquer invenção naquele momento seria excesso. Seu trabalho maior foi na direção de cena e de atores, coisa que ele sabe fazer muito bem pelo histórico que tem. Vale lembrar que ele filmou tudo em 10 dias e gastou apenas 1,5 milhão de reais.
É um bom filme que merece ser visto por todos. Que bom que o cinema nacional está ampliando seu leque de opções e temas. E viva ao teatro, arte milenar capaz de emocionar até hoje.
Ah, esqueci de falar, o melhor foi ver que os trailers antes do filme também eram de duas promessas do cinema nacional, outro filme do diretor sobre
Chico Xavier e o surpreendente
Besouro.