Anticristo
Finalmente criei coragem para ver Anticristo. Lars Von Trier é um diretor que me traumatizou e sempre penso duas vezes antes de encarar uma sessão, mas acabo enfrentando porque é sempre uma aula de cinema. Devo confessar, no entanto, que Anticristo não me deixou tão perturbada quanto eu pensava. Acho que li e ouvi tantas coisas, a começar pela estreia conturbada em Cannes, que pintei o bicho pior do que era. Claro que há cenas incômodas e fechei os olhos duas vezes. Não me pergunte como foi a cena da mutilação genital que eu não vi. Mas, a questão doentia que tantos reclamavam não nos atinge se olharmos de fora, analisando apenas a culpa imensa que aquela mãe carrega. E nisso, temos que admitir, Lars Von Trier se utilizou de muitos conceitos e crenças para fazer uma catarse fantástica.
Em uma música, Caetano Veloso diz "como é bom poder tocar um instrumento", referindo-se a capacidade terapêutica do seu violão. Sem pensar tanto em inovar, criticar os Estados Unidos, ou muito menos criar novos movimentos cinematográficos tal qual o Dogma, o que Lars Von Trier quis nesse filme foi exorcizar seus dois anos de depressão profunda. Jogou na tela todas as crenças, ou descrenças, no mundo, em Deus e na natureza humana. O autor já declarou que tem como seu livro de cabeceira desde os 12 anos O Anticristo de Nietzsche e dedicou, quase ironicamente, o filme à Andrei Tarkovski. Perguntado sobre isso, Von Trier disse que o autor russo, conhecido por levar sempre um sentido espiritual para suas obras, é uma grande inspiração e que ele dedicaria todos os seus filmes a ele.
Mas, por que o filme gera toda essa polêmica? Porque expõe a fragilidade humana, tem cenas explícitas tanto de sexo quanto violência e defende a tese que de a natureza é maligna e que o caos impera. Aliás, uma raposa com as vísceras expostas diz isso literalmente ao protagonista em uma cena que seria risível se já não estivéssemos imersos no desespero. O pecado original é a base de tudo. Da nossa expulsão do Jardim do Éden e da dor e culpa que o ser humano carrega, tornando o sexo a expressão maior do mal. Antes que alguém comente a polêmica que levantaram sobre ele colocar a mulher como a origem do mal, devo dizer que minha interpretação é exatamente o contrário. O que Von Trier fez foi exatamente mostrar essa crença difundida pela Igreja Católica na Idade Média, vi como uma crítica, não como uma confirmação. Tanto que o personagem de Willem Dafoe diz: "Você não vê que muitas mulheres inocentes morreram na fogueira?"
Desta forma, o filme, que é dividido em capítulos como já é de costume nas obras do diretor, começa com um prólogo mais do que simbólico. Um casal em uma relação sexual intensa enquanto seu filho pequeno passeia pela casa. O ápice do prazer coincide com o momento em que o menino e seu ursinho de pano despencam pela janela da casa. Se o sexo já gera culpa, imagine o sexo que resultou na morte de seu único filho? Baseado nessa premissa, o filme se desenvolve nos capítulos "Luto", "Dor", "Desespero" e "Os Três Mendigos". Terminando com um epílogo também simbólico.
Tanto prólogo quanto epílogo são apresentados em preto e branco com uma música sacra absorvendo nossos ouvidos. A construção das cenas em paralelo ao prólogo geram a angústia necessária. A inocência do garotinho loiro, com seu bonequinho nas mãos. A sensualidade do casal entregue ao prazer. Os detalhes construídos. Tudo é forte e verdadeiro o suficiente para nos deixar com as emoções à flor da pele.
Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg, que interpretam o casal sem nome, vão tentar se refazer da dor em uma casa no meio da floresta chamada Éden. Ela, uma escritora em depressão profunda, ele, um terapeuta que se arvora a curá-la quando também sofre pela perda do filho. O desencadeamento a partir de então, não tem nada de sobrenatural, mas de psicologia e psiquiatria pura. Metáforas constróem o filme, como uma águia comendo um filhote ou a tese da mulher que analisava a caça as mulheres na Idade Média, o que explica as sequências no final. Por isso, os afoitos por filmes de terror se decepcionaram. E é genial, por mais doentio que seja. Pode acontecer nas melhores famílias.
Em uma música, Caetano Veloso diz "como é bom poder tocar um instrumento", referindo-se a capacidade terapêutica do seu violão. Sem pensar tanto em inovar, criticar os Estados Unidos, ou muito menos criar novos movimentos cinematográficos tal qual o Dogma, o que Lars Von Trier quis nesse filme foi exorcizar seus dois anos de depressão profunda. Jogou na tela todas as crenças, ou descrenças, no mundo, em Deus e na natureza humana. O autor já declarou que tem como seu livro de cabeceira desde os 12 anos O Anticristo de Nietzsche e dedicou, quase ironicamente, o filme à Andrei Tarkovski. Perguntado sobre isso, Von Trier disse que o autor russo, conhecido por levar sempre um sentido espiritual para suas obras, é uma grande inspiração e que ele dedicaria todos os seus filmes a ele.
Mas, por que o filme gera toda essa polêmica? Porque expõe a fragilidade humana, tem cenas explícitas tanto de sexo quanto violência e defende a tese que de a natureza é maligna e que o caos impera. Aliás, uma raposa com as vísceras expostas diz isso literalmente ao protagonista em uma cena que seria risível se já não estivéssemos imersos no desespero. O pecado original é a base de tudo. Da nossa expulsão do Jardim do Éden e da dor e culpa que o ser humano carrega, tornando o sexo a expressão maior do mal. Antes que alguém comente a polêmica que levantaram sobre ele colocar a mulher como a origem do mal, devo dizer que minha interpretação é exatamente o contrário. O que Von Trier fez foi exatamente mostrar essa crença difundida pela Igreja Católica na Idade Média, vi como uma crítica, não como uma confirmação. Tanto que o personagem de Willem Dafoe diz: "Você não vê que muitas mulheres inocentes morreram na fogueira?"
Desta forma, o filme, que é dividido em capítulos como já é de costume nas obras do diretor, começa com um prólogo mais do que simbólico. Um casal em uma relação sexual intensa enquanto seu filho pequeno passeia pela casa. O ápice do prazer coincide com o momento em que o menino e seu ursinho de pano despencam pela janela da casa. Se o sexo já gera culpa, imagine o sexo que resultou na morte de seu único filho? Baseado nessa premissa, o filme se desenvolve nos capítulos "Luto", "Dor", "Desespero" e "Os Três Mendigos". Terminando com um epílogo também simbólico.
Tanto prólogo quanto epílogo são apresentados em preto e branco com uma música sacra absorvendo nossos ouvidos. A construção das cenas em paralelo ao prólogo geram a angústia necessária. A inocência do garotinho loiro, com seu bonequinho nas mãos. A sensualidade do casal entregue ao prazer. Os detalhes construídos. Tudo é forte e verdadeiro o suficiente para nos deixar com as emoções à flor da pele.
Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg, que interpretam o casal sem nome, vão tentar se refazer da dor em uma casa no meio da floresta chamada Éden. Ela, uma escritora em depressão profunda, ele, um terapeuta que se arvora a curá-la quando também sofre pela perda do filho. O desencadeamento a partir de então, não tem nada de sobrenatural, mas de psicologia e psiquiatria pura. Metáforas constróem o filme, como uma águia comendo um filhote ou a tese da mulher que analisava a caça as mulheres na Idade Média, o que explica as sequências no final. Por isso, os afoitos por filmes de terror se decepcionaram. E é genial, por mais doentio que seja. Pode acontecer nas melhores famílias.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Anticristo
2010-04-20T08:57:00-03:00
Amanda Aouad
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