As Melhores Coisas do Mundo, novo filme de Laís Bodanzky está fazendo um grande sucesso, principalmente por retratar os jovens brasileiros de forma realista e respeitosa. E claro, muito desse resultado, é de responsabilidade do roteirista
Luiz Bolognesi, autor de outros sucessos como Bicho de Sete Cabeças e
Chega de Saudade. Ele passou por Salvador para um evento e pude ter o prazer de trocar uma idéia não apenas sobre o filme, como sobre essa profissão que ainda busca reconhecimento, principalmente por parte da mídia e público. Confiram e não deixem de olhar o trailer do seu novo projeto, um longa de animação que deve estrear ano que vem.
- De onde veio a idéia de As Melhores Coisas do Mundo?
A idéia surgiu com o
Gilberto Dimenstein, jornalista especialista em juventude, autor da série de livros "
Mano descobre...". Ele e a Warner convidaram a mim e a Laís para fazer um filme sobre os jovens brasileiros, inspirado na série de livros, mas com total liberdade de criar novas tramas e novos personagens. A gente mergulhou de cabeça no projeto, por ser muito interessante, e por achar que o cinema nacional foca muito nos problemas sociais, que é super importante, mas esquece de falar de nós mesmos. De classe média, de nossas angústias, de nossas dores, de nossas tristezas de nossos anseios.
- O filme está chamando a atenção, principalmente por retratar tão bem o jovem brasileiro. Como foi o processo de criação pré-roteiro?
A Laís achou que a gente devia ir a campo, ouvir os adolescentes e fazer o filme a partir das conversas com eles, ouvi o que achavam que deveria e não deveria ter no filme. Então, uma série de plots que estão no filme, vieram desses bate-papos. E o que foi muito confortável para mim foi descobrir que a minha adolescência era igual. Então eu pude, na hora de escrever o roteiro, não apenas falar do que eles falaram, mas mergulhar em minhas memórias afetivas. Depois que o roteiro ficou pronto, aprovado por produção e diretora, tive mais cinco encontros, onde eles liam o roteiro, anotavam e, em um bate-papo diziam o que era verdadeiro, o que não era, o que gostaram, o que não gostaram, e eu fui afinando o roteiro de acordo com essas conversas.
- E os diálogos? Os atores estavam livres para inserir cacos?
Adriana Falcão, que é uma pessoa que eu sempre consulto, que sempre lê meus roteiros, me disse uma vez "Luiz, não tenta escrever a gíria da personagem, deixa que o ator faz. Os atores são inteligentes, defendem os personagens, então, escreve a essência do diálogo, na economia da sintaxe, faz uma frase bem construída, deixa a gíria para os atores". E a Laís fala a mesma coisa. Então o que está no filme, é o que está escrito, mas que os atores se apropriaram e disseram da maneira deles. Algumas situações, pouquíssimas, foram de improviso, como por exemplo, o debate que acontece na escola. Só estava escrito que teria a cena, mas sem diálogos. A Laís pegou os figurantes, que eram todos pais de alunos e explicou a situação. Chegou para a atriz que fazia a diretora e mandou ela conduzir o bate-papo. Ligou câmera e deixou ver o que acontecia. A própria Denise foi improviso, foi dito para ela, você está na reunião, é uma das mães, interaja.
- Você já tinha adaptado Bicho de Sete Cabeças e feito um roteiro original, o Chega de Saudade. Esse é uma espécie de meio-termo, certo?
É... esse roteiro a gente fala, com a anuência do Dimenstein, que é um roteiro original inspirado nos livros, porque todos os plots, a própria questão do pai por exemplo, não estão nos livros. Todos os temas principais foram encontrados nessas conversas com os grupos de adolescentes. Então, de uma certa forma, a gente se inspirou no tema do livro, adolescentes classe média, filhos de pais intelectuais, mas tudo o mais foi criado.
- Alguma diferença essencial no processo?
Eu acho mais difícil adaptar, porque você já tem uma estrutura narrativa boa, geralmente escolhe-se um livro bom, e transpor isso para o cinema é muito complicado porque é outra estratégia narrativa. É uma coisa que já deu certo em uma posição, transforma isso para outro lugar é complicado. Sem falar na comparação inevitável. Você sempre vai ser comparado a uma obra que vai ser melhor que a sua. Eu prefiro criar minha própria história. Já fiz duas adaptações, estou sendo convidado para mais uma que devo fazer, mas eu me sinto mais solto, mais a vontade com uma idéia original.
- As Melhores Coisas do Mundo é seu terceiro longa de ficção e também a terceira parceria com Laís Bodanzky, certo?
Quarta, se a gente contar o Cine Mambembe que é um documentário, e outro para televisão, são cinco filmes que fizemos juntos e eu adoro trabalhar com a Laís. Ela é uma grande leitora de roteiros, participa muito. O momento de filmagem é o momento dela, eu vou como convidado, não participo, mas eu sempre assisto o material bruto ao fim do dia e comento com ela. E depois, volto com força na montagem. Nos filmes da Laís, o diretor, roteirista e montador sentam muito juntos na ilha para compor o filme.
- Isso é uma coisa normal no cinema nacional?
Não era, mas virou. Eu sinto que, há um tempo, os diretores eram muito autores do filme, então, eles queriam escrever e montar. Mas, isso só funciona para gênios. Os outros que são apenas talentosos, o que já é muito, estão percebendo que ter a colaboração de especialistas em cada área é bom. E essa virada se deu, na minha opinião com Carla Camurati e Walter Salles. A gente vinha da tradição do cinema novo, que o diretor achava que seria menor, um pecado artístico, ele trabalhar com um roteirista e um montador. E quando Carla Camurati e Walter Salles começaram a procurar roteiristas e montadores para seus filmes, começaram a existir grandes montadores e roteiristas importantes e o cenário mudou. Então, hoje, todos os diretores, por mais autorais que sejam, procuram a parceria de outros profissionais.
- Então, você acredita que já temos uma valorização do roteirista no cinema brasileiro?
Total. Ainda não são os maiores salários, como acontece na televisão, mas os roteiristas hoje estão super valorizados pelos produtores e pelos diretores. Pela imprensa é que ainda não. Raramente vemos um crítico citar o nome do roteirista para elogiar, só quando tem problema é que é problema de roteiro. É uma coisa que vai levar um tempo ainda para mudar.
- Quais os caminhos para um aspirante a roteirista no Brasil?
Mergulhar na dramaturgia, estudar e ler muito. Não manuais de roteiro, que eu acho que produzem maus roteiristas pelo pensamento esquemático que induz. Mas, livros em geral, tem muita coisa boa na literatura. Um livro que eu indicaria seria
A linguagem secreta do cinema de Jean-Claude Carrière, esse sim, inspira muito. E fazer cursos, entender o processo do roteiro e escrever para audiovisual. Trabalhei anos com vídeo institucional, que dá uma boa bagagem para desenvolver a habilidade de escrever para o formato.
- Você dirigiu curtas, tem pretensão de continuar investindo nessa carreira ou definiu-se mesmo pelo roteiro?
Eu estou dirigindo agora um longa metragem de animação, chamado Lutas, que faz uma leitura crítica da história do Brasil, e é para adolescente também. Um trabalho longo de quatro anos e é gostoso. Mas, eu não me sinto tentado a dirigir, porque não tenho habilidade para dirigir atores. Eu não me sinto à vontade no set. Acho que nem todo mundo pode dirigir, apesar de muitos quererem. Meu caminho é mesmo contar histórias através do roteiro.
- Outros projetos para o futuro?
Estou terminado o Lutas, que deve ser lançado ano que vem. Espero voltar aqui para lançá-lo, porque Salvador foi a melhor bilheteria de Bicho de Sete Cabeças e está sendo a melhor de As Melhores Coisas do Mundo. É uma praça boa, uma cidade com um pé muito forte na cultura, não só como produção como consumo de cultura. Estou fazendo também um documentário sobre a Amazônia, e iniciando mais dois roteiros de ficção.
- Você saberia dizer qual a melhor cena que você já escreveu?
É difícil, mas as cenas que as pessoas vem falar para mim, chorando inclusive, foram a cena dos ovos em "As Melhores Coisas". E uma cena de "Terra Vermelha", onde tem um diálogo entre o fazendeiro e o cacique na frente do Procurador da República falando sobre a posse da terra. São cenas que tenho orgulho de ter escrito.
- Pra terminar, quais as melhores coisas do mundo?
Ir para a praia com minhas duas filhas, entrar no mar com elas. E beber vinho e namorar com minha mulher.