Muitos fãs reclamam que na sexta temporada a ciência foi posta de lado, dando lugar à mística. É verdade, com a morte de Daniel Faraday muitas explicações científicas ficaram no ar. A mitologia da ilha foi mais forte no final, mas o que não impede que teses científicas e filosóficas possam surgir a partir de então. A graça e o diferencial desta série são exatamente estes, continuar existindo em outras mídias, em nosso imaginário e nossas conversas.
Lost conseguiu entrar para o hall de grandes séries que serão lembradas. Por vários motivos, a começar pela narrativa em si. A fragmentação das cenas, o mistério crescente, o paralelo em flashbacks e posteriormente em flashforwards. Outro elemento particular de Lost era a estrutura em torno de quatorze protagonistas. A maioria das séries foca em um ou dois personagens principais, mesmo séries de drama cotidiano como Desperate Housewives ou Grey's Anatomy ou séries adolescentes como Barrados no Baile e Melrose têm, no máximo, cinco protagonistas. O que isso influencia? Em várias coisas, primeiro na identificação do espectador. Ele pode não gostar de Jack e Kate, mas se identificar com Sawyer ou Locke, assim há possibilidade maior de atingir mais pessoas. Além disso, a série não perde fôlego, tem sempre uma história atingindo o clímax, é mais fácil administrar a curva dramática.
A música também foi um ponto forte na série. O desenho musical era todo pensado, ajudando no efeito de suspense e ligação. Há uma brincadeira com músicas antigas que retornam em outras cenas, também. O início da segunda e da terceira temporada começam de forma muito parecida. Um disco sendo colocado com uma música antiga em uma casa desconhecida por um personagem não identificado, depois é revelado que aquela casa é na ilha, na segunda temporada era Desmond na escotilha, na terceira era Juliette na vila d’Os Outros. E essa música utilizada retorna em outros momentos, como no episódio em que Desmond volta a Londres e ao entrar no bar, a mesma música está sendo tocada. São cuidados que a maioria dos espectadores não identifica, mas ajudam a compor o conjunto e constroem efeitos.
Outra característica importante de Lost, que já vem sendo utilizado por outras séries, foi a utilização de transmídia. Lost possui um universo estendido na internet, além de livros e outros produtos no mundo real, como o chocolate Apolo que existia apenas da série e depois foi lançado nos supermercados. Nesse limite real e ficção, a ação mais emblemática foram os ARGs entre temporadas. Jogos de realidade alternativa que utilizam elementos de ficção misturados à realidade para atingir os objetivos. O mais famoso foi o Lost Experience, mas tiveram outros interessantes como o Dharma Wants You, que começou com uma propaganda chamando as pessoas para se cadastrarem como voluntários para experiência da empresa. Esses jogos misturam pistas e códigos na internet, com temas da própria série e alguns eventos no mundo real, sendo uma boa experiência de interatividade dos fãs com o produto. Hoje, o espectador não quer mais ser apenas um passivo da mensagem, quer interagir com ela, e Lost conseguiu atingir esse intuito de forma muito inteligente.
A série fez link com deslocamento temporal e geográfico, o que a coloca na categoria de ficção científica, porém tem um universo mais palpável com o uso da ciência e a filosofia. Além disso, colocou a dicotomia entre bem e mal bem distintas, com elementos de imortalidade e monstros mitológicos, apelando também para aspectos religiosos. Ela se apresentou como uma série de aventura e convivência baseada no reality show Survivor e depois foi se revelando algo além disso. São náufragos tal qual milhares de outras histórias, mas em uma ilha especial, uma “Ilha da Fantasia” talvez, onde tudo pode acontecer. Há uma referência muito forte à O Mágico de Oz também, inclusive literais, com Locke sendo chamado de o homem por trás da cortina (o mágico), mensagem como “não há lugar melhor que a casa da gente” até no título de um episódio, e a idéia de que nunca devemos desistir de nossos sonhos. Outra série que poderia ser lembrada comparativamente é Além da Imaginação de 1959, que sempre trazia fenômenos sem explicação utilizando a questão de tempo e espaço de forma científica.
Lost pode ser enquadrada então como uma série dramática (pela caracterização de seriados americanos há duas categorias séries dramáticas ou comédias de situação – o chamado sitcom), que tem uma hora de duração e exibição semanal. Mas, seus episódios não se fechavam em si, ela dialoga com séries como Twin Peaks, 24 Horas ou Heroes onde um episódio é a continuação do outro. Percebe-se que cada episódio procura focar em uma mini-história, um personagem, um acontecimento, mas sempre há um gancho forte para o próximo, que prende o espectador e o faz ficar ansioso pela semana seguinte. Essa estrutura faz com que a fidelidade seja essencial para o entendimento. Não dá para assistir episódios fora da ordem, por isso, as séries em geral preferem o formato de episódios que se encerram em si.
Durante cinco anos ela foi essa mistura de assuntos, idéias, estruturas, mas tudo com uma aura especial, de novidade. O que muitos se decepcionaram na última temporada foi que ela mudou o foco. Não era mais a ilha o personagem principal. Não foi a ilha que os escolheu, os levou para lá e ainda queria algo deles? A ilha perdeu lugar para o homem e uma luz misteriosa que pode ser divina ou resultado do magnetismo do lugar. E aí, a discussão nos leva ao final.
ATENÇÃO A PARTIR DAQUI PARA OS SPOILERS DO ÚLTIMO EPISÓDIO.
Eu tinha muito medo da última temporada pela forma como a quinta terminou. Se eles passasem uma borracha em tudo, ia ser muito frustrante. Felizmente, as teorias do falso final de Caverna do Dragão não se confirmaram. Eles também não alteraram a linha temporal "o que aconteceu, aconteceu". Mas uma estranha realidade alternativa surgiu. Era estranho ver os personagens que vimos evoluir nesse período retornar a uma atitude e situação pseudo-inicial. Isso porque algumas diferenças começaram a surgir. Do ponto de vista de estrutura narrativa, esse recurso era necessário para manter o jogo duplo que antes era usado com o passado ou futuro dos personagens. A gente se perguntava, no entanto, onde tudo isso ia dar, já que não havia um link direto entre as duas realidades.
De repente, vem o último episódio e dá um nó em tudo isso. Nunca houve uma realidade paralela. Aquela era um futuro distante, onde todos os personagens que iam morrendo aos poucos se encontrariam para seguirem juntos a caminhada evolutiva. Ou seja, tudo foi real. Kate, Sawyer e Claire foram os verdadeiros sobreviventes do vôo 815 que saíram da ilha após tudo, levando Richard, Lapidus e Miles. A cena final com Jack morrendo no lugar onde acordou na primeira temporada, é fantástica. O ciclo se fechou. Na falsa realidade alternativa, também conhecida como Limbo, eles despertam aos poucos, compreendem sua situação e juntos vão para o céu ou seja lá o que era aquela luz. Melodramático sim, mas muito bem construído e emocionou. Era o fechamento, a despedida, um plus para aqueles que passaram seis anos acompanhando as trajetórias daqueles personagens. Eu gostei bastante do fechamento, só acho que a sexta temporada poderia ter mantido a idéia inicial em vez de resumir tudo que acontecia na ilha à proteção de uma luz divina. Ainda assim, vai ter sempre um lugar na minha estante. Já estou com saudades daquela turma.