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Quem é melhor: Pelé ou Maradona?
Quem é melhor: Pelé ou Maradona?
Não se assustem, não vou mudar o foco do blog, até porque em matéria de futebol só os argentinos acham que há algo a discutir sobre o Rei do Futebol. E meu pai, claro, que diria Zico. O fato é que começou a Copa do Mundo de Futebol, amanhã a nossa seleção estreia contra a Coréia do Norte e resolvi falar aqui de filmes que trazem a arte da bola como tema. Cada semana será um. E para começar vamos comparar os documentários sobre dois jogadores incontestáveis, cada um com seu estilo, seu foco e sua história. Pelé X Maradona.
Pelé Eterno foi lançado em 2004 com a direção de Anibal Massaini Neto e roteiro de José Roberto Torero com razoável sucesso, afinal mostra a carreira brilhante de um gênio do futebol consagrado como atleta do século e depois do milênio. Mas, devo falar que não pode ser chamado exatamente de um filme. A linguagem utilizada é primária, com um narrador over, distante, com um texto ensaiado e artificial. A entrevista com o personagem título também padece do mesmo mal. Em um estúdio armado, Pelé fala parecendo que decorou um texto e não sobre sua vida. As cenas com a família são igualmente fakes. O respiro de naturalidade acontece com o depoimento de seus companheiros de Santos, Seleção, radialistas e amigos. Parece mais um programa Globo Repórter que um filme.
Já o longa do criativo Emir Kusturica respira verdade. É bonito de acompanhar a trajetória do diretor sérvio, que em uma espécie de metalinguagem narra sua aventura à Argentina para conhecer melhor o grande jogador local. O Deus do futebol, segundo nossos hermanos que têm até a Igreja Maradoniana, quase um sacrilégio para pessoas mais religiosas. A estrutura é condizente com os documentários modernos, intercalando cenas dos fiéis da tal igreja, imagens de arquivo dos jogos, ou melhor dos gols do jogador, e entrevistas descontraídas com o personagem título e pessoas ao seu redor. A forma como a família do craque entra em cena também é bastante natural, como um flagra de intimidade, é tudo muito bem composto e dá gosto de ver.
Isso tudo não quer dizer que Maradona, o filme, seja inconstestavelmente melhor do que Pelé Eterno, isto porque o foco dos dois filmes é muito distinto e a depender do seu objetivo, o tosco formato do segundo vai agradar muito mais. Em Maradona temos o homem Maradona como objeto, enquanto em Pelé, temos o jogador. O primeiro, com uma linguagem bastante política, decompõe o mito para compreender o que está por trás daquele jogador fenomenal e polêmico que se envolveu em drogas, sofreu derrotas sérias, mas é uma entidade em seu país. Impressionante o fanatismo do argentino em relação a esse mito. As cenas na boate com as músicas em sua homenagem são emocionantes. Já o filme de Massaini Neto se preocupa em resgatar a história do futebol de Pelé, como começou, que times jogou, suas copas, suas vitórias, seus títulos, tudo de forma bem esquemática e direta.
Para Kusturica pouco importa resgatar todos os números. Apenas duas coisas são ditas, que ele fez 35 gols com a camisa argentina e que ele fez o gol do século contra a Inglaterra, destacando a importância política daquilo. Um país subdesenvolvido vencendo o império. Uma charge com esse gol permeia todo o filme, primeiro com a rainha da Inglaterra, depois seu filho Charles, o primeiro ministro Tony Blair, finalizando com Bush. O presidente americano, então, está estampado na camisa que Maradona veste em uma das entrevistas (Fora Bush), quando ele declara todo o seu amor por Fidel Castro e por Cuba. Os jogos são apenas pano de fundo para construir o mito. O Deus do futebol, segundo eles.
Para Massaini Neto importa o registro histórico do atleta Pelé. Sua vida pessoal é quase esquecida, apenas pincelada com algumas tentativas de negócios que falharam e os filhos que teve, dentro e fora do casamento. A figura que interessa é aquela dentro de campo, que fez o Santos se tornar o melhor time do mundo e o Brasil a pátria de chuteiras. O jogador que expulsou um juiz de um jogo e que foi aos Estados Unidos ensinar os gringos a jogar. Nunca houve, nem nunca haverá fenômeno igual, sentencia ele.
A diferença entre os dois documentários é tão clara quanto a diferença entre Pelé e Maradona. Um foi um atleta exemplar, o outro foi polêmico. Na vida pessoal, nenhum dos dois pode ser chamado de exemplo de bom moço, mas a vida conturbada do guerrilheiro Maradona que venceu o imperialismo é bem mais interessante do que a do cabo Pelé, que serviu de bandeira para um governo militar que dominava o país. Está aí justificada a diferença de foco. Cada um escolheu aquilo que é incontestável. Pelé é o rei do futebol e em campo não tem como vencê-lo. Já fora dele, outros elementos podem fazer grandes personalidades superá-lo. Ou não. Se você quer ver bom futebol, encare o programa de Massaini Neto. Agora se você quer ver um bom documentário sobre uma personalidade ímpar que tem futebol como pano de fundo, dê uma chance para o sérvio Emir Kusturica.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Quem é melhor: Pelé ou Maradona?
2010-06-14T08:42:00-03:00
Amanda Aouad
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