O verdadeiro Avatar
James Cameron anunciou seu Avatar e criou um problema para a Nickelodeon. Afinal, a produção do filme Avatar, a lenda de Aang já estava encaminhada e começaria a gerar uma confusão imensa. Restou, então, o subtítulo: The Last Airbender, que na tradução original seria "O Último Dobrador de Ar". Entendo, no entanto, que o título no Brasil tenha virado O último mestre do ar, fica mais palpável para o público que não conhece a série. Só discordo da tradução na história para "bender" ter virado controlador. Ficar vendo a legenda se referir a Katara como a "controladora da água" ou Aang ao "controlador de ar", é muito estranho.
Impressionante como um diretor pode surgir como gênio e ir perdendo credibilidade aos poucos como M. Night Shyamalan. Ele foi detonado pela crítica norte-americana, está com 4,3 no IMDB, mas The Last Airbender não é essa tragédia descrita pelos mais exigentes. Pode até ser classificado como um bom filme, se você não conhece nada do desenho e não se importar com algumas pausas para explicação. Ainda assim, é apenas um rascunho da série original criada por Michael Dante DiMartino e Bryan Konietzko em 2005. Uma coisa que não entendi foi aquela narração inicial do filme. Ela acaba confundindo mais que explica. A original é tão mais clara que, se utilizasse ela, não precisaria em determinada cena Katara ter que abrir o mapa para explicar o mundo a Aang. Na abertura do desenho, os quatro dobradores também aparecem só que com uma narração.
"Água, Terra, Fogo, Ar! Há muito tempo as nações viviam em paz e harmonia, mas tudo isso mudou quando a nação do fogo atacou. Só o Avatar, que domina os quatro elementos, pode equilibrar o mundo. Mas quando o mundo mais precisava dele, ele desapareceu. Cem anos se passaram e meu irmão e eu descobrimos o novo Avatar, um dobrador de ar chamado Aang. Apesar de sua habilidade com o ar ser ótima, ele tem muito o que aprender antes que possa salvar qualquer um. Mas eu acredito que Aang possa salvar o mundo!"
A lenda de Aang é um desenho norte-americano feito para concorrer com os animes que invadiram o mundo. Coerente, profundo, com uma mitologia muito bem acabada, mas sem perder o tom leve e o humor, o desenho foi sucesso absoluto na Nickelodeon. Aqui no Brasil, as três temporadas passaram também na TV Globinho, sendo bem recebida. Claro que, ao adaptar 20 episódios de 24 minutos cada, que corresponde a primeira temporada da série, Shyamalan teve que cortar muita coisa, resumir, recriar, mas tirar a essência de alguns personagens soou grave ao meus olhos de apreciadora. Senti-me um pouco como os fãs de Harry Potter odiando o sexto filme (que é um primor da arte cinematográfica), pois não reconheci Aang, Sokka ou Katara, muito menos Zuko e seu tio Iroh. Vou dividir a partir daqui, então, entre: esquecendo a história original e analisando a adaptação. Assim, se você não conhece a história, pode nem ler a última parte.
Esquecendo a história original:
Se analisarmos apenas o que vemos na tela, há um filme instigante. Uma lenda viva é encontrada após 100 anos adormecida em um mundo em guerra. Um garoto é a esperança de milhares de pessoas que sofrem com o poderio da nação do fogo. O roteiro é confuso ao tentar explicar o que é o Avatar e como aquele ciclo funciona, mas a idéia geral é passada. Temos o vilão, o Senhor do Fogo, um verdadeiro ditador que expulsou o próprio filho e só o aceita de volta se ele trouxer o Avatar. Temos esse garoto sofrido que quase pede desculpas por ter que caçar Aang e é acompanhando por seu tio, um senhor distinto e calmo. Temos o grupo da tribo da água que encontra um menino congelado e descobrem que ele é a lenda que esperavam. As peças estão na tela e tentam se organizar. Mas, a ação demora a acontecer, e não falo de lutas, mas de objetivo dos personagens. A sensação é de que tudo que vemos é apenas a introdução de uma história, principalmente por seu final.
Em termos de efeitos especiais, é fantástico. É lindo ver água, fogo, terra e ar serem manipulados de formas diversas. Pena que não são muitas batalhas. Aang e Katara passam mais tempo ensaiando do que praticando. Mas, quando em ação, os efeitos impressionam. Principalmente nas dobras de água, que criam formas e constroem um belo balé. O mesmo não posso dizer, no entanto, do 3D. Maqueado às pressas para aproveitar o momento, soa quase como enganação. Na abertura, tem uma bela função, mas a partir daí quase esquecemos o porquê daqueles óculos incômodos. Dá até para tirar e assistir.
As atuações tem alguns problemas, principalmente de Dev Patel como o príncipe Zuko. Um personagem com tamanha carga dramática precisava de um ator melhor preparado, nosso "aprendiz de milionário" não conseguiu dessa vez. Agora, Noah Ringer não chega a ser ruim como o Avatar Aang, a construção do personagem no filme é que oscila muito. Nicola Peltz não é tão exigida como Katara, assim como Jackson Rathbone como Sokka, então, nem dá para dizer que a atuação compromete. Já Shaun Tou, defende bem o tio Iroh que lhe deram, a adaptação é que não parece das mais felizes, mas aí é tema do outro tópico.
No geral, a direção de Shyamalan é competente, apesar de seu roteiro fraco. A força da lenda de Aang, as belas cenas construídas pelos efeitos, o recorte proposto envolvem o público que gosta do gênero. E, como disse, pode ser considerado um bom filme.
Analisando a adaptação:
Entendo que para dar maior credibilidade a história, Shyamalan tivesse que diminuir o tom da comédia, mas tirar completamente descaracterizou seus personagens. Como conceber um Sokka tão sério a ponto de não contar uma única piada no filme? E o gênio mandão de Katara, cadê? Aang perdeu também todo o seu tom infantil, já tendo uma consciência de sua missão e do mundo espiritual tão forte. Zuko não é nem sombra do vilão do início da série, já demonstra desde a primeira cena do filme a sua qualidade de anti-herói com uma ferida fatal que pode vir a ser regenerado. Isso faz a caçada perder em seu tom dramático. Além disso, o tio Iroh perdeu todas as suas características de "velhinho simpático". No desenho, ele é o protótipo do Sr. Miyagi. No filme, não bebe chá, nem joga "lótus", muito menos é espirituoso. Assim, não é tão impactante a revelação de sua força quando tem que lutar.
O Senhor do Fogo também perde seu impacto perverso ao ser mostrado seu rosto desde o início. No filme, ele aparece apenas como uma sombra, um vulto, ampliando a aura de poder e mistério em torno de sua figura. O contraste dele com seu irmão Iroh nem fica tão forte. Já o Avatar, como disse, tem uma facilidade muito grande de aceitar sua missão e transitar pelo mundo espiritual. Podem ter passado cem anos, mas para Aang são apenas minutos desde sua fuga. Ele precisava de um tempo maior para assimilar tudo aquilo. Além disso, desde quando ele tem dificuldade de aprender a dobra de água? Se é assim, imagine quando vier a terra e o fogo!
Outro problema que Shyamalan tem é o tempo. Em um filme de duas horas é complicado mesmo expor toda a dimensão de Avatar. O passado de Zuko, por exemplo, que tivemos um episódio inteiro para explicar virou um flashback de um minuto, tendo que recorrer ao artifício fácil de "me explica aí o que aconteceu". Muita coisa foi cortada como as guerreiras Kyoshi e a maioria das vilas que o trio percorreu. Mas, o que achei mais complicado foi não demonstrar a dificuldade de Katara em ser aceita como uma das aprendizes do mestre da água na tribo do Norte. Ali foi a afirmação da personagem como forte lutadora que será fundamental na missão de Aang, além de demonstrar a tradição machista da tribo da água, e principalmente a função da cura das dobradoras mulheres.
Com uma história tão boa, o filme prometia. Pena que não foi possível adaptar toda a grandeza de Avatar para as telas do cinema. Quem sabe ele consegue no segundo e terceiro. Porque, independente das críticas, a bilheteria não foi ruim e Aang ainda merece salvar o mundo.
Impressionante como um diretor pode surgir como gênio e ir perdendo credibilidade aos poucos como M. Night Shyamalan. Ele foi detonado pela crítica norte-americana, está com 4,3 no IMDB, mas The Last Airbender não é essa tragédia descrita pelos mais exigentes. Pode até ser classificado como um bom filme, se você não conhece nada do desenho e não se importar com algumas pausas para explicação. Ainda assim, é apenas um rascunho da série original criada por Michael Dante DiMartino e Bryan Konietzko em 2005. Uma coisa que não entendi foi aquela narração inicial do filme. Ela acaba confundindo mais que explica. A original é tão mais clara que, se utilizasse ela, não precisaria em determinada cena Katara ter que abrir o mapa para explicar o mundo a Aang. Na abertura do desenho, os quatro dobradores também aparecem só que com uma narração.
"Água, Terra, Fogo, Ar! Há muito tempo as nações viviam em paz e harmonia, mas tudo isso mudou quando a nação do fogo atacou. Só o Avatar, que domina os quatro elementos, pode equilibrar o mundo. Mas quando o mundo mais precisava dele, ele desapareceu. Cem anos se passaram e meu irmão e eu descobrimos o novo Avatar, um dobrador de ar chamado Aang. Apesar de sua habilidade com o ar ser ótima, ele tem muito o que aprender antes que possa salvar qualquer um. Mas eu acredito que Aang possa salvar o mundo!"
A lenda de Aang é um desenho norte-americano feito para concorrer com os animes que invadiram o mundo. Coerente, profundo, com uma mitologia muito bem acabada, mas sem perder o tom leve e o humor, o desenho foi sucesso absoluto na Nickelodeon. Aqui no Brasil, as três temporadas passaram também na TV Globinho, sendo bem recebida. Claro que, ao adaptar 20 episódios de 24 minutos cada, que corresponde a primeira temporada da série, Shyamalan teve que cortar muita coisa, resumir, recriar, mas tirar a essência de alguns personagens soou grave ao meus olhos de apreciadora. Senti-me um pouco como os fãs de Harry Potter odiando o sexto filme (que é um primor da arte cinematográfica), pois não reconheci Aang, Sokka ou Katara, muito menos Zuko e seu tio Iroh. Vou dividir a partir daqui, então, entre: esquecendo a história original e analisando a adaptação. Assim, se você não conhece a história, pode nem ler a última parte.
Esquecendo a história original:
Se analisarmos apenas o que vemos na tela, há um filme instigante. Uma lenda viva é encontrada após 100 anos adormecida em um mundo em guerra. Um garoto é a esperança de milhares de pessoas que sofrem com o poderio da nação do fogo. O roteiro é confuso ao tentar explicar o que é o Avatar e como aquele ciclo funciona, mas a idéia geral é passada. Temos o vilão, o Senhor do Fogo, um verdadeiro ditador que expulsou o próprio filho e só o aceita de volta se ele trouxer o Avatar. Temos esse garoto sofrido que quase pede desculpas por ter que caçar Aang e é acompanhando por seu tio, um senhor distinto e calmo. Temos o grupo da tribo da água que encontra um menino congelado e descobrem que ele é a lenda que esperavam. As peças estão na tela e tentam se organizar. Mas, a ação demora a acontecer, e não falo de lutas, mas de objetivo dos personagens. A sensação é de que tudo que vemos é apenas a introdução de uma história, principalmente por seu final.
Em termos de efeitos especiais, é fantástico. É lindo ver água, fogo, terra e ar serem manipulados de formas diversas. Pena que não são muitas batalhas. Aang e Katara passam mais tempo ensaiando do que praticando. Mas, quando em ação, os efeitos impressionam. Principalmente nas dobras de água, que criam formas e constroem um belo balé. O mesmo não posso dizer, no entanto, do 3D. Maqueado às pressas para aproveitar o momento, soa quase como enganação. Na abertura, tem uma bela função, mas a partir daí quase esquecemos o porquê daqueles óculos incômodos. Dá até para tirar e assistir.
As atuações tem alguns problemas, principalmente de Dev Patel como o príncipe Zuko. Um personagem com tamanha carga dramática precisava de um ator melhor preparado, nosso "aprendiz de milionário" não conseguiu dessa vez. Agora, Noah Ringer não chega a ser ruim como o Avatar Aang, a construção do personagem no filme é que oscila muito. Nicola Peltz não é tão exigida como Katara, assim como Jackson Rathbone como Sokka, então, nem dá para dizer que a atuação compromete. Já Shaun Tou, defende bem o tio Iroh que lhe deram, a adaptação é que não parece das mais felizes, mas aí é tema do outro tópico.
No geral, a direção de Shyamalan é competente, apesar de seu roteiro fraco. A força da lenda de Aang, as belas cenas construídas pelos efeitos, o recorte proposto envolvem o público que gosta do gênero. E, como disse, pode ser considerado um bom filme.
Analisando a adaptação:
Entendo que para dar maior credibilidade a história, Shyamalan tivesse que diminuir o tom da comédia, mas tirar completamente descaracterizou seus personagens. Como conceber um Sokka tão sério a ponto de não contar uma única piada no filme? E o gênio mandão de Katara, cadê? Aang perdeu também todo o seu tom infantil, já tendo uma consciência de sua missão e do mundo espiritual tão forte. Zuko não é nem sombra do vilão do início da série, já demonstra desde a primeira cena do filme a sua qualidade de anti-herói com uma ferida fatal que pode vir a ser regenerado. Isso faz a caçada perder em seu tom dramático. Além disso, o tio Iroh perdeu todas as suas características de "velhinho simpático". No desenho, ele é o protótipo do Sr. Miyagi. No filme, não bebe chá, nem joga "lótus", muito menos é espirituoso. Assim, não é tão impactante a revelação de sua força quando tem que lutar.
O Senhor do Fogo também perde seu impacto perverso ao ser mostrado seu rosto desde o início. No filme, ele aparece apenas como uma sombra, um vulto, ampliando a aura de poder e mistério em torno de sua figura. O contraste dele com seu irmão Iroh nem fica tão forte. Já o Avatar, como disse, tem uma facilidade muito grande de aceitar sua missão e transitar pelo mundo espiritual. Podem ter passado cem anos, mas para Aang são apenas minutos desde sua fuga. Ele precisava de um tempo maior para assimilar tudo aquilo. Além disso, desde quando ele tem dificuldade de aprender a dobra de água? Se é assim, imagine quando vier a terra e o fogo!
Outro problema que Shyamalan tem é o tempo. Em um filme de duas horas é complicado mesmo expor toda a dimensão de Avatar. O passado de Zuko, por exemplo, que tivemos um episódio inteiro para explicar virou um flashback de um minuto, tendo que recorrer ao artifício fácil de "me explica aí o que aconteceu". Muita coisa foi cortada como as guerreiras Kyoshi e a maioria das vilas que o trio percorreu. Mas, o que achei mais complicado foi não demonstrar a dificuldade de Katara em ser aceita como uma das aprendizes do mestre da água na tribo do Norte. Ali foi a afirmação da personagem como forte lutadora que será fundamental na missão de Aang, além de demonstrar a tradição machista da tribo da água, e principalmente a função da cura das dobradoras mulheres.
Com uma história tão boa, o filme prometia. Pena que não foi possível adaptar toda a grandeza de Avatar para as telas do cinema. Quem sabe ele consegue no segundo e terceiro. Porque, independente das críticas, a bilheteria não foi ruim e Aang ainda merece salvar o mundo.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
O verdadeiro Avatar
2010-08-19T08:55:00-03:00
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