Celebremos Nosso Lar
Acho que esse é o texto mais difícil que escrevo aqui no blog. É difícil falar de Nosso Lar sem ser parcial, por toda a simbologia que envolve essa obra de 1944. Não escondo de ninguém que sou espírita. Li o livro pela primeira vez quando tinha 13 anos, como expliquei na análise do trailer. E esta é uma das obras mais importantes no Espiritismo depois das obras básicas por ser a primeira a falar com detalhes sobre o mundo espiritual, como bem expliquei na promoção que está acontecendo aqui no blog. Devo dizer também que já vi o filme três vezes e ainda não esgotei o interesse. Quero ver pelo menos mais uma no cinema e, com certeza, comprarei o DVD quando sair. O que prova, como não sou masoquista, que adorei o filme. Mas adorei por tudo o que ele representa. Feito o prefácio, vamos aos resultados.
Tinha uma grande preocupação com o resultado de Nosso Lar. As expectativas eram altas e os filmes sempre costumavam me decepcionar nesses casos, como Besouro, por exemplo, que tinha um belo trailer, pós-produção e parte da equipe internacional. Temia também pelo diretor Wagner de Assis, que só tinha dirigido até hoje o problemático A Cartomante, além de assinar roteiros duvidosos como Xuxa Requebra e Xuxa PopStar. Felizmente, Nosso Lar é melhor que todos esses, assim como também obtém um melhor resultado do que o fraco Bezerra de Menezes. Apesar de, em minha opinião, não superar Chico Xavier no conjunto da obra.
A essência do livro está lá. A bela mensagem de renovação e evolução do ser. O resgate de valores humanos, respeito ao próximo e a si mesmo, a entrega da alma e a salvação pela fé e pelo amor. A história do médico que, após sua morte, encontra um mundo complexo à sua frente e tem que se deixar levar em uma jornada de autoconhecimento e transformação. Sua experiência engloba as pessoas que conhece na colônia espiritual e o que aprende com cada uma delas. Muita coisa foi resumida e algumas histórias mescladas, como em toda obra de adaptação. Ainda assim, é uma trama coerente que passa a sua mensagem e emociona em muitas cenas como a sequência da Segunda Guerra Mundial, ou na reunião da família de André Luiz. A coreografia no Umbral, como são chamadas as zonas inferiores, também impressiona. Mas, o que impressiona mesmo são os efeitos especiais.
Finalizado em Toronto, na Intelligent Creatures, que fez Watchmen, o filme conta com o diretor de fotografia Ueli Steiger e Phillip Glass assinando a trilha sonora. Os profissionais internacionais fazem a diferença, criando uma paisagem e uma atmosfera jamais vista em uma produção brasileira. Impressiona a riqueza dos cenários virtuais. Os enquadramentos da cidade e das zonas inferiores. A construção do clima com as músicas clássicas e os acordes sentimentais. A cúpula da governadoria e as mensagens transmitidas por imagens holográficas. É possível viajar por esse mundo criado e se envolver com a materialização de coisas que nossa imaginação ainda não consegue conceber. Mesmo não sendo espírita.
Agora, todo filme é feito de escolhas. E como era esperado de uma obra apoiada pela Federação Espírita, Wagner de Assis escolheu pela mensagem em detrimento do entretenimento. Não digo isso com juízo de valor. Apenas uma constatação da óbvia função doutrinária que o diretor teima em negar em suas entrevistas. Não a doutrinação de que o Espiritismo é a religião certa, mas a doutrinação de que os conceitos de conduta humana que ela prega são os corretos. E nisso, o que a doutrina prega nada mais é do que o que Jesus pregou há mais de dois mil anos. Por isso, pessoas de diversas religiões podem se sensibilizar com a mensagem de necessidade de evolução do ser. Mas, dificilmente alguém que seja agnóstico e vá ao cinema apenas para ver uma obra de ficção e entretenimento conseguirá se envolver completamente na história.
Isso porque na escolha por transmitir a mensagem em detrimento da dramática, Assis acabou tornando sua obra didática demais. O início com aquela voz over explicando cada cena que era vista, os diálogos com uma linguagem rebuscada dos anos 40 e o formato segmentado do roteiro não dão uma unidade na trajetória do personagem que faça com que o espectador leigo se envolva em seu drama. Não dá tempo de conhecer sua dor e se compadecer dela porque é tudo muito picotado e com a narrativa resumindo os sentimentos. Se o filme começasse apenas com o Umbral, deixando o espectador se ambientar naquele vale de sofrimento e até mesmo ficando curioso para saber se ele se suicidara como os gritos acusam, para só depois mostrar o passado em paralelo com Nosso Lar, por exemplo, talvez a construção fosse mais feliz. Mas, aí são suposições.
Os atores, ao contrário do que li em muitas críticas, estão bem. O texto é difícil, a situação é pouco palpável, é preciso alguns esclarecimentos e não achei que eles se saíram mal. Renato Prieto é o único que teria ressalvas. Desde o trailer achei suas expressões caricatas e armadas ao extremo. Ele é um ator de teatro, tinha feito pouca coisa em vídeo, nada com a complexidade de um protagonista. A falta de experiência com o tempo do cinema prejudicou sua atuação que está carregada de vícios teatrais. Já Fernando Alves Pinto, achei bem como Lízias, funciona inclusive como alívio cômico em muitos momentos. Destaque para Othon Bastos como o governador Anacleto que consegue passar simplicidade e grandiosidade de alma daquele espírito iluminado. Assim como Ana Rosa e Paulo Goulart em suas participações com tons tão naturais.
Independente de problemas na condução, principalmente do roteiro, Nosso Lar é daqueles filmes que ficam impregnados em nossas mentes mesmo depois de terminar os créditos. Vi pessoas chorando ao meu lado, assim como vi meu pai se emocionando mesmo não sendo espírita ou minha mãe se dispondo a ir ao cinema, coisa que parece ter deixado de fazer há muito tempo. É o milagre da mensagem de amor que a obra emana. Há coisas que superam a técnica e nos envolvem. Poderia ser melhor. Sempre pode. Mas, já é um começo. Tomara que as bilheterias batam todos os recordes e abram as portas para novos gêneros, formatos e temas no cinema brasileiro.
Tinha uma grande preocupação com o resultado de Nosso Lar. As expectativas eram altas e os filmes sempre costumavam me decepcionar nesses casos, como Besouro, por exemplo, que tinha um belo trailer, pós-produção e parte da equipe internacional. Temia também pelo diretor Wagner de Assis, que só tinha dirigido até hoje o problemático A Cartomante, além de assinar roteiros duvidosos como Xuxa Requebra e Xuxa PopStar. Felizmente, Nosso Lar é melhor que todos esses, assim como também obtém um melhor resultado do que o fraco Bezerra de Menezes. Apesar de, em minha opinião, não superar Chico Xavier no conjunto da obra.
A essência do livro está lá. A bela mensagem de renovação e evolução do ser. O resgate de valores humanos, respeito ao próximo e a si mesmo, a entrega da alma e a salvação pela fé e pelo amor. A história do médico que, após sua morte, encontra um mundo complexo à sua frente e tem que se deixar levar em uma jornada de autoconhecimento e transformação. Sua experiência engloba as pessoas que conhece na colônia espiritual e o que aprende com cada uma delas. Muita coisa foi resumida e algumas histórias mescladas, como em toda obra de adaptação. Ainda assim, é uma trama coerente que passa a sua mensagem e emociona em muitas cenas como a sequência da Segunda Guerra Mundial, ou na reunião da família de André Luiz. A coreografia no Umbral, como são chamadas as zonas inferiores, também impressiona. Mas, o que impressiona mesmo são os efeitos especiais.
Finalizado em Toronto, na Intelligent Creatures, que fez Watchmen, o filme conta com o diretor de fotografia Ueli Steiger e Phillip Glass assinando a trilha sonora. Os profissionais internacionais fazem a diferença, criando uma paisagem e uma atmosfera jamais vista em uma produção brasileira. Impressiona a riqueza dos cenários virtuais. Os enquadramentos da cidade e das zonas inferiores. A construção do clima com as músicas clássicas e os acordes sentimentais. A cúpula da governadoria e as mensagens transmitidas por imagens holográficas. É possível viajar por esse mundo criado e se envolver com a materialização de coisas que nossa imaginação ainda não consegue conceber. Mesmo não sendo espírita.
Agora, todo filme é feito de escolhas. E como era esperado de uma obra apoiada pela Federação Espírita, Wagner de Assis escolheu pela mensagem em detrimento do entretenimento. Não digo isso com juízo de valor. Apenas uma constatação da óbvia função doutrinária que o diretor teima em negar em suas entrevistas. Não a doutrinação de que o Espiritismo é a religião certa, mas a doutrinação de que os conceitos de conduta humana que ela prega são os corretos. E nisso, o que a doutrina prega nada mais é do que o que Jesus pregou há mais de dois mil anos. Por isso, pessoas de diversas religiões podem se sensibilizar com a mensagem de necessidade de evolução do ser. Mas, dificilmente alguém que seja agnóstico e vá ao cinema apenas para ver uma obra de ficção e entretenimento conseguirá se envolver completamente na história.
Isso porque na escolha por transmitir a mensagem em detrimento da dramática, Assis acabou tornando sua obra didática demais. O início com aquela voz over explicando cada cena que era vista, os diálogos com uma linguagem rebuscada dos anos 40 e o formato segmentado do roteiro não dão uma unidade na trajetória do personagem que faça com que o espectador leigo se envolva em seu drama. Não dá tempo de conhecer sua dor e se compadecer dela porque é tudo muito picotado e com a narrativa resumindo os sentimentos. Se o filme começasse apenas com o Umbral, deixando o espectador se ambientar naquele vale de sofrimento e até mesmo ficando curioso para saber se ele se suicidara como os gritos acusam, para só depois mostrar o passado em paralelo com Nosso Lar, por exemplo, talvez a construção fosse mais feliz. Mas, aí são suposições.
Os atores, ao contrário do que li em muitas críticas, estão bem. O texto é difícil, a situação é pouco palpável, é preciso alguns esclarecimentos e não achei que eles se saíram mal. Renato Prieto é o único que teria ressalvas. Desde o trailer achei suas expressões caricatas e armadas ao extremo. Ele é um ator de teatro, tinha feito pouca coisa em vídeo, nada com a complexidade de um protagonista. A falta de experiência com o tempo do cinema prejudicou sua atuação que está carregada de vícios teatrais. Já Fernando Alves Pinto, achei bem como Lízias, funciona inclusive como alívio cômico em muitos momentos. Destaque para Othon Bastos como o governador Anacleto que consegue passar simplicidade e grandiosidade de alma daquele espírito iluminado. Assim como Ana Rosa e Paulo Goulart em suas participações com tons tão naturais.
Independente de problemas na condução, principalmente do roteiro, Nosso Lar é daqueles filmes que ficam impregnados em nossas mentes mesmo depois de terminar os créditos. Vi pessoas chorando ao meu lado, assim como vi meu pai se emocionando mesmo não sendo espírita ou minha mãe se dispondo a ir ao cinema, coisa que parece ter deixado de fazer há muito tempo. É o milagre da mensagem de amor que a obra emana. Há coisas que superam a técnica e nos envolvem. Poderia ser melhor. Sempre pode. Mas, já é um começo. Tomara que as bilheterias batam todos os recordes e abram as portas para novos gêneros, formatos e temas no cinema brasileiro.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Celebremos Nosso Lar
2010-09-07T08:57:00-03:00
Amanda Aouad
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