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Bruna Surfistinha
Bruna Surfistinha
Raquel Pacheco seria apenas mais uma mulher brasileira a exercer a profissão mais antiga do mundo se não tivesse tido uma ideia, na época inovadora, de abrir um blog para contar seu dia a dia com os clientes. Virou celebridade com seu codinome Bruna Surfistinha, ganhou muito dinheiro, se perdeu, se encontrou, largou a vida e lançou um livro com sua história, "O Doce Veneno do Escorpião" que vendeu milhares de exemplares e ainda foi exportado para 14 países. Agora chega ao cinema como um dos mais esperados do ano, tendo Deborah Secco como sua protagonista. O estreante Marcus Baldini não faz feio, conduz bem a trama, mas o roteiro de Antonia Pelegrinno, José Carvalho e Homero Olivetto esbarra em alguns clichês e dificuldades de se construir uma cinebiografia.
O filme traz a história de Raquel / Bruna desde sua decisão de sair da casa dos pais adotivos, detalhando suas idas e vindas no mundo da prostituição até o momento em que decide largar aquela vida, dando-se um prazo determinado. A trama de "Cinderela às avessas" não tenta explicar o que faz uma menina com uma situação financeira confortável se aventurar no submundo daquela maneira. "Eu não queria depender de ninguém", ela diz. Ok, mas daí a sair no meio da noite para se hospedar em um prostíbulo de quinta categoria é um pouquinho demais. Lembrei da fictícia história de Hilda Furacão tão ironicamente construída por Roberto Drummond, que virou minissérie na Globo. Mas, o romance mineiro tinha como objetivo descobrir o porquê de Hilda ter se metido na Zona Boêmia, Surfistinha não. Até porque a realidade foi maquiada e exagerada com a relação fria com o pai, o desprezo do irmão e a perseguição dos colegas de classe.
Bruna saiu de casa, começou em um local pequeno, logo encontrou pessoas que a levaram a novos clientes, criou o blog, virou celebridade, ganhou muito dinheiro, enveredou no mundo das drogas, caiu, levantou e é o que é hoje. É tudo real? Sim, está no livro de Raquel, mas já dizia o velho e bom Aristóteles que devemos preferir as coisas verossímeis às reais. Ou seja, as que têm coerência interna, uma história não precisa ser real para ver verossímil, mas precisa nos fazer crer nela, ou não entramos no filme. Há, no roteiro de Surfistinha, um problema que os manuais de roteiro chamam de economia narrativa. Principalmente, após ela começar a cheirar cocaína.
Os roteiristas se apressam em contar no que restou de projeção, que foi muito bem gasta até o momento com o surgimento da protagonista, toda a curva de ascensão, queda, redenção e superação da personagem. Fica difícil de acreditar que alguém que dois minutos antes era a mulher mais desejada, de repente estava rodando bolsinha na calçada. Há também uma necessidade de redenção, como se ela precisasse "pagar" por todos os pecados que cometeu, para só então, ter o direito de ser feliz. Há ainda clichês, soluções fáceis, além da narração over que explica os pormenores dos sentimentos de Bruna. Neste recurso, entra o que falo da dificuldade de adaptar uma história real, ficamos tentando colocar tudo no filme e esse tudo às vezes não é tão necessário.
Ainda assim, o resultado que vemos na tela é envolvente e interessante, principalmente pela entrega de Deborah Secco e ousadia de Marcus Baldini. Mesmo estreante, o diretor demonstra segurança em suas escolhas, brindando-nos com cenas fortes e bem realizadas. A primeira vez de Bruna no bordel é incrível. A câmera parada no rosto da atriz, com o fundo desfocado. Vemos a movimentação do cliente, vivido por Cássio Gabus Mendes, mas estamos grudados no olhar de Bruna, no seu sofrimento, mas ao mesmo tempo resignação, força de vontade, raiva, determinação. Secco nos passa tudo isso como o olhar. Outro momento que parece banal é quando a música de Roxette toca no rádio e Bruna tenta ensinar para Kelly a letra, enquanto as demais olham a cena sem interesse. Gosto muito dessa cena porque mostra com detalhes cotidianos a nítida diferença entre Bruna, uma menina com educação privilegiada, que fala inglês fluente, e as demais prostitutas da casa de Larissa. O jogo que o diretor faz também com nós espectadores e clientes de Bruna, colocando por diversas vezes a câmera subjetiva, é fundamental para a construção do filme.
Mas, se Marcus Baldini conseguiu construir seu filme com força suficiente para nos envolver, deveu muito a Deborah Secco. A atriz, que ficou marcada por personagens caricatos nas telenovelas, demonstrou talento desde pequena. Não me esqueço da moleca Carol de Confissões de Adolescente, nem da rebelde Tatu da telenovela Vira-lata, muito menos da insuportável Íris de Laços de Família, seu melhor papel na televisão. Mas, junto com isso, ela foi construindo outra imagem para si, gerando personagens como Darlene ou a atual Natalie. No cinema, então, suas participações são esquecíveis. Nem falo de Xuxa e Os Trapalhões, ou mesmo, Caramuru. Mas Deborah protagonizou um dos piores filmes que já vi na vida: A Cartomante.
Toda essa explicação para dizer que vi em Bruna Surfistinha um vislumbre da atriz que pensei que Deborah Secco viesse a se tornar quando assistia as aventuras das quatro irmãs na série da TV Cultura. Ela nos passa força, determinação, sensualidade, timidez, medo, incompreensão, pena, raiva, admiração. Deborah Secco nos convence de que tudo aquilo é real e possível, passando por cima até mesmo de alguns problemas de roteiro. É de se admirar sua entrega e coragem para apresentar um personagem como esse, sem máscaras, preconceitos ou pré-julgamentos. Com o olhar, ela nos emociona em muitos momentos.
Bruna Surfistinha pode não ser o melhor filme de todos os tempos, nem mesmo o filme brasileiro do ano. Mas, é uma produção honesta, com bons momentos e que nos traz emoções diversas durante a projeção. Acabaria um pouco antes, ou mesmo na tela preta com as últimas explicações. A tentativa de resgate posterior pode parecer gratuita, talvez como uma mensagem moralista. Ou simplesmente, ele quisesse nos deixar com aquela imagem pura e perdida ao mesmo tempo. É um filme intenso, de qualquer maneira.
Bruna Surfistinha (2011 / Brasil)
Direção: Marcus Baldini
Roteiro: Antonia Pelegrinno, José Carvalho, Homero Olivetto
Com: Deborah Secco, Fabiula Nascimento, Drica Moraes, Cássio Gabus Mendes
Duração: 90 min.
O filme traz a história de Raquel / Bruna desde sua decisão de sair da casa dos pais adotivos, detalhando suas idas e vindas no mundo da prostituição até o momento em que decide largar aquela vida, dando-se um prazo determinado. A trama de "Cinderela às avessas" não tenta explicar o que faz uma menina com uma situação financeira confortável se aventurar no submundo daquela maneira. "Eu não queria depender de ninguém", ela diz. Ok, mas daí a sair no meio da noite para se hospedar em um prostíbulo de quinta categoria é um pouquinho demais. Lembrei da fictícia história de Hilda Furacão tão ironicamente construída por Roberto Drummond, que virou minissérie na Globo. Mas, o romance mineiro tinha como objetivo descobrir o porquê de Hilda ter se metido na Zona Boêmia, Surfistinha não. Até porque a realidade foi maquiada e exagerada com a relação fria com o pai, o desprezo do irmão e a perseguição dos colegas de classe.
Bruna saiu de casa, começou em um local pequeno, logo encontrou pessoas que a levaram a novos clientes, criou o blog, virou celebridade, ganhou muito dinheiro, enveredou no mundo das drogas, caiu, levantou e é o que é hoje. É tudo real? Sim, está no livro de Raquel, mas já dizia o velho e bom Aristóteles que devemos preferir as coisas verossímeis às reais. Ou seja, as que têm coerência interna, uma história não precisa ser real para ver verossímil, mas precisa nos fazer crer nela, ou não entramos no filme. Há, no roteiro de Surfistinha, um problema que os manuais de roteiro chamam de economia narrativa. Principalmente, após ela começar a cheirar cocaína.
Os roteiristas se apressam em contar no que restou de projeção, que foi muito bem gasta até o momento com o surgimento da protagonista, toda a curva de ascensão, queda, redenção e superação da personagem. Fica difícil de acreditar que alguém que dois minutos antes era a mulher mais desejada, de repente estava rodando bolsinha na calçada. Há também uma necessidade de redenção, como se ela precisasse "pagar" por todos os pecados que cometeu, para só então, ter o direito de ser feliz. Há ainda clichês, soluções fáceis, além da narração over que explica os pormenores dos sentimentos de Bruna. Neste recurso, entra o que falo da dificuldade de adaptar uma história real, ficamos tentando colocar tudo no filme e esse tudo às vezes não é tão necessário.
Ainda assim, o resultado que vemos na tela é envolvente e interessante, principalmente pela entrega de Deborah Secco e ousadia de Marcus Baldini. Mesmo estreante, o diretor demonstra segurança em suas escolhas, brindando-nos com cenas fortes e bem realizadas. A primeira vez de Bruna no bordel é incrível. A câmera parada no rosto da atriz, com o fundo desfocado. Vemos a movimentação do cliente, vivido por Cássio Gabus Mendes, mas estamos grudados no olhar de Bruna, no seu sofrimento, mas ao mesmo tempo resignação, força de vontade, raiva, determinação. Secco nos passa tudo isso como o olhar. Outro momento que parece banal é quando a música de Roxette toca no rádio e Bruna tenta ensinar para Kelly a letra, enquanto as demais olham a cena sem interesse. Gosto muito dessa cena porque mostra com detalhes cotidianos a nítida diferença entre Bruna, uma menina com educação privilegiada, que fala inglês fluente, e as demais prostitutas da casa de Larissa. O jogo que o diretor faz também com nós espectadores e clientes de Bruna, colocando por diversas vezes a câmera subjetiva, é fundamental para a construção do filme.
Mas, se Marcus Baldini conseguiu construir seu filme com força suficiente para nos envolver, deveu muito a Deborah Secco. A atriz, que ficou marcada por personagens caricatos nas telenovelas, demonstrou talento desde pequena. Não me esqueço da moleca Carol de Confissões de Adolescente, nem da rebelde Tatu da telenovela Vira-lata, muito menos da insuportável Íris de Laços de Família, seu melhor papel na televisão. Mas, junto com isso, ela foi construindo outra imagem para si, gerando personagens como Darlene ou a atual Natalie. No cinema, então, suas participações são esquecíveis. Nem falo de Xuxa e Os Trapalhões, ou mesmo, Caramuru. Mas Deborah protagonizou um dos piores filmes que já vi na vida: A Cartomante.
Toda essa explicação para dizer que vi em Bruna Surfistinha um vislumbre da atriz que pensei que Deborah Secco viesse a se tornar quando assistia as aventuras das quatro irmãs na série da TV Cultura. Ela nos passa força, determinação, sensualidade, timidez, medo, incompreensão, pena, raiva, admiração. Deborah Secco nos convence de que tudo aquilo é real e possível, passando por cima até mesmo de alguns problemas de roteiro. É de se admirar sua entrega e coragem para apresentar um personagem como esse, sem máscaras, preconceitos ou pré-julgamentos. Com o olhar, ela nos emociona em muitos momentos.
Bruna Surfistinha pode não ser o melhor filme de todos os tempos, nem mesmo o filme brasileiro do ano. Mas, é uma produção honesta, com bons momentos e que nos traz emoções diversas durante a projeção. Acabaria um pouco antes, ou mesmo na tela preta com as últimas explicações. A tentativa de resgate posterior pode parecer gratuita, talvez como uma mensagem moralista. Ou simplesmente, ele quisesse nos deixar com aquela imagem pura e perdida ao mesmo tempo. É um filme intenso, de qualquer maneira.
Bruna Surfistinha (2011 / Brasil)
Direção: Marcus Baldini
Roteiro: Antonia Pelegrinno, José Carvalho, Homero Olivetto
Com: Deborah Secco, Fabiula Nascimento, Drica Moraes, Cássio Gabus Mendes
Duração: 90 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Bruna Surfistinha
2011-03-01T08:15:00-03:00
Amanda Aouad
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