Cópia Fiel
Em "A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica" Walter Benjamin discute o valor da cópia de uma obra. Aliás, a discussão que serve de ponto de partida para o filme Cópia Fiel, do iraniano Abbas Kiarostami, é uma das bases da teoria da Pós-Modernidade onde a busca pela idéia original parece não existir mais, tudo é uma recriação de algo que já existe. Mas, como nem a teoria da Pós-Modernidade é completamente aceita, já está até ultrapassada em muitos pontos, a discussão de original e reprodução ainda rende muito pano para manga.
O mais interessante em Cópia Fiel é que essa discussão parece não ter muita importância, o que Kiarostami faz conosco é construir um exemplo perfeito do que é real ou imaginário, o que é original e apenas uma imitação. E não utiliza para isso obras de arte, mas uma situação de vida. Afinal, quem são Elle e James Miller? Dois estranhos brincando de interpretar? Um casal com quinze anos de convivência? Dois velhos conhecidos do acaso em uma época em Florença? Tudo o que temos é o que Kiarostami nos dá e tudo o que ele nos dá é uma palestra em uma cidadezinha de Toscana, um livro lançado, um bilhete e um passeio em um dia ensolarado onde pistas e revelações serão passadas nos detalhes.
É interessante perceber a condução do diretor roteirista que não quer que nos prendamos à discussão interminável que James Miller, interpretado por William Shimel, colocou em seu livro. Ele defende o valor da cópia, como os pós-modernistas, mas seu discurso de apresentação da obra fica completamente em segundo plano com a presença de Elle e seu filho na platéia. Não apenas pelo talento da atriz Juliette Binoche, que realmente brilha em cena, mas pela forma como sua câmera nos conduz a prestar muito mais atenção nela, na preocupação com o filho em pé no canto e nos cochichos com o organizador do evento do que no conteúdo do discurso do escritor. Não que o que ele diga não seja importante, ou possamos perceber. Mas, é quase uma dica do diretor para que não nos preocupemos tanto com isso, o que ele nos reserva é algo mais instigante. Não importa saber se a obra é ou não original, mas se nossa vida é uma reprodução de convenções já estabelecidas.
Fora da palestra, começamos a ter pistas de que nada é o que parece. Primeiro, James fica incomodado na loja de Elle, com tantas obras de arte, ele deveria se interessar, não? Depois, ela o leva a um museu onde um quadro venerado por anos como uma autêntica obra romana foi descoberta como reproduzida por um falsário napolitano, seria uma deixa para a comprovação da teoria do filósofo, mas ele não parece nem um pouco interessado naquilo. Em um momento posterior, quando Elle e James Miller estão no carro, ele tenta convencê-la de que sua teoria tem sentido através do exemplo da simplicidade da irmã da moça, Marie. A sensação se repete, os detalhes no carro se tornam mais atraentes aos nossos olhos. É o desconforto dele autografando os livros no colo, enquanto o carro anda. Os gestos de ambos, sempre em planos fechados. Ou, principalmente, o reflexo dos prédios e casas por onde passam no vidro do carro. Em determinado momento, o reflexo fica tão forte que cobre completamente os rostos de ambos, deixando apenas o centro do carro visível.
Esse jogo de reflexos por espelhos e janelas é bastante utilizado durante todo o filme, dando essa sensação de nunca estamos vendo o real, mas apenas seu reflexo em alguma superfície da vida. Interessante perceber também que eles sempre parecem olhar de fora. É na cena da foto, onde vemos por uma fresta da porta, ou na cena da praça, onde ele espera ao lado de espelho enquanto ela conversa com um casal e vemos através de seu reflexo essa conversa. Ou na cena do restaurante, onde ela vê tudo através do vidro. A vida está tão condicionadamente escondida pelos reflexos que, em determinado momento, James diz que por estarem discutindo estão perdendo a bela paisagem da Toscana. Só então, nosso olhar sai do carro e vemos a paisagem em uma câmera subjetiva. É um passeio bonito, um dos poucos momentos em que temos um plano mais aberto. E serve para o escritor completar a teoria com o exemplo das árvores no caminho.
Várias discussões filosóficas cercam o filme, é verdade, mas o principal de Cópia Fiel é nos fazer pensar através do exemplo. É um jogo onde não encontramos respostas prontas. Somos levados, assim como a vida, onde nunca sabemos o que é uma reação original ou apenas uma representação, a exemplo do sorriso da Monalisa que ele cita. Um belo filme, que rendeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2010 para a francesa Juliette Binoche.
Cópia Fiel (Copie Conforme: 2010 / França, Irã, Itália)
Direção: Abbas Kiarostami
Roteiro: Abbas Kiarostami
Com: Juliette Binoche, William Shimell, Jean-Claude Carrière, Agathe Nathanson.
Duração: 106 min
O mais interessante em Cópia Fiel é que essa discussão parece não ter muita importância, o que Kiarostami faz conosco é construir um exemplo perfeito do que é real ou imaginário, o que é original e apenas uma imitação. E não utiliza para isso obras de arte, mas uma situação de vida. Afinal, quem são Elle e James Miller? Dois estranhos brincando de interpretar? Um casal com quinze anos de convivência? Dois velhos conhecidos do acaso em uma época em Florença? Tudo o que temos é o que Kiarostami nos dá e tudo o que ele nos dá é uma palestra em uma cidadezinha de Toscana, um livro lançado, um bilhete e um passeio em um dia ensolarado onde pistas e revelações serão passadas nos detalhes.
É interessante perceber a condução do diretor roteirista que não quer que nos prendamos à discussão interminável que James Miller, interpretado por William Shimel, colocou em seu livro. Ele defende o valor da cópia, como os pós-modernistas, mas seu discurso de apresentação da obra fica completamente em segundo plano com a presença de Elle e seu filho na platéia. Não apenas pelo talento da atriz Juliette Binoche, que realmente brilha em cena, mas pela forma como sua câmera nos conduz a prestar muito mais atenção nela, na preocupação com o filho em pé no canto e nos cochichos com o organizador do evento do que no conteúdo do discurso do escritor. Não que o que ele diga não seja importante, ou possamos perceber. Mas, é quase uma dica do diretor para que não nos preocupemos tanto com isso, o que ele nos reserva é algo mais instigante. Não importa saber se a obra é ou não original, mas se nossa vida é uma reprodução de convenções já estabelecidas.
Fora da palestra, começamos a ter pistas de que nada é o que parece. Primeiro, James fica incomodado na loja de Elle, com tantas obras de arte, ele deveria se interessar, não? Depois, ela o leva a um museu onde um quadro venerado por anos como uma autêntica obra romana foi descoberta como reproduzida por um falsário napolitano, seria uma deixa para a comprovação da teoria do filósofo, mas ele não parece nem um pouco interessado naquilo. Em um momento posterior, quando Elle e James Miller estão no carro, ele tenta convencê-la de que sua teoria tem sentido através do exemplo da simplicidade da irmã da moça, Marie. A sensação se repete, os detalhes no carro se tornam mais atraentes aos nossos olhos. É o desconforto dele autografando os livros no colo, enquanto o carro anda. Os gestos de ambos, sempre em planos fechados. Ou, principalmente, o reflexo dos prédios e casas por onde passam no vidro do carro. Em determinado momento, o reflexo fica tão forte que cobre completamente os rostos de ambos, deixando apenas o centro do carro visível.
Esse jogo de reflexos por espelhos e janelas é bastante utilizado durante todo o filme, dando essa sensação de nunca estamos vendo o real, mas apenas seu reflexo em alguma superfície da vida. Interessante perceber também que eles sempre parecem olhar de fora. É na cena da foto, onde vemos por uma fresta da porta, ou na cena da praça, onde ele espera ao lado de espelho enquanto ela conversa com um casal e vemos através de seu reflexo essa conversa. Ou na cena do restaurante, onde ela vê tudo através do vidro. A vida está tão condicionadamente escondida pelos reflexos que, em determinado momento, James diz que por estarem discutindo estão perdendo a bela paisagem da Toscana. Só então, nosso olhar sai do carro e vemos a paisagem em uma câmera subjetiva. É um passeio bonito, um dos poucos momentos em que temos um plano mais aberto. E serve para o escritor completar a teoria com o exemplo das árvores no caminho.
Várias discussões filosóficas cercam o filme, é verdade, mas o principal de Cópia Fiel é nos fazer pensar através do exemplo. É um jogo onde não encontramos respostas prontas. Somos levados, assim como a vida, onde nunca sabemos o que é uma reação original ou apenas uma representação, a exemplo do sorriso da Monalisa que ele cita. Um belo filme, que rendeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2010 para a francesa Juliette Binoche.
Cópia Fiel (Copie Conforme: 2010 / França, Irã, Itália)
Direção: Abbas Kiarostami
Roteiro: Abbas Kiarostami
Com: Juliette Binoche, William Shimell, Jean-Claude Carrière, Agathe Nathanson.
Duração: 106 min
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Cópia Fiel
2011-05-18T14:48:00-03:00
Amanda Aouad
critica|cult|drama|Juliette Binoche|
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