Crítico
"Toda crítica é uma auto-biografia". Com esta frase determinista de Oscar Wilde, Kleber Mendonça Filho começa o seu filme metalinguístico. Um documentário sobre a crítica feito por um crítico / cineasta. Durante nove anos, o diretor ouviu setenta pessoas entre críticos e cineastas sobre a relação de conflito entre criador e observador. Afinal, para que serve a crítica? É benéfica? Ou apenas destrói? A crítica faz o cinema ou o cinema faz a crítica? Perguntas lançadas, opiniões diversas e muito a ser discutido.
O filme se constrói de depoimentos de artistas diversos no Brasil, Estados Unidos e Europa. Diretores, atores e críticos falam o que pensam sobre o assunto dando exemplos, confabulando e filosofando sobre o cenário ideal. Intercalando tudo isso, vemos inserts diversos com imagens significativas da construção da linguagem cinematográfica. Temos cenas de cinema, propagandas, vídeos experimentais que nos mostram montagens, enquadramentos distintos, ilusões de ótica. O cinema está em pauta. Mais ainda, a sua interpretação é discutida.
A discussão começa com João Moreira Salles profetizando que o bom crítico depende das obras de seu tempo. Não podemos exigir boa crítica se não temos bom cinema. Esta afirmação é relativa, principalmente quando outros vem afirmar que a boa crítica é que faz o bom cinema, pois ela o conduz para o cenário que quer, ajudando a pensar a arte cinematográfica. Foi assim que surgiram os movimentos. Quem mais teorizou sobre o cinema senão Glauber Rocha? Como surgiu a Nouvelle vague senão das discussões na Cahiers Du Cinéma? A boa crítica não quer destruir o cinema, mas fazer a sua cobrança saudável para que os filmes melhorem a cada dia. É um parceiro do cineasta e não o seu algoz.
Mas, claro, a discussão se volta para a necessidade de abrir a mente. O crítico não pode ser preconceituoso, nem rotular cineastas. Para o bem ou para o mal. Em determinado momento, alguns diretores reclamam da não possibilidade de inovar, pois esperam sempre o mesmo deles. Lembrei de David Lynch e do filme A história real; muitos criticaram por não ser um filme típico do diretor, ser normal demais. Tão preocupados com a forma, esqueceram de admirar um filme maravilhoso. É uma coisa que ouvi no curso de Pablo Villaça, o crítico tem que ser imparcial ao entrar no filme e parcial ao escrever sua crítica. Não podemos entrar predispostos na sala de cinema. É preciso deixar o filme te surpreender. Senão, enquadra-se no que um diretor chamou de crítico ideológico. Pouco importa o filme e sim o que ele acha que deveria ser este filme. Temos que avaliar a obra pelo que ela é e tem a nos oferecer.
Por outro lado, o filme mostra vários cineastas que não apenas aprovam, como admitem aprender com a crítica sobre seu próprio filme. É a possibilidade da visão externa. O diretor, muitas vezes, age inconscientemente, por suas referências, instintos, idéias. Ao ver um pensamento organizado no papel, acabam percebendo o que fizeram. Foi assim que Fernando Meirelles disse ter compreendido a cena inicial de Cidade de Deus com a galinha simbolizando Buscapé e a trajetória que iria traçar no filme. Marcelo Gomes disse que ficou emocionado ao ler em uma crítica que o sertão branco de Cinema, Aspirinas e Urubus era uma metáfora do inverno alemão coberto de neve, pois foi uma coisa que ele pensou, mas não externou no filme.
Por outro lado, vemos diretores não satisfeitos com a crítica em geral, lançando aquelas velhas frases de que o crítico é o artista frustrado. E que é sempre doloroso ver seu trabalho destruído. Alguns ressaltam que precisa apenas uma crítica ruim para acabar com eles. É a tendência do ser humano. Podem ter cinquenta pessoas te elogiando, se um fala coisas desagradáveis, você tende a ficar pensando nela o resto do dia. Alguns diretores chegam a alertar para o jornalista mal preparado. Falam do pouco tempo de formação do crítico e a forma informal como isso acontece. Um exemplo para reforçar este despreparo acontece durante a entrevista. Um jornalista pergunta a Samuel L. Jackson se ele pode falar como serão os outros dois filmes de Matrix. No que ele responde meio irritado que não é Laurence Fishburne.
Há uma voz over do produtor da Paramount que fala pela visão empresarial, de que o filme para eles é como uma mercadoria, então, a crítica negativa não atinge a indústria. Mas, ao mesmo tempo, ao apresentarem o Bonequinho do Jornal O Globo, há a afirmação de que a depender da posição dele, a distribuidora aumenta ou diminui o número de salas no país para aquele filme. É um poder imenso para uma figura gráfica tão resumida, alguns diretores reclamam. Ninguém gosta mesmo de ser criticado, mas Cláudio Assis polemiza dizendo que um filme é para ser visto e, ao ser visto, criticado. Faz parte do jogo, quem não gosta que não produza e exiba sua obra, ele sentencia.
Outro ponto analisado é a amizade entre crítico e cineasta. Seria mais difícil criticar um amigo? Para Ruy Gardnier da Revista Contracampo, não. O crítico defende que uma verdadeira amizade consiste em dizer a verdade, então, seus amigos cineastas têm que entender quando ele fala algo ruim de seus filmes. É um assunto delicado, de qualquer forma, porque o diretor é um artista e todo artista tem um certo ego que se ofende facilmente. Vejo por um diretor que conheço que é crítico também e que criou uma briga por uma crítica negativa a um filme seu. É mais fácil falar livremente daqueles que não conhecemos e talvez nunca cheguemos a ver.
O filme trata desta crítica jornalística e do que esperamos do cenário cinematográfico, mas em dado momento, alguns cineastas citam a crescente onda de blogs de cinema, onde "cinéfilos entusiastas falam sobre sua paixão". É impressionante mesmo a quantidade de blogs sobre o assunto que surge a cada dia. Alguns melhores que muitas críticas de jornais outros quase sinopses comentadas. Ainda assim, todos válidos para falar, discutir e fomentar essa paixão pela sétima arte. O documentário Crítico se encerra sem deixar respostas, nem mesmo um caminho palpável do que acredita ser o papel da crítica e seu bom funcionamento. É mais um jogo de opiniões que cada um montará da forma que melhor lhe convier. Talvez a montagem final de imagens signifique isso. As possibilidades estão aí, cabe a nós construir o cenário que queremos.
Crítico (Crítico: 2010 / Brasil)
Direção: Kleber Mendonça Filho
Roteiro: Kleber Mendonça Filho e Emilie Lesclaux
Com: Gus Van Sant, Tom Tykwer, Eduardo Coutinho, Curtis Hanson, Carlos Reichenbach, Walter Salles, Fernando Meirelles, Carlos Saura, entre outros.
Duração: 76 min
O filme se constrói de depoimentos de artistas diversos no Brasil, Estados Unidos e Europa. Diretores, atores e críticos falam o que pensam sobre o assunto dando exemplos, confabulando e filosofando sobre o cenário ideal. Intercalando tudo isso, vemos inserts diversos com imagens significativas da construção da linguagem cinematográfica. Temos cenas de cinema, propagandas, vídeos experimentais que nos mostram montagens, enquadramentos distintos, ilusões de ótica. O cinema está em pauta. Mais ainda, a sua interpretação é discutida.
A discussão começa com João Moreira Salles profetizando que o bom crítico depende das obras de seu tempo. Não podemos exigir boa crítica se não temos bom cinema. Esta afirmação é relativa, principalmente quando outros vem afirmar que a boa crítica é que faz o bom cinema, pois ela o conduz para o cenário que quer, ajudando a pensar a arte cinematográfica. Foi assim que surgiram os movimentos. Quem mais teorizou sobre o cinema senão Glauber Rocha? Como surgiu a Nouvelle vague senão das discussões na Cahiers Du Cinéma? A boa crítica não quer destruir o cinema, mas fazer a sua cobrança saudável para que os filmes melhorem a cada dia. É um parceiro do cineasta e não o seu algoz.
Mas, claro, a discussão se volta para a necessidade de abrir a mente. O crítico não pode ser preconceituoso, nem rotular cineastas. Para o bem ou para o mal. Em determinado momento, alguns diretores reclamam da não possibilidade de inovar, pois esperam sempre o mesmo deles. Lembrei de David Lynch e do filme A história real; muitos criticaram por não ser um filme típico do diretor, ser normal demais. Tão preocupados com a forma, esqueceram de admirar um filme maravilhoso. É uma coisa que ouvi no curso de Pablo Villaça, o crítico tem que ser imparcial ao entrar no filme e parcial ao escrever sua crítica. Não podemos entrar predispostos na sala de cinema. É preciso deixar o filme te surpreender. Senão, enquadra-se no que um diretor chamou de crítico ideológico. Pouco importa o filme e sim o que ele acha que deveria ser este filme. Temos que avaliar a obra pelo que ela é e tem a nos oferecer.
Por outro lado, o filme mostra vários cineastas que não apenas aprovam, como admitem aprender com a crítica sobre seu próprio filme. É a possibilidade da visão externa. O diretor, muitas vezes, age inconscientemente, por suas referências, instintos, idéias. Ao ver um pensamento organizado no papel, acabam percebendo o que fizeram. Foi assim que Fernando Meirelles disse ter compreendido a cena inicial de Cidade de Deus com a galinha simbolizando Buscapé e a trajetória que iria traçar no filme. Marcelo Gomes disse que ficou emocionado ao ler em uma crítica que o sertão branco de Cinema, Aspirinas e Urubus era uma metáfora do inverno alemão coberto de neve, pois foi uma coisa que ele pensou, mas não externou no filme.
Por outro lado, vemos diretores não satisfeitos com a crítica em geral, lançando aquelas velhas frases de que o crítico é o artista frustrado. E que é sempre doloroso ver seu trabalho destruído. Alguns ressaltam que precisa apenas uma crítica ruim para acabar com eles. É a tendência do ser humano. Podem ter cinquenta pessoas te elogiando, se um fala coisas desagradáveis, você tende a ficar pensando nela o resto do dia. Alguns diretores chegam a alertar para o jornalista mal preparado. Falam do pouco tempo de formação do crítico e a forma informal como isso acontece. Um exemplo para reforçar este despreparo acontece durante a entrevista. Um jornalista pergunta a Samuel L. Jackson se ele pode falar como serão os outros dois filmes de Matrix. No que ele responde meio irritado que não é Laurence Fishburne.
Há uma voz over do produtor da Paramount que fala pela visão empresarial, de que o filme para eles é como uma mercadoria, então, a crítica negativa não atinge a indústria. Mas, ao mesmo tempo, ao apresentarem o Bonequinho do Jornal O Globo, há a afirmação de que a depender da posição dele, a distribuidora aumenta ou diminui o número de salas no país para aquele filme. É um poder imenso para uma figura gráfica tão resumida, alguns diretores reclamam. Ninguém gosta mesmo de ser criticado, mas Cláudio Assis polemiza dizendo que um filme é para ser visto e, ao ser visto, criticado. Faz parte do jogo, quem não gosta que não produza e exiba sua obra, ele sentencia.
Outro ponto analisado é a amizade entre crítico e cineasta. Seria mais difícil criticar um amigo? Para Ruy Gardnier da Revista Contracampo, não. O crítico defende que uma verdadeira amizade consiste em dizer a verdade, então, seus amigos cineastas têm que entender quando ele fala algo ruim de seus filmes. É um assunto delicado, de qualquer forma, porque o diretor é um artista e todo artista tem um certo ego que se ofende facilmente. Vejo por um diretor que conheço que é crítico também e que criou uma briga por uma crítica negativa a um filme seu. É mais fácil falar livremente daqueles que não conhecemos e talvez nunca cheguemos a ver.
O filme trata desta crítica jornalística e do que esperamos do cenário cinematográfico, mas em dado momento, alguns cineastas citam a crescente onda de blogs de cinema, onde "cinéfilos entusiastas falam sobre sua paixão". É impressionante mesmo a quantidade de blogs sobre o assunto que surge a cada dia. Alguns melhores que muitas críticas de jornais outros quase sinopses comentadas. Ainda assim, todos válidos para falar, discutir e fomentar essa paixão pela sétima arte. O documentário Crítico se encerra sem deixar respostas, nem mesmo um caminho palpável do que acredita ser o papel da crítica e seu bom funcionamento. É mais um jogo de opiniões que cada um montará da forma que melhor lhe convier. Talvez a montagem final de imagens signifique isso. As possibilidades estão aí, cabe a nós construir o cenário que queremos.
Crítico (Crítico: 2010 / Brasil)
Direção: Kleber Mendonça Filho
Roteiro: Kleber Mendonça Filho e Emilie Lesclaux
Com: Gus Van Sant, Tom Tykwer, Eduardo Coutinho, Curtis Hanson, Carlos Reichenbach, Walter Salles, Fernando Meirelles, Carlos Saura, entre outros.
Duração: 76 min
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Crítico
2011-05-30T08:54:00-03:00
Amanda Aouad
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