Princesa Mononoke
Hayao Miyazaki é mesmo um gênio do anime. Depois de me encantar com a complexidade de A Viagem de Chihiro e a simplicidade de Ponyo, finalmente conferi aquele que muitos consideram sua obra-prima: Princesa Mononoke. Uma fábula sobre a eterna luta entre o homem e a natureza consegue aqui trazer uma poesia extrema, sem bons ou maus, vencedores ou perdedores. Cada um lutando por sua própria sobrevivência.
Tudo começa quando a aldeia de Ashitaka é invadida por um estranho demônio em formato de Javali Gigante. O valente príncipe briga e consegue matar o bicho, mas antes seu braço fica irremediavelmente comprometido. Tem agora uma maldição, que é corroer-se pelo ódio até se tornar um demônio igual ao outro e morrer. A anciã da aldeia de forma sábia aconselha o exílio e busca da cura na floresta proibida. É lá que Ashitaka vai viver a sua jornada. Conhecer os mistérios da natureza, os animais deuses, o espírito da floresta, os homens que querem tomá-la para si e a pequena San, criada como filha pela deusa lobo, ou também conhecida como a Princesa Mononoke, um adjetivo.
A jornada é épica e não segue a trajetória padrão que conhecemos em Hollywood. O roteiro nos envolve em cada etapa da vida de Ashitaka, esperando que ele se cure de alguma forma, mas que, principalmente, compreenda o significado de tudo aquilo. Desde o início, a filosofia oriental está exposta na voz da Anciã que aconselha o rapaz. Há uma fé, uma compreensão do caminho de uma forma que nossa mente ocidental não consegue acompanhar ainda por mais que admire. Há um código de honra em Ashitaka que não o permite matar a natureza, nem se voltar contra sua própria raça. É um herói em conflito, mas que não precisa escolher lados. Ele quer apenas fazer o certo. Seu exílio começa de uma forma interessante, após a defesa de seu povo e continua até que ele conheça a aldeia de ferro e a floresta proibida.
A construção da aldeia é peculiar, principalmente na figura de sua líder Eboshi. Ela chegou àquele lugar com o intuito de dominar a floresta, acompanhada de leprosos e ex-prostitutas e elevou a auto-estima dessas pessoas que passaram a idolatrá-la. Afinal, respeito é algo que se conquista. E isso é que torna o filme de Hayao Miyazaki tão especial. Eboshi não é uma vilã típica, é apenas uma oponente da natureza na Terra. Os animais a odeiam, os homens a adoram. Sua trajetória tem altos e baixos. E o embate com a Princesa Mononoke é bastante peculiar, já que San não se considera humana. Ela está totalmente do lado dos animais que a criaram e revolta-se com a invasão de seu espaço. Em nenhum momento parece haver espaço para um acordo. O equilíbrio entre ambas é mesmo Ashitaka, homem que entende a alma animal e tenta transitar entre os dois mundos.
A animação em si é clássica. Toda em 2D, com poucos movimentos nas paisagens, mas com uma noção exata da linguagem cinematográfica. As paisagens abertas quase sempre tem pouca movimentação, apenas um detalhe ou outro demonstrando vida como uma nuvem que passa ou a água do rio que vibra. Apenas as principais cenas de luta são um pouco mais caprichadas nos movimentos, como a primeira luta de Ashitaka e o demônio ou a batalha final na floresta. Isso não impede a qualidade da obra, repleta de detalhes nos traços. O centro da floresta proibida, por exemplo, é riquíssimo, com uma beleza ímpar. Há sempre o cuidado com a vegetação e os detalhes que compõem o cenário. E criatividade em momentos como a própria imagem do Espírito da Floresta e os bichinhos brancos, os pequenos kodama, que acompanham todo o desenrolar da trama.
Interessante reparar também que os deuses animais defensores da floresta são um javali e uma loba, dois animais extremamente selvagens. E, fora eles e os kodama, os outros únicos moradores do local são um bando de macacos. Com olhos vermelhos brilhantes e pelos negros, eles não se intrometem na briga, mas reclamam da invasão e da morte da floresta. Querem providências, exigem e reclamam de todos. Se pararmos para pensar que pela teoria evolutiva somos descendentes dos macacos, a simbologia desses seres cresce ainda mais. Eles são a interseção, mas, ao contrário de Ashitaka, não buscam a conciliação e sim a discórdia. Para eles, todos são intrusos em sua casa. E a maior culpada é a Princesa Mononoke, pois não pertence àquele lugar de fato e isso pode ter gerado o desequilíbrio em suas visões.
Mas, como já foi dito, na cultura oriental não existem bons e maus simplesmente. Tudo tem várias faces. A obra de Hayao Miyazaki não poderia acabar de outra maneira, sendo uma obra profunda sobre a natureza humana, o meio ambiente e nossa relação no planeta. É mesmo um filme imperdível. Apesar de longo, não cansa em nenhum momento. Suas belas imagens, sua simbologia, sua vida fazem de Princesa Mononoke um primor das animações mundiais já vistas.
Princesa Mononoke (Mononoke-hime: 1997 / Japão)
Direção: Hayao Miyazaki
Roteiro: Hayao Miyazaki
Com: (vozes) Yôji Matsuda, Yuriko Ishida, Yûko Tanaka, Kaoru Kobayashi, Masahiko Nishimura, Tsunehiko Kamijô, Sumi Shimamoto, Tetsu Watanabe, Mitsuru Satô, Akira Nagoya, Akihiro Miwa, Mitsuko Mori, Hisaya Morishige
Dublagem Americana com: Claire Danes, Billy Crudup, Billy Bob Thornton, Minnie Driver, Jada Pinkett Smith, Gillian Anderson
Duração: 130 min.
Tudo começa quando a aldeia de Ashitaka é invadida por um estranho demônio em formato de Javali Gigante. O valente príncipe briga e consegue matar o bicho, mas antes seu braço fica irremediavelmente comprometido. Tem agora uma maldição, que é corroer-se pelo ódio até se tornar um demônio igual ao outro e morrer. A anciã da aldeia de forma sábia aconselha o exílio e busca da cura na floresta proibida. É lá que Ashitaka vai viver a sua jornada. Conhecer os mistérios da natureza, os animais deuses, o espírito da floresta, os homens que querem tomá-la para si e a pequena San, criada como filha pela deusa lobo, ou também conhecida como a Princesa Mononoke, um adjetivo.
A jornada é épica e não segue a trajetória padrão que conhecemos em Hollywood. O roteiro nos envolve em cada etapa da vida de Ashitaka, esperando que ele se cure de alguma forma, mas que, principalmente, compreenda o significado de tudo aquilo. Desde o início, a filosofia oriental está exposta na voz da Anciã que aconselha o rapaz. Há uma fé, uma compreensão do caminho de uma forma que nossa mente ocidental não consegue acompanhar ainda por mais que admire. Há um código de honra em Ashitaka que não o permite matar a natureza, nem se voltar contra sua própria raça. É um herói em conflito, mas que não precisa escolher lados. Ele quer apenas fazer o certo. Seu exílio começa de uma forma interessante, após a defesa de seu povo e continua até que ele conheça a aldeia de ferro e a floresta proibida.
A construção da aldeia é peculiar, principalmente na figura de sua líder Eboshi. Ela chegou àquele lugar com o intuito de dominar a floresta, acompanhada de leprosos e ex-prostitutas e elevou a auto-estima dessas pessoas que passaram a idolatrá-la. Afinal, respeito é algo que se conquista. E isso é que torna o filme de Hayao Miyazaki tão especial. Eboshi não é uma vilã típica, é apenas uma oponente da natureza na Terra. Os animais a odeiam, os homens a adoram. Sua trajetória tem altos e baixos. E o embate com a Princesa Mononoke é bastante peculiar, já que San não se considera humana. Ela está totalmente do lado dos animais que a criaram e revolta-se com a invasão de seu espaço. Em nenhum momento parece haver espaço para um acordo. O equilíbrio entre ambas é mesmo Ashitaka, homem que entende a alma animal e tenta transitar entre os dois mundos.
A animação em si é clássica. Toda em 2D, com poucos movimentos nas paisagens, mas com uma noção exata da linguagem cinematográfica. As paisagens abertas quase sempre tem pouca movimentação, apenas um detalhe ou outro demonstrando vida como uma nuvem que passa ou a água do rio que vibra. Apenas as principais cenas de luta são um pouco mais caprichadas nos movimentos, como a primeira luta de Ashitaka e o demônio ou a batalha final na floresta. Isso não impede a qualidade da obra, repleta de detalhes nos traços. O centro da floresta proibida, por exemplo, é riquíssimo, com uma beleza ímpar. Há sempre o cuidado com a vegetação e os detalhes que compõem o cenário. E criatividade em momentos como a própria imagem do Espírito da Floresta e os bichinhos brancos, os pequenos kodama, que acompanham todo o desenrolar da trama.
Interessante reparar também que os deuses animais defensores da floresta são um javali e uma loba, dois animais extremamente selvagens. E, fora eles e os kodama, os outros únicos moradores do local são um bando de macacos. Com olhos vermelhos brilhantes e pelos negros, eles não se intrometem na briga, mas reclamam da invasão e da morte da floresta. Querem providências, exigem e reclamam de todos. Se pararmos para pensar que pela teoria evolutiva somos descendentes dos macacos, a simbologia desses seres cresce ainda mais. Eles são a interseção, mas, ao contrário de Ashitaka, não buscam a conciliação e sim a discórdia. Para eles, todos são intrusos em sua casa. E a maior culpada é a Princesa Mononoke, pois não pertence àquele lugar de fato e isso pode ter gerado o desequilíbrio em suas visões.
Mas, como já foi dito, na cultura oriental não existem bons e maus simplesmente. Tudo tem várias faces. A obra de Hayao Miyazaki não poderia acabar de outra maneira, sendo uma obra profunda sobre a natureza humana, o meio ambiente e nossa relação no planeta. É mesmo um filme imperdível. Apesar de longo, não cansa em nenhum momento. Suas belas imagens, sua simbologia, sua vida fazem de Princesa Mononoke um primor das animações mundiais já vistas.
Princesa Mononoke (Mononoke-hime: 1997 / Japão)
Direção: Hayao Miyazaki
Roteiro: Hayao Miyazaki
Com: (vozes) Yôji Matsuda, Yuriko Ishida, Yûko Tanaka, Kaoru Kobayashi, Masahiko Nishimura, Tsunehiko Kamijô, Sumi Shimamoto, Tetsu Watanabe, Mitsuru Satô, Akira Nagoya, Akihiro Miwa, Mitsuko Mori, Hisaya Morishige
Dublagem Americana com: Claire Danes, Billy Crudup, Billy Bob Thornton, Minnie Driver, Jada Pinkett Smith, Gillian Anderson
Duração: 130 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Princesa Mononoke
2011-05-07T09:15:00-03:00
Amanda Aouad
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