Reencontrando a Felicidade
Esperado aqui no Brasil pela indicação ao Oscar de Nicole Kidman, Reencontrando a Felicidade acabou sendo injustiçado nas principais premiações do ano no quesito que mais chama a atenção: o seu roteiro. Não que a atuação de Kidman esteja ruim, longe disso, está irritantemente boa, já que Becca nos dá nos nervos em vários momentos. Mas, o roteiro de David Lindsay-Abaire, baseado em sua própria peça sucesso na Broadway é extremamente bem construído. Um drama honesto sobre a dor da perda de um filho, sem apelar para clichês ou recursos fáceis do melodrama que tentam fazer a platéia chorar a qualquer custo.
Becca e Howie sofreram a pior perda que pais podem viver: seu filho de quatro anos. Ele tenta continuar sua vida normal, mas gosta de nutrir lembranças do pequeno, tendo um hábito de assistir toda noite um vídeo em seu celular. Ela reage de uma forma mais arisca. Quer se livrar de qualquer lembrança do menino, doando suas coisas, retirando suas fotos, não querendo nem mesmo a presença do cachorro da família na casa e até continuar naquela casa. Enquanto vivenciam esse drama, eles têm que reaprender a conviver com os familiares e amigos. Passam por experiências novas e procuram uma forma de escape. A presença de um jovem misterioso que Becca começa a seguir dá um novo rumo a sua forma de encarar a tragédia. É interessante que mais uma vez a versão brasileira do título nos dá a idéia errada da obra. Eles não estão buscando a felicidade, mas uma forma de conviver com aquela dor. Se eu explicar o que significa Rabbit Hole, o título original, posso entregar spoilers, mas é perfeito para o que vemos em tela.
O grande trunfo de Reencontrando a Felicidade é não tratar o espectador como tolo e encontrar alternativas inteligentes para nos passar tudo o que aconteceu. O filme já começa oito meses após a morte do garoto, como contar o que aconteceu ao público se todos que estão ali passaram por aquilo? As soluções que são desenvolvidas para nos mostrar aos poucos o passado recentem são divinas. Todas bem construídas, nem um pouco forçadas e de uma naturalidade fluida na trama. David Lindsay-Abaire poderia ter escolhido o caminho mais fácil, afinal o casal frequenta um grupo de auxílio. Um roteirista preguiçoso colocaria os dois contando seu fardo aos demais participantes. É tão bom ver que em nenhum momento ele utiliza este local para nos deixar a par de qualquer informação sobre a vida daquela família. O espaço só serve para reforçar ainda mais a personalidade de Becca e dar um novo rumo à válvula de escape de Howie. Os diálogos são naturalmente construídos, sem em nenhum momento parecer forçado. Há sempre as mensagens subliminares, que enriquecem qualquer cena, a força do não dito, do que está na entrelinhas.
Acompanhando a grande atuação do roteiro, John Cameron Mitchell nos brinda com uma direção segura e com escolhas acertadas, principalmente na maneira de nos apresentar aquela história. Por ser um texto vindo do teatro, a tendência seria o diálogo ser o principal fio condutor, mas Mitchell faz sua câmera ajudar a contar aquela história de forma bastante eficiente. Os planos são todos muito fechados, raramente vemos um plano geral. Closes, planos detalhes são comuns. Uma sensação de aproximação daqueles personagens e ao mesmo de claustrofobia, angústia. Não conseguimos respirar da mesma forma que eles não respiram. Os planos só começam a ser mais abertos no final. O ritmo do filme é fácil de ser acompanhado e temos duas cenas desde já memoráveis para futuras grandes cenas. A cena chave do boliche, onde tudo funciona perfeitamente com atuações incríveis de Nicole Kidman e Dianne Wiest, onde o diálogo é o grande trunfo. E a cena do carro, onde a catarse da personagem é construída apenas no jogo de imagens e olhares. É tão maravilhosamente bem resolvida que não precisa do flashback. Mas, o público sempre gosta de ver com os próprios olhos.
A fotografia também ajuda no ajuste das imagens, vemos muitas vezes o personagens de Aaron Eckhart na penumbra, enquanto Nicole Kidman brilha. Há nisso, um contraste já que ela parece com maiores problemas que ele. Becca guarda tudo para si, parece uma panela de pressão que pode explodir a qualquer momento, enquanto Howie externa sua dor e suas necessidades. A luz muitas vezes conduz nossa atenção para um ponto ou outro durante as cenas. Da mesma maneira, a montagem também é bastante feliz ao ajudar o roteiro em suas pistas e recompensas. As montagens em paralelo criam expectativas, como nas sequências de Becca esperando Howie, ele indo para o grupo sem ela, as cenas onde ela segue o garoto ou um momento chave onde duas chaves são mostradas na vasilha da casa. Há, ainda, os inserts fundamentais de uma mão desenhando algo aparentemente sem nexo. E, claro, as atuações são todas densas, fortes, entregues. Nicole Kidman e Aaron Eckhart nos passam verdade em sua dor, assim como os demais personagens que demonstram o constrangimento de não saber como agir. A cena das roupas é um belo exemplo disso.
Em seu segundo filme como produtora, primeiro que ela produz e estrela, Nicole Kidman tem vários méritos. Conseguiu nos apresentar uma obra extremamente bem cuidada, com uma atuação emocionante e uma entrega intensa. Mas, seu maior acerto foi escolher um texto tão sensível e contratar para roterizá-lo, o próprio autor deste. Falar de mães e pais que perderam filhos é correr o risco de cair em armadilhas do melodrama que podem tornar o filme piegas. Não é fácil. Reencontrando a Felicidade é uma obra madura, que envolve, emociona e encanta a todos por ser original e muito bem construída.
Reencontrando a Felicidade (Rabbit Hole: 2011 /EUA)
Direção: John Cameron Mitchell
Roteiro: David Lindsay-Abaire
Com: Nicole Kidman, Aaron Eckhart, Dianne Wiest, Sandra Oh, Miles Teller.
Duração: 91 min
Becca e Howie sofreram a pior perda que pais podem viver: seu filho de quatro anos. Ele tenta continuar sua vida normal, mas gosta de nutrir lembranças do pequeno, tendo um hábito de assistir toda noite um vídeo em seu celular. Ela reage de uma forma mais arisca. Quer se livrar de qualquer lembrança do menino, doando suas coisas, retirando suas fotos, não querendo nem mesmo a presença do cachorro da família na casa e até continuar naquela casa. Enquanto vivenciam esse drama, eles têm que reaprender a conviver com os familiares e amigos. Passam por experiências novas e procuram uma forma de escape. A presença de um jovem misterioso que Becca começa a seguir dá um novo rumo a sua forma de encarar a tragédia. É interessante que mais uma vez a versão brasileira do título nos dá a idéia errada da obra. Eles não estão buscando a felicidade, mas uma forma de conviver com aquela dor. Se eu explicar o que significa Rabbit Hole, o título original, posso entregar spoilers, mas é perfeito para o que vemos em tela.
O grande trunfo de Reencontrando a Felicidade é não tratar o espectador como tolo e encontrar alternativas inteligentes para nos passar tudo o que aconteceu. O filme já começa oito meses após a morte do garoto, como contar o que aconteceu ao público se todos que estão ali passaram por aquilo? As soluções que são desenvolvidas para nos mostrar aos poucos o passado recentem são divinas. Todas bem construídas, nem um pouco forçadas e de uma naturalidade fluida na trama. David Lindsay-Abaire poderia ter escolhido o caminho mais fácil, afinal o casal frequenta um grupo de auxílio. Um roteirista preguiçoso colocaria os dois contando seu fardo aos demais participantes. É tão bom ver que em nenhum momento ele utiliza este local para nos deixar a par de qualquer informação sobre a vida daquela família. O espaço só serve para reforçar ainda mais a personalidade de Becca e dar um novo rumo à válvula de escape de Howie. Os diálogos são naturalmente construídos, sem em nenhum momento parecer forçado. Há sempre as mensagens subliminares, que enriquecem qualquer cena, a força do não dito, do que está na entrelinhas.
Acompanhando a grande atuação do roteiro, John Cameron Mitchell nos brinda com uma direção segura e com escolhas acertadas, principalmente na maneira de nos apresentar aquela história. Por ser um texto vindo do teatro, a tendência seria o diálogo ser o principal fio condutor, mas Mitchell faz sua câmera ajudar a contar aquela história de forma bastante eficiente. Os planos são todos muito fechados, raramente vemos um plano geral. Closes, planos detalhes são comuns. Uma sensação de aproximação daqueles personagens e ao mesmo de claustrofobia, angústia. Não conseguimos respirar da mesma forma que eles não respiram. Os planos só começam a ser mais abertos no final. O ritmo do filme é fácil de ser acompanhado e temos duas cenas desde já memoráveis para futuras grandes cenas. A cena chave do boliche, onde tudo funciona perfeitamente com atuações incríveis de Nicole Kidman e Dianne Wiest, onde o diálogo é o grande trunfo. E a cena do carro, onde a catarse da personagem é construída apenas no jogo de imagens e olhares. É tão maravilhosamente bem resolvida que não precisa do flashback. Mas, o público sempre gosta de ver com os próprios olhos.
A fotografia também ajuda no ajuste das imagens, vemos muitas vezes o personagens de Aaron Eckhart na penumbra, enquanto Nicole Kidman brilha. Há nisso, um contraste já que ela parece com maiores problemas que ele. Becca guarda tudo para si, parece uma panela de pressão que pode explodir a qualquer momento, enquanto Howie externa sua dor e suas necessidades. A luz muitas vezes conduz nossa atenção para um ponto ou outro durante as cenas. Da mesma maneira, a montagem também é bastante feliz ao ajudar o roteiro em suas pistas e recompensas. As montagens em paralelo criam expectativas, como nas sequências de Becca esperando Howie, ele indo para o grupo sem ela, as cenas onde ela segue o garoto ou um momento chave onde duas chaves são mostradas na vasilha da casa. Há, ainda, os inserts fundamentais de uma mão desenhando algo aparentemente sem nexo. E, claro, as atuações são todas densas, fortes, entregues. Nicole Kidman e Aaron Eckhart nos passam verdade em sua dor, assim como os demais personagens que demonstram o constrangimento de não saber como agir. A cena das roupas é um belo exemplo disso.
Em seu segundo filme como produtora, primeiro que ela produz e estrela, Nicole Kidman tem vários méritos. Conseguiu nos apresentar uma obra extremamente bem cuidada, com uma atuação emocionante e uma entrega intensa. Mas, seu maior acerto foi escolher um texto tão sensível e contratar para roterizá-lo, o próprio autor deste. Falar de mães e pais que perderam filhos é correr o risco de cair em armadilhas do melodrama que podem tornar o filme piegas. Não é fácil. Reencontrando a Felicidade é uma obra madura, que envolve, emociona e encanta a todos por ser original e muito bem construída.
Reencontrando a Felicidade (Rabbit Hole: 2011 /EUA)
Direção: John Cameron Mitchell
Roteiro: David Lindsay-Abaire
Com: Nicole Kidman, Aaron Eckhart, Dianne Wiest, Sandra Oh, Miles Teller.
Duração: 91 min
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Reencontrando a Felicidade
2011-05-09T08:31:00-03:00
Amanda Aouad
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