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Melancolia
Melancolia
Esqueçam Cannes e declarações infelizes, concentrem-se na poesia. Esse é o primeiro conselho. Segundo, sentem-se na cadeira do cinema e deixem seus olhos serem embevecidos por imagens incríveis. Esse é Melancolia, o novo filme de Lars Von Trier, o polêmico diretor, criador do movimento Dogma 95. Um verdadeiro deleite para os olhos, a mente e, claro, os ouvidos ao som de Tristão e Isolda, de Wagner.
O filme, como está se tornando praxe nas obras do diretor, é dividido em um prólogo e duas partes. O prólogo é uma profusão de imagens impactantes em câmera muito lenta, quase fotos, ao som de Wagner. Um resumo da angústia do filme em uma poesia única. Só ele já daria um curta-metragem incrível que termina com o enorme planeta Melancolia engolindo a Terra. Depois, acompanhamos a história das irmãs Justine, vivida por Kirsten Dunst e Claire, interpretada por Charlotte Gainsbourg. A divisão é exatamente para enfatizar o ponto de vista das duas, em relação à aproximação de um planeta que poderá colidir com a Terra. Mesmo assim, é Justine a protagonista absoluta em ambas as partes.
É interessante perceber que, mesmo depois de tantos anos do Dogma 95, Lars Von Trier ainda recorre a aspectos de seu movimento. Melancolia é todo com câmera na mão e filmado em locações. Vemos poucas produções de arte e a luz é quase toda ambiente, ficando escura em muitos momentos. O som também é raramente extra-diegético, aqui, apenas a trilha de Tristão e Isolda se repete em momentos marcantes do filme, os demais sons, vem todos do ambiente filmado. Para tratar de seu tema de ficção científica, Von Trier só teve que quebrar a lógica de cinema real para inserir efeitos visuais como o próprio planeta se aproximando, bichos caindo mortos e outros detalhes que é melhor não destrinchar para não perder a surpresa.
Toda a primeira parte de Melancolia, intitulada Justine, se resume à festa de casamento da protagonista. Há aqui um eco de um dos filmes do Dogma, dirigido por Thomas Vinterberg, Festa de Família. Guardadas as devidas proporções, há muito daquele clima de família problemática reunida, discursos desconcertantes e situações embaraçosas. Em um tom realista, Lars Von Trier percorre a festa desnudando seus personagens. Aqui, apenas alguns indícios do planeta que se aproxima, o foco é Justine e seus problemas pessoais. A relação doentia entre Justine e sua mãe, vivida por Charlotte Rampling e a veneração pelo pai, vivido por John Hurt. Isso sem falar no chefe inconveniente e o estagiário em busca de um slogan em plena festa.
A segunda parte possui menos histórias e mais densidade emocional. Lembra muito os filmes de Ingmar Bergman, principalmente nas cenas centradas em Justine e Claire. Aqui estamos cercados apenas pela família a espera do impacto do planeta, ou simples passagem. É difícil saber exatamente. Interessante perceber a diferença das personalidades das duas irmãs, sempre se opondo. No início, Justine era a sonhadora, Claire era a prática. Justine foi se tornando a complicada, Claire a protetora. A medida em que Melancolia se aproxima, Justine vai se acalmando e Claire se desesperando. A intensidade da angústia, a espera, a sensação de estar preso a um local sem saída, nos envolve. Há uma espécie de campo de força mágico que os mantêm ali isolados.
Lars Von Trier coloca diversos símbolos escondidos em cada cena, como a própria situação da encruzilhada, ou o misterioso buraco 19, quando passou o filme inteiro nos lembrando que só existem 18 buracos no campo de golfe. Temos ainda as frases de efeito ditas pelos personagens como "Pare de sonhar, Justine" ou "A Terra é má, ninguém sentirá saudades dela". A escolha da música Tristão e Isolda para conduzir a história também é bastante simbólica, já que trata-se da história de amor mais triste e antiga da humanidade.
As atuações são uma entrega à parte, Kirsten Dunst mereceu o prêmio de Cannes e todos os elogios por se desnudar de forma simbólica e literal de qualquer medo, vaidade ou ego e se entregar a uma personagem fascinantemente complexa. Todo o elenco acompanha sua dedicação construindo um vínculo e um tom incrivelmente íntimo a cada cena. Fica a pergunta se Penélope Cruz se arrependeu, após trocar o papel por sua participação em Piratas do Caribe. Sendo ironia ou não do diretor, o fato é que, nos créditos, o primeiro nome a quem ele agradece é a atriz espanhola. Mesmo que tenha sido uma cutucada, é de se agradecer mesmo, já que o resultado em cena não poderia ser melhor.
Melancolia não é das obras mais controversas de Lars Von Trier. O público não irá sair chocado como foi em Anti-Cristo, nem emocionalmente abalado como foi em Dançando no Escuro, muito menos verá uma desconstrução do cinema como no caso de Dogville ou mesmo de Os Idiotas que marcou o Dogma 95. Ainda assim, não se trata de um filme menor. É forte, intenso, chocante, belo. Um deleite cinematográfico para todos os gostos.
Melancolia (Melancholia: 2011 /Dinamarca, França, Alemanha, Itália, Suécia)
Direção: Lars von Trier
Roteiro: Lars Von Trier
Com: Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourg, Kiefer Sutherland, Charlotte Rampling, John Hurt.
Duração: 130 min.
O filme, como está se tornando praxe nas obras do diretor, é dividido em um prólogo e duas partes. O prólogo é uma profusão de imagens impactantes em câmera muito lenta, quase fotos, ao som de Wagner. Um resumo da angústia do filme em uma poesia única. Só ele já daria um curta-metragem incrível que termina com o enorme planeta Melancolia engolindo a Terra. Depois, acompanhamos a história das irmãs Justine, vivida por Kirsten Dunst e Claire, interpretada por Charlotte Gainsbourg. A divisão é exatamente para enfatizar o ponto de vista das duas, em relação à aproximação de um planeta que poderá colidir com a Terra. Mesmo assim, é Justine a protagonista absoluta em ambas as partes.
É interessante perceber que, mesmo depois de tantos anos do Dogma 95, Lars Von Trier ainda recorre a aspectos de seu movimento. Melancolia é todo com câmera na mão e filmado em locações. Vemos poucas produções de arte e a luz é quase toda ambiente, ficando escura em muitos momentos. O som também é raramente extra-diegético, aqui, apenas a trilha de Tristão e Isolda se repete em momentos marcantes do filme, os demais sons, vem todos do ambiente filmado. Para tratar de seu tema de ficção científica, Von Trier só teve que quebrar a lógica de cinema real para inserir efeitos visuais como o próprio planeta se aproximando, bichos caindo mortos e outros detalhes que é melhor não destrinchar para não perder a surpresa.
Toda a primeira parte de Melancolia, intitulada Justine, se resume à festa de casamento da protagonista. Há aqui um eco de um dos filmes do Dogma, dirigido por Thomas Vinterberg, Festa de Família. Guardadas as devidas proporções, há muito daquele clima de família problemática reunida, discursos desconcertantes e situações embaraçosas. Em um tom realista, Lars Von Trier percorre a festa desnudando seus personagens. Aqui, apenas alguns indícios do planeta que se aproxima, o foco é Justine e seus problemas pessoais. A relação doentia entre Justine e sua mãe, vivida por Charlotte Rampling e a veneração pelo pai, vivido por John Hurt. Isso sem falar no chefe inconveniente e o estagiário em busca de um slogan em plena festa.
A segunda parte possui menos histórias e mais densidade emocional. Lembra muito os filmes de Ingmar Bergman, principalmente nas cenas centradas em Justine e Claire. Aqui estamos cercados apenas pela família a espera do impacto do planeta, ou simples passagem. É difícil saber exatamente. Interessante perceber a diferença das personalidades das duas irmãs, sempre se opondo. No início, Justine era a sonhadora, Claire era a prática. Justine foi se tornando a complicada, Claire a protetora. A medida em que Melancolia se aproxima, Justine vai se acalmando e Claire se desesperando. A intensidade da angústia, a espera, a sensação de estar preso a um local sem saída, nos envolve. Há uma espécie de campo de força mágico que os mantêm ali isolados.
Lars Von Trier coloca diversos símbolos escondidos em cada cena, como a própria situação da encruzilhada, ou o misterioso buraco 19, quando passou o filme inteiro nos lembrando que só existem 18 buracos no campo de golfe. Temos ainda as frases de efeito ditas pelos personagens como "Pare de sonhar, Justine" ou "A Terra é má, ninguém sentirá saudades dela". A escolha da música Tristão e Isolda para conduzir a história também é bastante simbólica, já que trata-se da história de amor mais triste e antiga da humanidade.
As atuações são uma entrega à parte, Kirsten Dunst mereceu o prêmio de Cannes e todos os elogios por se desnudar de forma simbólica e literal de qualquer medo, vaidade ou ego e se entregar a uma personagem fascinantemente complexa. Todo o elenco acompanha sua dedicação construindo um vínculo e um tom incrivelmente íntimo a cada cena. Fica a pergunta se Penélope Cruz se arrependeu, após trocar o papel por sua participação em Piratas do Caribe. Sendo ironia ou não do diretor, o fato é que, nos créditos, o primeiro nome a quem ele agradece é a atriz espanhola. Mesmo que tenha sido uma cutucada, é de se agradecer mesmo, já que o resultado em cena não poderia ser melhor.
Melancolia não é das obras mais controversas de Lars Von Trier. O público não irá sair chocado como foi em Anti-Cristo, nem emocionalmente abalado como foi em Dançando no Escuro, muito menos verá uma desconstrução do cinema como no caso de Dogville ou mesmo de Os Idiotas que marcou o Dogma 95. Ainda assim, não se trata de um filme menor. É forte, intenso, chocante, belo. Um deleite cinematográfico para todos os gostos.
Melancolia (Melancholia: 2011 /Dinamarca, França, Alemanha, Itália, Suécia)
Direção: Lars von Trier
Roteiro: Lars Von Trier
Com: Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourg, Kiefer Sutherland, Charlotte Rampling, John Hurt.
Duração: 130 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Melancolia
2011-08-04T08:33:00-03:00
Amanda Aouad
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