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Capitães da Areia
Capitães da Areia
"A grande noite de Paz da Bahia veio do Cais, envolveu os saveiros, o forte, o quebra-mar, se estendeu sobre as ladeiras e as torres das igrejas. Os sinos já não tocam as ave-marias que as seis horas há muito que passaram. E o céu está cheio de estrelas, se bem a lua não tenha surgido nesta noite clara. O trapiche se destaca na brancura do areal, que conserva as marcas dos passos dos Capitães da Areia, que já se recolheram."
Capitães da Areia é de longe meu livro preferido de Jorge Amado. Poético, denso, humano e político. Há nas páginas de Jorge uma complexidade de emoções que traduzem os anseios de um escritor comunista que via a sua Bahia e os meninos que cercavam as ruas da cidade como uma espécie de revolta popular contra o estabelecido. São vários a favor dos meninos, em especial o padre José Pedro, logo ele, representante da instituição da Igreja, tão criticada por comunistas. Essa atmosfera mista presente nas páginas do livro do avô, Cecília Amado conseguiu manter em seu filme de estreia, menos político, mais humano, como ela mesmo definiu, mas ainda assim, a atmosfera da Bahia de Jorge Amado. Pena que nem tudo são elogios ao resultado da obra.
Os Capitães da Areia são um grupo de crianças de rua, ladrões por excelência, que se unem em uma espécie de comunidade coperativa escondida em um Trapiche na praia. Pedro Bala, Professor, Gato, Sem-Pernas, Boa Vida, entre outros são procurados pela polícia, mas têm a compreensão e o apoio de pessoas como o padre José Pedro, o mestre de capoeira Querido de Deus, a comunidade de candomblé de Mãe Aninha ou os comerciantes do Mercado Modelo. E também são explorados por bandidos maiores, homens bem relacionados que aproveitam os meninos para pequenos golpes e passagem de mercadoria. A união do grupo estremece duas vezes: quando Ezequiel tenta roubar lá dentro, quebrando uma regra básica da comunidade, e quando chega ao Trapiche, Dora, uma menina órfã que vai balançar o coração do chefe do grupo, Pedro Bala.
O principal problema do roteiro escrito pela própria Cecília em parceria com Hilton Lacerda é o entrave da adaptação de um livro que não conta uma história específica, mas uma vida especial de garotos que passam por várias situações, mais ou menos importantes. Tentando pincelar um pouco de cada situação descrita nas páginas, a dupla acaba sendo superficial em todas as histórias, que vai de forma picotada citando os acontecimentos. A história de Sem Pernas na mansão que o adota, por exemplo, é jogada na tela sem maiores explicações. Fica complicado compreender como ele se transformou de garoto de rua em filho dos patrões vestido de marinheiro e com o cabelo penteado. Fora que toda a dor e dilema do garoto é abreviada em uma cena. O surto de varíola que tira a vida de um dos capitães e leva Dora até o grupo também é bastante resumida, como em geral, são as tramas, vide a relação de Gato com a prostituta Dalva.
Ainda assim, Cecília acerta em alguns momentos ao conduzir as tramas em uma montagem paralela que mistura os tempos da ação entre apresentação da estratégia do golpe, o golpe em si e o resultado dele. Um bom exemplo é a própria cena do assalto à mansão onde está Sem Pernas. O recurso de acelerar a cena criando um efeito visual, apesar de não inovador também dá ritmo à história, criando tensão e sendo funcional na apresentação das situações. O mesmo não podemos dizer do excesso de clipes que existem no filme. É importante ressaltar que a trilha sonora original criada por Carlinhos Brown é ótima, casa perfeitamente com a atmosfera do filme. Bastante atabaques, berimbaus e cordas que lembram capoeira e roda de samba. Mas, tudo é mal utilizado, criando uma legenda a cada introdução de música de personagem. Uma situação é apresentada, logo em seguida vem a sua música respectiva em um pequeno clipe, por exemplo.
A direção de arte e a reconstituição de época, no entanto, tem apenas elogios. Tudo bem pensado e bem produzido, desde a organização do Trapiche, passando pelos cenários da Salvador antiga, os figurinos, e os objetos utilizados em cena. A montagem do filme também tem bons momentos, como as já citadas montagens em paralelo das situações de golpe. E o resumo final do Professor na Festa de Iemanjá. Aliás, a famosa festa no Rio Vermelho abre e fecha o filme de uma maneira bastante funcional, já que, além de capitães da areia, os meninos tem uma forte ligação com o mar e com a rainha dele. Assim como Jorge Amado que já a retratou em tantas outras obras. Cecília Amado só força um pouco na montagem no ato final, em uma tentativa frustrada de criar emoção a todo custo com a situação de Dora, em uma infantil mistura de passado e presente.
O elenco infanto-juvenil no geral não compromete, mas também não há grandes destaques. São crianças, que conseguem ser naturais em alguma cena, e artificiais ao extremo em outras. Destaque é para quantidade de participações especiais no elenco adulto baiano como Bertrand Duarte, ator mais conhecido como o SuperOutro, como uma vítima do grupo, Diogo Lopes Filho, que participou da companhia baiana de Patifaria, como o padre José Pedro, Zéu Brito, como um saveirista conhecido em participação engraçadíssima e Frank Menezes em um impressionante papel sério de um delegado de polícia. Além de Marinho Gonçalves como Querido de Deus, Ana Cecília Costa como Dalva e Arany Santana como mãe Aninha.
Capitães da Areia é daqueles filmes que tem diversos prós e contras que nos conduzem em emoções dúbias, mas sem nunca ser um desperdício de tempo. Há frases de efeitos como "ninguém vai olhar por nós" ou "parece apenas criança, mas não é" e diálogos muitas vezes armados, sem naturalidade. Mas, carrega em si a força do texto de Jorge Amado e a Bahia que ele retratou para o mundo. Um filme deslocado do tempo, que mistura denúncia social e problemas aparentemente eternos, com humanidade. Sem julgamentos, nem um olhar paternalista. Os capitães simplesmente passam, deixando suas marcas de pegadas na areia. E nós, testemunhamos sua existência.
Capitães da Areia (Capitães da Areia: 2011 / Brasil)
Direção: Cecília Amado
Roteiro: Cecília Amado e Hilton Lacerda
Com: Jean Luís Amorim, Ana Graciela, Robério Lima, Paulo Abade, Diogo Lopes Filho, Marinho Gonçalves, Ana Cecília Costa.
Duração: 96 min.
Capitães da Areia é de longe meu livro preferido de Jorge Amado. Poético, denso, humano e político. Há nas páginas de Jorge uma complexidade de emoções que traduzem os anseios de um escritor comunista que via a sua Bahia e os meninos que cercavam as ruas da cidade como uma espécie de revolta popular contra o estabelecido. São vários a favor dos meninos, em especial o padre José Pedro, logo ele, representante da instituição da Igreja, tão criticada por comunistas. Essa atmosfera mista presente nas páginas do livro do avô, Cecília Amado conseguiu manter em seu filme de estreia, menos político, mais humano, como ela mesmo definiu, mas ainda assim, a atmosfera da Bahia de Jorge Amado. Pena que nem tudo são elogios ao resultado da obra.
Os Capitães da Areia são um grupo de crianças de rua, ladrões por excelência, que se unem em uma espécie de comunidade coperativa escondida em um Trapiche na praia. Pedro Bala, Professor, Gato, Sem-Pernas, Boa Vida, entre outros são procurados pela polícia, mas têm a compreensão e o apoio de pessoas como o padre José Pedro, o mestre de capoeira Querido de Deus, a comunidade de candomblé de Mãe Aninha ou os comerciantes do Mercado Modelo. E também são explorados por bandidos maiores, homens bem relacionados que aproveitam os meninos para pequenos golpes e passagem de mercadoria. A união do grupo estremece duas vezes: quando Ezequiel tenta roubar lá dentro, quebrando uma regra básica da comunidade, e quando chega ao Trapiche, Dora, uma menina órfã que vai balançar o coração do chefe do grupo, Pedro Bala.
O principal problema do roteiro escrito pela própria Cecília em parceria com Hilton Lacerda é o entrave da adaptação de um livro que não conta uma história específica, mas uma vida especial de garotos que passam por várias situações, mais ou menos importantes. Tentando pincelar um pouco de cada situação descrita nas páginas, a dupla acaba sendo superficial em todas as histórias, que vai de forma picotada citando os acontecimentos. A história de Sem Pernas na mansão que o adota, por exemplo, é jogada na tela sem maiores explicações. Fica complicado compreender como ele se transformou de garoto de rua em filho dos patrões vestido de marinheiro e com o cabelo penteado. Fora que toda a dor e dilema do garoto é abreviada em uma cena. O surto de varíola que tira a vida de um dos capitães e leva Dora até o grupo também é bastante resumida, como em geral, são as tramas, vide a relação de Gato com a prostituta Dalva.
Ainda assim, Cecília acerta em alguns momentos ao conduzir as tramas em uma montagem paralela que mistura os tempos da ação entre apresentação da estratégia do golpe, o golpe em si e o resultado dele. Um bom exemplo é a própria cena do assalto à mansão onde está Sem Pernas. O recurso de acelerar a cena criando um efeito visual, apesar de não inovador também dá ritmo à história, criando tensão e sendo funcional na apresentação das situações. O mesmo não podemos dizer do excesso de clipes que existem no filme. É importante ressaltar que a trilha sonora original criada por Carlinhos Brown é ótima, casa perfeitamente com a atmosfera do filme. Bastante atabaques, berimbaus e cordas que lembram capoeira e roda de samba. Mas, tudo é mal utilizado, criando uma legenda a cada introdução de música de personagem. Uma situação é apresentada, logo em seguida vem a sua música respectiva em um pequeno clipe, por exemplo.
A direção de arte e a reconstituição de época, no entanto, tem apenas elogios. Tudo bem pensado e bem produzido, desde a organização do Trapiche, passando pelos cenários da Salvador antiga, os figurinos, e os objetos utilizados em cena. A montagem do filme também tem bons momentos, como as já citadas montagens em paralelo das situações de golpe. E o resumo final do Professor na Festa de Iemanjá. Aliás, a famosa festa no Rio Vermelho abre e fecha o filme de uma maneira bastante funcional, já que, além de capitães da areia, os meninos tem uma forte ligação com o mar e com a rainha dele. Assim como Jorge Amado que já a retratou em tantas outras obras. Cecília Amado só força um pouco na montagem no ato final, em uma tentativa frustrada de criar emoção a todo custo com a situação de Dora, em uma infantil mistura de passado e presente.
O elenco infanto-juvenil no geral não compromete, mas também não há grandes destaques. São crianças, que conseguem ser naturais em alguma cena, e artificiais ao extremo em outras. Destaque é para quantidade de participações especiais no elenco adulto baiano como Bertrand Duarte, ator mais conhecido como o SuperOutro, como uma vítima do grupo, Diogo Lopes Filho, que participou da companhia baiana de Patifaria, como o padre José Pedro, Zéu Brito, como um saveirista conhecido em participação engraçadíssima e Frank Menezes em um impressionante papel sério de um delegado de polícia. Além de Marinho Gonçalves como Querido de Deus, Ana Cecília Costa como Dalva e Arany Santana como mãe Aninha.
Capitães da Areia é daqueles filmes que tem diversos prós e contras que nos conduzem em emoções dúbias, mas sem nunca ser um desperdício de tempo. Há frases de efeitos como "ninguém vai olhar por nós" ou "parece apenas criança, mas não é" e diálogos muitas vezes armados, sem naturalidade. Mas, carrega em si a força do texto de Jorge Amado e a Bahia que ele retratou para o mundo. Um filme deslocado do tempo, que mistura denúncia social e problemas aparentemente eternos, com humanidade. Sem julgamentos, nem um olhar paternalista. Os capitães simplesmente passam, deixando suas marcas de pegadas na areia. E nós, testemunhamos sua existência.
Capitães da Areia (Capitães da Areia: 2011 / Brasil)
Direção: Cecília Amado
Roteiro: Cecília Amado e Hilton Lacerda
Com: Jean Luís Amorim, Ana Graciela, Robério Lima, Paulo Abade, Diogo Lopes Filho, Marinho Gonçalves, Ana Cecília Costa.
Duração: 96 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Capitães da Areia
2011-10-06T09:31:00-03:00
Amanda Aouad
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