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O Palhaço
O Palhaço
Às vezes, a gente leva a vida tão no automático que nem consegue responder a uma simples questão: qual a nossa vocação? Essa é a principal questão do filme O Palhaço, segundo trabalho de Selton Mello, primeiro em que também atua. O cenário circense é apenas o pano de fundo para uma jornada de auto-conhecimento de um palhaço em crise, que faz a todos rirem, mas que perdeu a sua capacidade de sorrir.
Benjamim sempre viveu no circo, seu pai Valdemar é o palhaço Puro-Sangue e dono da trupe do Circo Esperança. Ao lado dele no picadeiro, Benjamim é Pangaré, o palhaço brincalhão que todos adoram. Fora, ele é o administrador que recebe os problemas e nunca tem tempo de resolver a todos, nem mesmo a sua própria documentação. Mas, tudo tem pouca importância até que Benjamim começa a perceber que precisa mudar, ele só não sabe como será isso. E essa mudança afetará a todos dentro do circo.
É nessa ânsia por mudança que se materializa em sua mente um símbolo bem inusitado: um ventilador. Sonho de consumo, sinônimo de conforto e, principalmente, metáfora de mudança, o ventilador de Benjamim marca passagens importantes durante toda a narrativa. Ele está presente da primeira fala, "Você devia ter um ventilador aqui", até a última imagem. Surge como uma visão em meio a um campo vazio após uma moça da platéia lhe cumprimentar e convidá-lo para conhecer Passos, onde o circo faria sucesso, e segue aparecendo gradualmente para lhe mostrar os caminhos de mudança. Interessante perceber que os objetos estão sempre desligados e é a imaginação de Benjamim que o faz girar.
E é a partir do ventilador que surge outros símbolos: RG, CPF e comprovante de residência. Uma falsa estabilidade, um falso conforto, um falso sorriso. O filme de Selton Mello está cheio de símbolos e metáforas, não por acaso ele o ambientou em um tempo distante não muito definido, como algo que ficou perdido na memória. A direção de arte pontua a época desde o dinheiro cenográfico que em nada se assemelha ao real, passando pelo preço do ventilador (treze mil), os carros antigos e suas placas ainda amarelas com duas letras, as estradas de barro, ou as músicas intradiegéticas sempre rememorando clássicos românticos das décadas de 60. Isso sem falar da não existência de TVs de plasma ou ar-condicionados nas lojas.
Mas, mais do que definir uma época, os cenários definem um sentimento nostálgico de um universo que parece esquecido, mas é ao mesmo tempo tão atual. A jornada de auto-conhecimento é algo que acontece a qualquer um, principalmente a um artista ou a uma pessoa que seguiu a carreia da família sem ao menos questionar o que realmente queria fazer da vida. E Mello simboliza isso em um mundo pitoresco de tipos diversos, não apenas dentro do circo, mas em todo o seu entorno. Surgem assim, personagens incríveis como os irmãos Beto e Deto Papagaio da oficina, o prefeito e sua família, o rapaz da estrada, o funcionário público, o vendedor da loja de eletro, e principalmente, o delegado Justo.
Cada personagem peculiar que surge na tela é a oportunidade de uma participação especial que engrandece o filme. A começar por Moacy Franco, cantor, ator, humorista que ajudou a construir a história artística desse país. Com uma única cena, ele levou o prêmio de ator coadjuvante em Paulínia. O delegado Justo realmente é marcante, não apenas por sua interpretação, mas pelo texto e direção de cena. A situação, por si só é hilária. Mas, as demais participações não ficam atrás como Tonico Pereira em dose dupla ou Ferrugem como o funcionário público piadista. Destaque ainda para pequena participação de Danton Mello, irmão de Selton. E claro que o elenco principal também tem destaque, desde Selton Mello em uma sensível interpretação, passando por Paulo José, sempre ótimo, até a estreante Giselle Motta e a pequena Larissa Manoela.
A direção de Selton Mello demonstra evolução desde sua estreia Feliz Natal. São escolhas bem resolvidas que ajudam o ótimo roteiro sem menosprezar a inteligência do público. Os pequenos gestos dão pistas e informações que vamos montando em nossa mente. Desde o princípio com o olhar da pequena Guilhermina que nos mostra o que está funcionando ou não naquele local. Reparem sua expressão embaixo da arquibancada ou olhando uma foto da trupe, ou ainda flagrando certas coisas. Muito da história do filme é passada com o olhar dos personagens. Mello e Marcelo Vindicatto construíram a narrativa de uma forma em que várias camadas são percebidas, aos poucos. É preciso ver e rever o filme em nossa mente para poder captar todos os detalhes.
O Palhaço é um filme sensível como poucos no cenário nacional. Consegue nos envolver em uma história emocionante e extremamente simples. As piadas são bem colocadas, não caem no clichê, não usam palavrão, sexo ou escatologia. É construído com a inocência da arte circense. Da tradição do clown. Da beleza das descobertas da infância. Um filme para todos.
O Palhaço (O Palhaço: 2011 / Brasil)
Direção: Selton Mello
Roteior: Selton Mello e Marcelo Vindicatto
Com: Selton Mello, Paulo José, Giselle Motta, Larissa Manoela, Moacyr Franco, Teuda Bara, Tonico Pereira, Jackson Antunes, Fabiana Karla, Ferrugem, Emílio Orciollo Netto.
Duração: 88 min.
Benjamim sempre viveu no circo, seu pai Valdemar é o palhaço Puro-Sangue e dono da trupe do Circo Esperança. Ao lado dele no picadeiro, Benjamim é Pangaré, o palhaço brincalhão que todos adoram. Fora, ele é o administrador que recebe os problemas e nunca tem tempo de resolver a todos, nem mesmo a sua própria documentação. Mas, tudo tem pouca importância até que Benjamim começa a perceber que precisa mudar, ele só não sabe como será isso. E essa mudança afetará a todos dentro do circo.
É nessa ânsia por mudança que se materializa em sua mente um símbolo bem inusitado: um ventilador. Sonho de consumo, sinônimo de conforto e, principalmente, metáfora de mudança, o ventilador de Benjamim marca passagens importantes durante toda a narrativa. Ele está presente da primeira fala, "Você devia ter um ventilador aqui", até a última imagem. Surge como uma visão em meio a um campo vazio após uma moça da platéia lhe cumprimentar e convidá-lo para conhecer Passos, onde o circo faria sucesso, e segue aparecendo gradualmente para lhe mostrar os caminhos de mudança. Interessante perceber que os objetos estão sempre desligados e é a imaginação de Benjamim que o faz girar.
E é a partir do ventilador que surge outros símbolos: RG, CPF e comprovante de residência. Uma falsa estabilidade, um falso conforto, um falso sorriso. O filme de Selton Mello está cheio de símbolos e metáforas, não por acaso ele o ambientou em um tempo distante não muito definido, como algo que ficou perdido na memória. A direção de arte pontua a época desde o dinheiro cenográfico que em nada se assemelha ao real, passando pelo preço do ventilador (treze mil), os carros antigos e suas placas ainda amarelas com duas letras, as estradas de barro, ou as músicas intradiegéticas sempre rememorando clássicos românticos das décadas de 60. Isso sem falar da não existência de TVs de plasma ou ar-condicionados nas lojas.
Mas, mais do que definir uma época, os cenários definem um sentimento nostálgico de um universo que parece esquecido, mas é ao mesmo tempo tão atual. A jornada de auto-conhecimento é algo que acontece a qualquer um, principalmente a um artista ou a uma pessoa que seguiu a carreia da família sem ao menos questionar o que realmente queria fazer da vida. E Mello simboliza isso em um mundo pitoresco de tipos diversos, não apenas dentro do circo, mas em todo o seu entorno. Surgem assim, personagens incríveis como os irmãos Beto e Deto Papagaio da oficina, o prefeito e sua família, o rapaz da estrada, o funcionário público, o vendedor da loja de eletro, e principalmente, o delegado Justo.
Cada personagem peculiar que surge na tela é a oportunidade de uma participação especial que engrandece o filme. A começar por Moacy Franco, cantor, ator, humorista que ajudou a construir a história artística desse país. Com uma única cena, ele levou o prêmio de ator coadjuvante em Paulínia. O delegado Justo realmente é marcante, não apenas por sua interpretação, mas pelo texto e direção de cena. A situação, por si só é hilária. Mas, as demais participações não ficam atrás como Tonico Pereira em dose dupla ou Ferrugem como o funcionário público piadista. Destaque ainda para pequena participação de Danton Mello, irmão de Selton. E claro que o elenco principal também tem destaque, desde Selton Mello em uma sensível interpretação, passando por Paulo José, sempre ótimo, até a estreante Giselle Motta e a pequena Larissa Manoela.
A direção de Selton Mello demonstra evolução desde sua estreia Feliz Natal. São escolhas bem resolvidas que ajudam o ótimo roteiro sem menosprezar a inteligência do público. Os pequenos gestos dão pistas e informações que vamos montando em nossa mente. Desde o princípio com o olhar da pequena Guilhermina que nos mostra o que está funcionando ou não naquele local. Reparem sua expressão embaixo da arquibancada ou olhando uma foto da trupe, ou ainda flagrando certas coisas. Muito da história do filme é passada com o olhar dos personagens. Mello e Marcelo Vindicatto construíram a narrativa de uma forma em que várias camadas são percebidas, aos poucos. É preciso ver e rever o filme em nossa mente para poder captar todos os detalhes.
O Palhaço é um filme sensível como poucos no cenário nacional. Consegue nos envolver em uma história emocionante e extremamente simples. As piadas são bem colocadas, não caem no clichê, não usam palavrão, sexo ou escatologia. É construído com a inocência da arte circense. Da tradição do clown. Da beleza das descobertas da infância. Um filme para todos.
O Palhaço (O Palhaço: 2011 / Brasil)
Direção: Selton Mello
Roteior: Selton Mello e Marcelo Vindicatto
Com: Selton Mello, Paulo José, Giselle Motta, Larissa Manoela, Moacyr Franco, Teuda Bara, Tonico Pereira, Jackson Antunes, Fabiana Karla, Ferrugem, Emílio Orciollo Netto.
Duração: 88 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
O Palhaço
2011-10-26T11:37:00-02:00
Amanda Aouad
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