
Os
irmãos Dardenne conseguem nos envolver em histórias cotidianas tristes com um talento raro. Seus
filmes tem esse ritmo lento, com tons realistas, fotografia crua e quase nenhum som extra diegético.
O Garoto da Bicicleta segue essa mesma premissa e nos brinda com uma comovente trama de abandono e reencontro.
Cyril Catoul é um
garoto aparentemente comum, que custa a aceitar que seu pai o abandonou em um internato. A princípio parece que sua
bicicleta que tinha ficado no apartamento é tudo que ele quer, mas a cada ato, percebe-se que o
garoto sofre com ausência paterna e acredita que ele voltará em breve. Nessa jornada ele encontra Samantha, uma cabeleireira que se sensibiliza com o drama do menino e resolve ser sua guardiã nos fins de semana. É Samantha quem localiza Guy, o
pai fujão, e que o ajuda a continuar sua vida, dando-lhe o amor materno que ele nunca teve. Porém, Cyril parece não perceber a nova oportunidade que a vida está lhe dando. Sempre revoltado e tomando decisões erradas, ainda vai complicar muito sua vida e a de sua protetora.

Antes de mais nada, uma coisa que chama a atenção é a escolha de
Jérémie Renier para representar Guy. O ator foi Bruno no outro
filme da dupla,
A Criança, um
pai irresponsável que vendeu o filho ainda bebê por falta de dinheiro. Agora ele vendeu apenas a
bicicleta do
garoto e o deixou em um internato. Não deixa de ser interessante observar
O Garoto da Bicicleta como uma espécie de continuação da obra de 2005. E mais uma vez,
Jérémie Renier consegue uma boa interpretação desse
pai irresponsável e egoísta, que só vê o próprio problema na frente. O estreante
Thomas Doret também convence como o garoto abandonado que se torna rebelde, tendo bons momentos. Assim como
Cécile de France (que participou recentemente de
Além da Vida), também está ótima como a compreensiva Samantha, uma espécie de anjo que surge na vida do
garoto.

O roteiro assinado pelos próprios
irmãos Dardenne, é bastante feliz aos nos mostrar a trajetória de Cyril em uma crescente. Antes ele é uma
criança ingênua, a espera do
pai. Depois, se torna um
garoto revoltado. A rebeldia o faz ser ingrato e seguir caminhos que não deveria. Mas, como a vida sempre ensina, de uma forma ou de outra, não tardará o arrependimento e as consequências de seus atos. É também uma forma de mostrar que ninguém está só nesse mundo. Apesar da insensibilidade de uns, como o ex-vizinho do prédio de Guy que praticamente expulsa o
garoto do local a pontapés, sempre haverá alguém olhando por nós. São amores muitas vezes inexplicáveis, mas que sempre nos confortam.
A personalidade de Cyril também é bastante condizente com sua situação peculiar. Ele parece idolatrar o
pai, não percebendo seus erros. É interessante perceber por exemplo, a revolta crescente que vai lhe dominando ao constatar que ele vendeu a
bicicleta, que realmente foi embora e quando está diante dele, tudo parece se resolver. Ele não consegue perceber o que está em sua frente. Não consegue assimilar que o
pai não o quer mais, nem mesmo quando este verbaliza isso com todas as letras. E é essa figura paterna que ele vai procurar quando faz a escolha mais errada de sua jornada. Sem perceber as oportunidades que lhe foram dadas.

Outra coisa a ressaltar em
O Garoto da Bicicleta é outra característica comum da direção de
Jean-Pierre e
Luc Dardenne, a capacidade de criar suspense em um drama tão realista e cru como este. A câmera segue em ritmo lento nos revelando aos poucos as situações. Sempre ouvimos algo ou vemos o olhar de outro personagem antes de ser revelado algum acontecimento importante. Isso gera suspense, não necessariamente medo, mas uma curiosidade em relação ao que de fato aconteceu. É uma coisa que sempre me chamou a atenção em seus
filmes, e que nos deixa presos à situação, por mais cotidiana que ela pareça.
O Garoto da Bicicleta é um
filme sensível. Tem bons momentos, boas interpretações e uma trama que se fecha como um ciclo da vida. Tudo baseado na lei da ação e reação. É uma espécie de resgate também, do amor, da cumplicidade e confiança. Mais um belo exemplar com o qual os
irmãos Dardenne nos presenteiam.
O Garoto da Bicicleta (Le Gamin au Vélo: 2011 / Bélgica, França, Itália)
Direção: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne
Roteiro: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne
Com: Thomas Doret, Cécile de France, Jérémie Renier, Fabrizio Rongione.
Duração: 87 min.