Tudo Pelo Poder
Quando William Shakespeare disse que havia algo de podre no reino da Dinamarca, na peça "Hamlet", ele estava falando de luta por poder. Assim como ele também falou em luta pelo poder em sua peça "Julio César", com a frase de Brutus: "Recordai-vos de março! Recordai-vos dos idos desse dia!". Esse é o jogo político nos bastidores de qualquer governo, seja o Império Romano, um reino do século XVIII ou o sistema democrático republicano. Tudo Pelo Poder é sobre isso. Sobre como a política nos conduz em um jogo sem escrúpulos que sempre acaba corrompendo o mais bem intencionado dos homens. Por isso, o título original "The Ides of March" (Os Idos de Março), em uma referência clara a Júlio César, nos soa perfeito.
George Clooney e Grant Heslov, baseados na peça "Farragut North" de Beau Willimon, constroem um roteiro bem elaborado dos bastidores das eleições primárias do partido Democrata pela corrida presidencial dos Estados Unidos. Facilmente compreendido mesmo por plateias não familiarizadas com a realidade norte-americana, o roteiro não se torna didático nem cansativo em nenhum momento. O ritmo é frenético em uma disputa intensa entre dois candidatos que no final terão que se unir contra o inimigo maior republicano. Só isso não deixa de ser irônico.
Acompanhamos a equipe do governador Mike Morris (Clooney), liderada pelo experiente Paul Zara, em ótima interpretação de Philip Seymour Hoffman. Mas o protagonista dessa trama é seu assessor de imprensa Stephen Myers, em uma impressionante performace de Ryan Gosling. A história de Tudo Pelo Poder é sobre esse homem especial, com um talento nato e totalmente empenhado em levar à presidência o candidato em que acredita. É interessante como vemos a curva dramática desse personagem, completamente fiel aos seus ideais, acreditando de fato na causa que defende, transformar-se após uma descoberta bombástica e começar a se envolver em jogos escusos.
E a direção segura de George Clooney, em seu quarto filme, nos prepara para isso desde o início, quando começa o filme com Myers na penumbra se preparando para discursar a fala de seu candidato. "Minha religião é a constituição dos Estados Unidos". Aliás, o jogo de luz e sombra é um recurso bastante usado durante todo o filme em momentos cruciais como no significativo plano de Ryan Gosling na sombra tendo ao fundo uma enorme bandeira dos Estados Unidos, ou quando ele sai da escada totalmente na penumbra, ou ainda quando vai enfrentar a situação chave de sua carreira em um restaurante vazio.
Outro recurso que chama a atenção é o som, sempre muito bem empregado com a trilha sonora assinada por Alexandre Desplat. A mesma arte de escolher melodias grandiosas em momentos em que a cena pede uma emoção crescente, como quando ele tem a primeira desilusão com seu ídolo, sabe construir o silêncio desconcertante na coletiva de imprensa após uma tragédia. Imagens e sons que se completam e ajudam a construir a mensagem para o público sem que muito precise ser explicado. Há diversos momentos de dedução como quando o personagem de George Clooney convida o de Philip Seymour Hoffman para entrar no carro. Ficamos um tempo com um plano conjunto olhando o carro de fora e, quando ele sai, pela expressão já sabemos o que aconteceu.
O bom senso e inteligência são as chaves de Tudo Pelo Poder, não apenas na construção do filme, como na de seus personagens, todos exímios estrategistas em um jogo complicado. George Clooney encarna bem a figura do democrata modelo, incapaz de se envolver com jogos de favores, o candidato ideal. Paul Giamatti é o esperto assessor do outro candidato democrata, interpretado com astúcia, chega a irritar em alguns momentos. Philip Seymour Hoffman nos presenteia com um Paul firme e inseguro ao mesmo tempo. E Marisa Tomei se sai muito bem como a incansável repórter Ida, sempre em busca de um furo de reportagem. Mas, quem toma conta do filme é mesmo Ryan Gosling. Não por acaso está sendo apontado como forte candidato à temporada de premiações. Ele constroi bem essa segurança inicial e sua descida aos poucos ao submundo da política do quase ingênuo Stephen Myers. Destaque ainda para Evan Rachel Wood, como a estagiária Molly.
Tudo Pelo Poder é daqueles filmes que empolgam. Bem realizado, apesar de não desvendar nenhuma novidade dos bastidores da política, vem com um frescor de revelação. De que nenhum de nós está imune ao jogo e que pode cair na tentação a qualquer momento. Basta ver seus sonhos ameaçados ou desmoronados. Shakespeare continua atual. Há mesmo algo de podre nos Estados Unidos da América e em qualquer governo desse planeta.
Tudo Pelo Poder (The Ides of March: 2011 / Estados Unidos)
Direção: George Clooney
Roteiro: George Clooney e Grant Heslov
Com: George Clooney, Ryan Gosling, Marisa Tomei, Philip Seymour Hoffman, Paul Giamatti, Evan Rachel Wood.
Duração: 101 min.
George Clooney e Grant Heslov, baseados na peça "Farragut North" de Beau Willimon, constroem um roteiro bem elaborado dos bastidores das eleições primárias do partido Democrata pela corrida presidencial dos Estados Unidos. Facilmente compreendido mesmo por plateias não familiarizadas com a realidade norte-americana, o roteiro não se torna didático nem cansativo em nenhum momento. O ritmo é frenético em uma disputa intensa entre dois candidatos que no final terão que se unir contra o inimigo maior republicano. Só isso não deixa de ser irônico.
Acompanhamos a equipe do governador Mike Morris (Clooney), liderada pelo experiente Paul Zara, em ótima interpretação de Philip Seymour Hoffman. Mas o protagonista dessa trama é seu assessor de imprensa Stephen Myers, em uma impressionante performace de Ryan Gosling. A história de Tudo Pelo Poder é sobre esse homem especial, com um talento nato e totalmente empenhado em levar à presidência o candidato em que acredita. É interessante como vemos a curva dramática desse personagem, completamente fiel aos seus ideais, acreditando de fato na causa que defende, transformar-se após uma descoberta bombástica e começar a se envolver em jogos escusos.
E a direção segura de George Clooney, em seu quarto filme, nos prepara para isso desde o início, quando começa o filme com Myers na penumbra se preparando para discursar a fala de seu candidato. "Minha religião é a constituição dos Estados Unidos". Aliás, o jogo de luz e sombra é um recurso bastante usado durante todo o filme em momentos cruciais como no significativo plano de Ryan Gosling na sombra tendo ao fundo uma enorme bandeira dos Estados Unidos, ou quando ele sai da escada totalmente na penumbra, ou ainda quando vai enfrentar a situação chave de sua carreira em um restaurante vazio.
Outro recurso que chama a atenção é o som, sempre muito bem empregado com a trilha sonora assinada por Alexandre Desplat. A mesma arte de escolher melodias grandiosas em momentos em que a cena pede uma emoção crescente, como quando ele tem a primeira desilusão com seu ídolo, sabe construir o silêncio desconcertante na coletiva de imprensa após uma tragédia. Imagens e sons que se completam e ajudam a construir a mensagem para o público sem que muito precise ser explicado. Há diversos momentos de dedução como quando o personagem de George Clooney convida o de Philip Seymour Hoffman para entrar no carro. Ficamos um tempo com um plano conjunto olhando o carro de fora e, quando ele sai, pela expressão já sabemos o que aconteceu.
O bom senso e inteligência são as chaves de Tudo Pelo Poder, não apenas na construção do filme, como na de seus personagens, todos exímios estrategistas em um jogo complicado. George Clooney encarna bem a figura do democrata modelo, incapaz de se envolver com jogos de favores, o candidato ideal. Paul Giamatti é o esperto assessor do outro candidato democrata, interpretado com astúcia, chega a irritar em alguns momentos. Philip Seymour Hoffman nos presenteia com um Paul firme e inseguro ao mesmo tempo. E Marisa Tomei se sai muito bem como a incansável repórter Ida, sempre em busca de um furo de reportagem. Mas, quem toma conta do filme é mesmo Ryan Gosling. Não por acaso está sendo apontado como forte candidato à temporada de premiações. Ele constroi bem essa segurança inicial e sua descida aos poucos ao submundo da política do quase ingênuo Stephen Myers. Destaque ainda para Evan Rachel Wood, como a estagiária Molly.
Tudo Pelo Poder é daqueles filmes que empolgam. Bem realizado, apesar de não desvendar nenhuma novidade dos bastidores da política, vem com um frescor de revelação. De que nenhum de nós está imune ao jogo e que pode cair na tentação a qualquer momento. Basta ver seus sonhos ameaçados ou desmoronados. Shakespeare continua atual. Há mesmo algo de podre nos Estados Unidos da América e em qualquer governo desse planeta.
Tudo Pelo Poder (The Ides of March: 2011 / Estados Unidos)
Direção: George Clooney
Roteiro: George Clooney e Grant Heslov
Com: George Clooney, Ryan Gosling, Marisa Tomei, Philip Seymour Hoffman, Paul Giamatti, Evan Rachel Wood.
Duração: 101 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Tudo Pelo Poder
2011-12-21T08:04:00-02:00
Amanda Aouad
critica|drama|George Clooney|oscar2012|Paul Giamatti|Ryan Gosling|
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