A história de Os Homens Que Não Amavam as Mulheres se baseia na investigação sobre o paradeiro de Harriet Vanger, jovem provavelmente morta, quarenta anos antes na ilha onde morava. Seu tio, e chefe da família, parece ser o único que ainda se preocupa com ela, tendo a certeza de que o assassino encontra-se dentro do clã dos Vanger. O plot do filme, então, se dá quando ele contrata o jornalista Mikael Bomkvist para investigar o caso. Bomkvist está passando por uma delicada situação em sua carreira após acusar sem provas um empresário poderoso na Suécia e essas férias forçadas na pequena ilha familiar acabam sendo interessantes para ele. Nessa trajetória, seu destino irá se cruzar com o da jovem Lisbeth Salander, uma hacker antissocial, que é a verdadeira protagonista da Trilogia Millennium. Basta lembrar que o título original é “A garota da tatuagem de dragão”.
A atriz Rooney Mara personifica essa estranha garota que é construída aos poucos aos nossos olhos e desde o princípio já gera curiosidade. Seu passado aqui não é explicado, e nem precisa, já que será mais importante nos livros seguintes. Sua essência está ali, desde a apresentação cuidadosamente exagerada, com o dono da firma de investigação preparando o assessor de Henrik Vanger e o seu primeiro surgimento na tela, um ser exótico, quase assustador, passando para a sua relação com os dois tutores (o quase pai e o padrasto), para finalmente, chegar ao relacionamento profissional e emocional com Mikael Bomkvist. Lisbeth Salander é encantadora a cada momento que conhecemos um pouco mais de sua situação, seu sofrimento, seus talentos, seu senso de justiça, por mais paradoxal que isso pareça.
O roteiro é feliz ao construir em paralelo os três plots principais da história do livro: a crise na Revista Millennium com a condenação de Mikael, a vida de Lisbeth com os tutores, a investigação da família Vanger. E a forma como as três tramas se entrelaçam e dão ritmo ao filme é especialmente boa. A princípio, o mistério total, aos poucos, as pontas vão sendo ligadas e as informações transmitidas, tais quais as palavras de Stieg Larsson. David Fincher disse que não quis ser fiel demais ao livro, de fato, ele mudou alguns detalhes, mas mesmo não sendo fiel a todas as palavras e acontecimentos, ele foi fiel ao extremo a história. Ele a compreendeu acima de tudo e nos passou a mesma sensação de urgência.
Independente da adaptação, Millennium - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres é um ótimo filme por construir a partir de um roteiro complexo uma sucessão de imagens e ações concisas, envolventes, bem traçadas. David Fincher nos mantêm presos à cadeira mesmo com três horas de projeção. Há ritmo e a montagem é essencial para que o filme funcione, não apenas na ligação das tramas paralelas, como nos sutis flashbacks que não nos deixam perder o fio da história nem a curva dramática, principalmente no clímax em determinado porão. Aliás, na parte final do filme, David Fincher e Rooney Mara são bastante sensíveis ao dar indícios do passado e da personalidade de Lisbeth Salander, sem serem muito didáticos.
O elenco todo transporta bem o clima da história, o 007, Daniel Craig, encarna Mikael Bomkvist com delicadeza, dando a dimensão íntegra do personagem, mesmo parecendo tão fácil em conquistar o sexo oposto. Robin Wright também traz dignidade a Erika Berger, sua sócia e amante fiel, sempre um ponto de apoio importante do personagem. Christopher Plummer nos dá um ótimo Henrik Vanger, em toda a sua dor e desespero para compreender o passado de sua família, destaque para sua emoção na parte final. E Stellan Skarsgard cai como uma luva na pele de Martin Vanger. Isso sem falar na já citada Rooney Mara.
É verdade que americano odeia ler legenda e que precisa refazer todas as boas histórias que encontramos pelo mundo. Mas, Millennium - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres parece mesmo feito para Hollywood, sem querer desmerecer em nada o excelente cinema sueco. Agora é torcer para que David Fincher e o elenco fechem contrato para continuar a trilogia. Até porque a versão sueca para os dois outros livros nem chegou a estrear aqui no Brasil.
Direção: David Fincher
Roteiro: Steven Zaillian
Com: Daniel Craig, Rooney Mara, Stellan Skarsgard, Robin Wright.
Duração: 158 min.