Drive
Sem nome, monossilábico, misterioso, observador, aparentemente calmo, mas com uma capacidade de explosão e violência assustadoras. Essas características poderiam descrever vários personagens do eterno Marlon Brando, em sua época áurea, ou mesmo Clint Eastwood, nosso símbolo maior de lobo solitário. Mas estamos falando mesmo de Ryan Gosling em Drive, onde tudo que sabemos do personagem é que ele é um motorista, seja de corrida, gangues de assaltos diversos ou de filmes, onde trabalha como dublê.
Baseado no livro de James Sallis, Drive nos traz esse personagem enigmático que fala mais com o olhar que com a boca. Sempre em seu tom blasé. A primeira sequência já demonstra bem sua personalidade, sem alternar o tom de voz ou a expressão facial, em uma fuga após um assalto. Ele não se envolve com o crime em si, isso deixa sempre claro, não toca em armas, não assalta, ele apenas dirige, por cinco minutos e depois é com os bandidos. Além desse trabalho esporádico, nosso protagonista também trabalha em uma oficina mecânica do seu amigo Shannon que acredita que ele possa ser um bom piloto de corridas. E ainda arruma tempo para trabalhar como dublê em filmes. Sempre dirigindo, sempre com calmo. Mas, quando se envolve emocionalmente com sua vizinha, vivida por Carey Mulligan, conhecemos a sua capacidade de explosão, violência e raiva.
Drive é difícil de rotular. Tem ação, tem suspense, tem romance, tem intrigas, mas, na realidade é um filme centrado em seu personagem. A história pouco importa, importa a construção que vai sendo feita desse anti-herói instigante tão bem interpretado por Ryan Gosling. O homem do casaco de escorpião, quer símbolo maior para o nosso protagonista? O ser quieto, mas que pode se demonstrar extremamente peçonhento. E ele tem total consciência disso, tanto que, em determinado momento, ele fala na fábula da travessia do rio (aquela em que o escorpião pica o sapo que o leva, se matando junto porque é de sua natureza). Não por acaso, o casaco fica sujo, velho, rasgado, manchado de sangue, mas ele não o tira. Uma metáfora mais do que interessante.
E aproveitando o tema que parece estar meio esquecido nos filmes de ação atual, o ser humano, Nicolas Winding Refn constrói um filme com estética muito próxima das obras dos anos 70 e 80. Apesar da tensão, não há pressa, nem muitos efeitos especiais ou cenas de violência. O ritmo é pontual em uma trilha sonora inspirada nos tempos remotos. Poderíamos dizer que Drive é quase um anti-Tarantino, com seus diálogos fortes e suas cenas eletrizantes que marcaram as últimas décadas. O diretor dinamarquês chega então com algo que inova apesar de ser inspirado no passado, perfeitamente contraditório, assim como seu personagem.
Mas, mesmo se centrando no personagem, o roteiro de Hossein Amini não negligencia a história. Aliás, as histórias. São várias tramas que se apresentam ao motorista sem nome, todas construídas de maneira harmônica, em um bom ritmo e com boas reviravoltas. Apenas a história das corridas fica meio perdida em tanta tensão e decisões de vida ou morte. Ainda assim, ela está ali com uma importante função, a de demonstrar ao público o que poderia ter sido, os caminhos que se apresentam nas vidas das pessoas a depender de seus talentos, dons, aptidões. Nosso garoto poderia ser tudo. E ele é tudo, pelo menos com um volante nas mãos.
E mesmo sendo um palco para Ryan Gosling brilhar, seus companheiros de cena ajudam a tornar o filme ainda mais forte. Carey Mulligan está muito bem como a vizinha Irene, assim como a dupla Albert Brooks e Ron Perlman fazem inquietantes bandidos em uma pressão constante sobre o também bom ator Bryan Cranston. Mesmo Oscar Isaac como o marido ex-presidiário de Irene nos convence de todas as nuances do personagem. Acreditamos e nos envolvemos naquele universo estranho e, ao mesmo tempo, tão próximo de um submundo movido pelo dinheiro e possibilidades de fugas. Todos os personagens estão ali em um jogo onde o desejo explicitado nem sempre traduz os verdadeiros anseios de seu íntimo.
Drive é um filme com diversas camadas. Como disse, difícil de rotular ou descrever. Na verdade, ele se disfarça de vários gêneros para seguir um homem que também se disfarça de várias personas. O nosso escorpião enigmático que segue apenas seus instintos. E nós seguimos a ele.
Drive (Drive: 2012 / EUA)
Direção: Nicolas Winding Refn
Roteiro: Hossein Amini
Com: Ryan Gosling, Carey Mulligan, Bryan Cranston, Albert Brooks.
Duração: 100 min.
Baseado no livro de James Sallis, Drive nos traz esse personagem enigmático que fala mais com o olhar que com a boca. Sempre em seu tom blasé. A primeira sequência já demonstra bem sua personalidade, sem alternar o tom de voz ou a expressão facial, em uma fuga após um assalto. Ele não se envolve com o crime em si, isso deixa sempre claro, não toca em armas, não assalta, ele apenas dirige, por cinco minutos e depois é com os bandidos. Além desse trabalho esporádico, nosso protagonista também trabalha em uma oficina mecânica do seu amigo Shannon que acredita que ele possa ser um bom piloto de corridas. E ainda arruma tempo para trabalhar como dublê em filmes. Sempre dirigindo, sempre com calmo. Mas, quando se envolve emocionalmente com sua vizinha, vivida por Carey Mulligan, conhecemos a sua capacidade de explosão, violência e raiva.
Drive é difícil de rotular. Tem ação, tem suspense, tem romance, tem intrigas, mas, na realidade é um filme centrado em seu personagem. A história pouco importa, importa a construção que vai sendo feita desse anti-herói instigante tão bem interpretado por Ryan Gosling. O homem do casaco de escorpião, quer símbolo maior para o nosso protagonista? O ser quieto, mas que pode se demonstrar extremamente peçonhento. E ele tem total consciência disso, tanto que, em determinado momento, ele fala na fábula da travessia do rio (aquela em que o escorpião pica o sapo que o leva, se matando junto porque é de sua natureza). Não por acaso, o casaco fica sujo, velho, rasgado, manchado de sangue, mas ele não o tira. Uma metáfora mais do que interessante.
E aproveitando o tema que parece estar meio esquecido nos filmes de ação atual, o ser humano, Nicolas Winding Refn constrói um filme com estética muito próxima das obras dos anos 70 e 80. Apesar da tensão, não há pressa, nem muitos efeitos especiais ou cenas de violência. O ritmo é pontual em uma trilha sonora inspirada nos tempos remotos. Poderíamos dizer que Drive é quase um anti-Tarantino, com seus diálogos fortes e suas cenas eletrizantes que marcaram as últimas décadas. O diretor dinamarquês chega então com algo que inova apesar de ser inspirado no passado, perfeitamente contraditório, assim como seu personagem.
Mas, mesmo se centrando no personagem, o roteiro de Hossein Amini não negligencia a história. Aliás, as histórias. São várias tramas que se apresentam ao motorista sem nome, todas construídas de maneira harmônica, em um bom ritmo e com boas reviravoltas. Apenas a história das corridas fica meio perdida em tanta tensão e decisões de vida ou morte. Ainda assim, ela está ali com uma importante função, a de demonstrar ao público o que poderia ter sido, os caminhos que se apresentam nas vidas das pessoas a depender de seus talentos, dons, aptidões. Nosso garoto poderia ser tudo. E ele é tudo, pelo menos com um volante nas mãos.
E mesmo sendo um palco para Ryan Gosling brilhar, seus companheiros de cena ajudam a tornar o filme ainda mais forte. Carey Mulligan está muito bem como a vizinha Irene, assim como a dupla Albert Brooks e Ron Perlman fazem inquietantes bandidos em uma pressão constante sobre o também bom ator Bryan Cranston. Mesmo Oscar Isaac como o marido ex-presidiário de Irene nos convence de todas as nuances do personagem. Acreditamos e nos envolvemos naquele universo estranho e, ao mesmo tempo, tão próximo de um submundo movido pelo dinheiro e possibilidades de fugas. Todos os personagens estão ali em um jogo onde o desejo explicitado nem sempre traduz os verdadeiros anseios de seu íntimo.
Drive é um filme com diversas camadas. Como disse, difícil de rotular ou descrever. Na verdade, ele se disfarça de vários gêneros para seguir um homem que também se disfarça de várias personas. O nosso escorpião enigmático que segue apenas seus instintos. E nós seguimos a ele.
Drive (Drive: 2012 / EUA)
Direção: Nicolas Winding Refn
Roteiro: Hossein Amini
Com: Ryan Gosling, Carey Mulligan, Bryan Cranston, Albert Brooks.
Duração: 100 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Drive
2012-03-01T08:47:00-03:00
Amanda Aouad
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