Um Sonho de Liberdade
"Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda". Cecília Meireles
A frase da poeta (ela odiava a palavra poetisa) brasileira resume o filme de Frank Darabont que se baseia em um conto de Stephen King. Um Sonho de Liberdade é quase um tratado sobre a alma humana e sua relação com esse sentimento difícil de explicar chamado liberdade. É o jogo da liberdade física e da liberdade interior em um texto forte e uma direção correta para um primeiro trabalho. Frank Darabont ainda viria a tratar do assunto no seu segundo filme, À Espera de Um Milagre de uma maneira ainda mais precisa e emocionante. Ali ele construiu a liberdade interior, aqui ele nos dá um bom exemplo de persistência e amizade.
Tim Robbins é Andy Dufresne, um banqueiro bem sucedido que, apesar de jurar inocência, é preso acusado da morte de sua esposa e o amante desta. Condenado a prisão perpétua, tem que se adaptar a nova realidade dentro dos muros de uma cadeia com todos os estereótipos possíveis. O diretor corrupto, o chefe da guarda violento, o grupo de homossexuais que o persegue e o grupo do "deixa disso" liderado por 'Red' (Morgan Freeman) o prisioneiro que consegue qualquer coisa para os colegas em troca de algum dinheiro. Aos poucos, o talento de Andy com números e investimentos acaba sendo o caminho para melhorar sua situação e de seus colegas dentro das grades. Mas, ele parece ser o único que ainda não perdeu a esperança de recuperar sua liberdade.
Esse é o ponto crucial do roteiro. Por mais que todo homem deseje ser livre, o tempo e aqueles muros acaba o fazendo temer esse estado de espírito. A narração do personagem Red, na voz forte de Morgan Freeman, junto com as ilustrações feitas por Frank Darabont nos dão essa dimensão em diversos momentos. A começar pela chegada do novo grupo na prisão. A forma como são preparados, como gado, no banho, no remédio para piolho na roupa sendo levada na mão até a cela, nas luzes se apagando, no silêncio e desespero de não poder sair dali, no choro do prisioneiro. É uma angústia passada com competência para os espectadores, mesmo que estes não tenham a mais vaga idéia do que seja ser prisioneiro de algo.
E o contraste também é bem feito com a condicional de um dos prisioneiros sendo encarada quase como uma morte por este. Red explica de maneira sucinta: "Primeiro você detesta esses muros, depois se acostuma a eles até que você precisa deles". Como ser livre depois de cinquenta anos? Na realidade, a saída da cadeia se transforma em uma nova prisão. Um mundo que o aprisiona nos medos e incertezas, enquanto que lá ele era livre dentro de suas próprias condições. Era alguém. Fora, ele é um ninguém, sem amigos, sem família, sem futuro. A forma como o filme nos traduz o que a prisão faz com a vida e alma de um ser humano é incrivelmente perturbadora e bela ao mesmo tempo. Nos envolvemos com aqueles seres, nem sabendo ao certo o porquê de estarem ali. "Somos todos inocentes", brincam.
Há também uma certa corrupção pela sobrevivência. A cadeia é a lei da selva, onde só os fortes sobrevivem. E Andy tem que aprender a lutar com suas próprias armas. Usando sua inteligência, entra no jogo para conquistar um pouco da confiança do diretor. Em determinado momento ele fala a Red que é engraçado, porque lá fora ele era o exemplo de homem honesto, foi preso e virou um pilantra. Formas de construir pensamentos sobre os significados reais de bandidos e homens de bem, já que um homem de bem é remodelado por corruptos que deveriam representar a lei. E Frank Darabont é ainda mais hábil ao colocar a narração no ponto de vista de Red, não de Andy, nos deixando um pouco distantes deste personagem, sem saber se ele é culpado ou não pelo crime que o levou até ali. Mesmo os flashbacks iniciais são dúbios e só vamos conhecê-lo plenamente no final.
Isso dá um valor maior ao filme, que nos envolve e nos surpreende com a intensidade das emoções. Mérito também dos atores, principalmente Tim Robbins e Morgan Freeman, pontos-chave da história. A amizade desenvolvida pelos dois personagens inspira a sobrevivência de ambos, dando um tom pessoal à história. As interpretações são contidas, mas que passam tudo através do olhar. Principalmente no caso de Red, um personagem contraditório, que repete todos esses anos um ritual ensaiado para conseguir sua condicional e nem mais se dá conta se tem ou não condições de recebê-la.
Sem querer entregar spoilers aos que ainda não conferiram essa jornada, há belas imagens que traduzem o sentimento dessa história, mas nada melhor do que a cena na chuva, protagonizada por Tim Robbins, tanto que foi parar na capa do DVD. É a essência desse sonho, traduzido em imagem. Esse sonho que todos nós carregamos em nossas almas, mesmo que nunca tenhamos nos dado conta. Esse sonho essencial que nos alimenta. Esse eterno sonho de liberdade que nem ao certo sabemos explicar o que seja.
Um Sonho de Liberdade (The Shawshank Redemption, 1994 / EUA)
Direção: Frank Darabont
Roteiro: Frank Darabont e Stephen King
Com: Tim Robbins, Morgan Freeman, Bob Gunton, James Whitmore, William Sadler e Clancy Brown.
Duração: 142 min.
A frase da poeta (ela odiava a palavra poetisa) brasileira resume o filme de Frank Darabont que se baseia em um conto de Stephen King. Um Sonho de Liberdade é quase um tratado sobre a alma humana e sua relação com esse sentimento difícil de explicar chamado liberdade. É o jogo da liberdade física e da liberdade interior em um texto forte e uma direção correta para um primeiro trabalho. Frank Darabont ainda viria a tratar do assunto no seu segundo filme, À Espera de Um Milagre de uma maneira ainda mais precisa e emocionante. Ali ele construiu a liberdade interior, aqui ele nos dá um bom exemplo de persistência e amizade.
Tim Robbins é Andy Dufresne, um banqueiro bem sucedido que, apesar de jurar inocência, é preso acusado da morte de sua esposa e o amante desta. Condenado a prisão perpétua, tem que se adaptar a nova realidade dentro dos muros de uma cadeia com todos os estereótipos possíveis. O diretor corrupto, o chefe da guarda violento, o grupo de homossexuais que o persegue e o grupo do "deixa disso" liderado por 'Red' (Morgan Freeman) o prisioneiro que consegue qualquer coisa para os colegas em troca de algum dinheiro. Aos poucos, o talento de Andy com números e investimentos acaba sendo o caminho para melhorar sua situação e de seus colegas dentro das grades. Mas, ele parece ser o único que ainda não perdeu a esperança de recuperar sua liberdade.
Esse é o ponto crucial do roteiro. Por mais que todo homem deseje ser livre, o tempo e aqueles muros acaba o fazendo temer esse estado de espírito. A narração do personagem Red, na voz forte de Morgan Freeman, junto com as ilustrações feitas por Frank Darabont nos dão essa dimensão em diversos momentos. A começar pela chegada do novo grupo na prisão. A forma como são preparados, como gado, no banho, no remédio para piolho na roupa sendo levada na mão até a cela, nas luzes se apagando, no silêncio e desespero de não poder sair dali, no choro do prisioneiro. É uma angústia passada com competência para os espectadores, mesmo que estes não tenham a mais vaga idéia do que seja ser prisioneiro de algo.
E o contraste também é bem feito com a condicional de um dos prisioneiros sendo encarada quase como uma morte por este. Red explica de maneira sucinta: "Primeiro você detesta esses muros, depois se acostuma a eles até que você precisa deles". Como ser livre depois de cinquenta anos? Na realidade, a saída da cadeia se transforma em uma nova prisão. Um mundo que o aprisiona nos medos e incertezas, enquanto que lá ele era livre dentro de suas próprias condições. Era alguém. Fora, ele é um ninguém, sem amigos, sem família, sem futuro. A forma como o filme nos traduz o que a prisão faz com a vida e alma de um ser humano é incrivelmente perturbadora e bela ao mesmo tempo. Nos envolvemos com aqueles seres, nem sabendo ao certo o porquê de estarem ali. "Somos todos inocentes", brincam.
Há também uma certa corrupção pela sobrevivência. A cadeia é a lei da selva, onde só os fortes sobrevivem. E Andy tem que aprender a lutar com suas próprias armas. Usando sua inteligência, entra no jogo para conquistar um pouco da confiança do diretor. Em determinado momento ele fala a Red que é engraçado, porque lá fora ele era o exemplo de homem honesto, foi preso e virou um pilantra. Formas de construir pensamentos sobre os significados reais de bandidos e homens de bem, já que um homem de bem é remodelado por corruptos que deveriam representar a lei. E Frank Darabont é ainda mais hábil ao colocar a narração no ponto de vista de Red, não de Andy, nos deixando um pouco distantes deste personagem, sem saber se ele é culpado ou não pelo crime que o levou até ali. Mesmo os flashbacks iniciais são dúbios e só vamos conhecê-lo plenamente no final.
Isso dá um valor maior ao filme, que nos envolve e nos surpreende com a intensidade das emoções. Mérito também dos atores, principalmente Tim Robbins e Morgan Freeman, pontos-chave da história. A amizade desenvolvida pelos dois personagens inspira a sobrevivência de ambos, dando um tom pessoal à história. As interpretações são contidas, mas que passam tudo através do olhar. Principalmente no caso de Red, um personagem contraditório, que repete todos esses anos um ritual ensaiado para conseguir sua condicional e nem mais se dá conta se tem ou não condições de recebê-la.
Sem querer entregar spoilers aos que ainda não conferiram essa jornada, há belas imagens que traduzem o sentimento dessa história, mas nada melhor do que a cena na chuva, protagonizada por Tim Robbins, tanto que foi parar na capa do DVD. É a essência desse sonho, traduzido em imagem. Esse sonho que todos nós carregamos em nossas almas, mesmo que nunca tenhamos nos dado conta. Esse sonho essencial que nos alimenta. Esse eterno sonho de liberdade que nem ao certo sabemos explicar o que seja.
Um Sonho de Liberdade (The Shawshank Redemption, 1994 / EUA)
Direção: Frank Darabont
Roteiro: Frank Darabont e Stephen King
Com: Tim Robbins, Morgan Freeman, Bob Gunton, James Whitmore, William Sadler e Clancy Brown.
Duração: 142 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Um Sonho de Liberdade
2012-03-26T08:49:00-03:00
Amanda Aouad
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