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Xingu
O cinema nacional cresce a olhos vistos, principalmente em gêneros e opções diversas que tragam para nossa realidade filmes que possam entreter o público e fazer pensar. São vários os exemplos da filmografia recente. Faltava um bom épico, que agora Cao Hamburger nos brinda ao contar a saga dos irmãos Villas-Boas para construir o Parque Nacional do Xingu.
O mais interessante de Xingu, é que não se trata de um filme histórico didático, transvestido em drama. Cao Hamburger e a roteirista Elena Soarez e Anna Muylaert investem na construção dramática através dos três protagonistas, Claudio Villas-Boas (João Miguel), Orlando Villas-Boas (Felipe Camargo) e Leonardo Villas-Boas (Caio Blat) em sua jornada que começa como uma simples aventura. Disfarçados de pessoas humildes, analfabetas, eles embarcam em uma expedição para explorar o Oeste brasileiro, ainda inabitado por homens brancos. Porém, ao descobrir os verdadeiros donos daquelas terras, os irmãos Villas-Boas começam um jogo de negociações, que envolve política, dinheiro e muita ganância de fazendeiros, para pacificação da convivência entre índios e brancos.
Quem conhece um pouco de história ou viu filmes como Terra Vermelha ou Hotxuá sabe que a questão de terra no Brasil nunca foi fácil. Os portugueses chegaram, tomaram posse e não devastaram os índios tal qual fizeram os espanhóis, até as terras brasileiras sempre foram muito vastas e por muito tempo as tribos seguiram seu curso, sem nenhum contato com o branco. Com o tempo, um confronto era mesmo inevitável, afinal como separar culturas tão díspares em um mesmo país, sob as mesmas leis. O índio iria pagar impostos, por exemplo, pela terra que sempre teve de graça? E a inserção de dinheiro em suas negociações não iria começar a descaracterizar sua cultura, com índios usando tênis ou vendo televisão? A ideia de reservas é uma tentativa de retardar ao máximo essa "civilização" dos nativos, mas não deixa de criar outros problemas, já que os tira de suas terras para reagrupá-los em outro terreno.
No filme, Cao Hamburger prefere não entrar tanto nessa questão complexa, dá apenas vislumbres quando os irmãos tentam convencer índios que estão trabalhando em seringais ou os que ainda estão em mata virgem ameaçada pela Transamazônica a se juntarem a reserva de Xingu. Mas, o foco é mesmo esse período inicial de luta pela preservação de pelo menos uma parte do Brasil para esses moradores mais antigos. Desde o primeiro contato, a construção da confiança, os interesses do exército, os fazendeiros que começam a tomar posse de algumas terras, até a assinatura do decreto de Jânio Quadros para criação do Parque. Não posso deixar de ressaltar que esta foi a única coisa realmente boa que o presidente fez antes de renunciar e nos deixar a mercê dos militares na ditadura mais longa e difícil de nosso país.
A solução encontrada para não deixar Xingu como uma didática aula de história foi mesmo centrar nesses três complexos personagens, principalmente em Claudio Villas-Boas, interpretado com maestria por João Miguel, o líder nato do bando, que possuía os conceitos mais fechados em relação a preservação da cultura indígena. Claudio, que também é o narrador. Aliás, o recurso de utilização de voz over parece se tornar uma marca da O2, produtora do filme que imprime um padrão técnico incrível ao filme, tal qual suas mais recentes obras. A fotografia realista com a maioria das cenas em externas, a montagem precisa, a utilização de recursos sonoros pontuais, sem excesso de canções que marcou uma fase de nosso cinema. E principalmente, tudo ali em função de um roteiro consistente que nos conduz na história com uma linguagem fácil e cheia de camadas.
Cao Hamburger, ao conduzir a construção de efeitos diversos dentro do filme, vai nos envolvendo com aqueles personagens. A primeira aparição dos índios é incrivelmente bem orquestrada. Há um suspense com os primeiros sons de assobio, uma tensão crescente, câmeras subjetivas ao redor da floresta, demonstrando que eles estão observando os brancos, a fumaça, os vultos, para só depois revelar o grupo. Eram os donos da terra, como anuncia Claudio em sua narração. É uma preocupação em passar a mensagem através de imagens e da construção da emoção do espectador. Da mesma forma como temos o drama do irmão caçula, vivido por Caio Blat, que vai quebrar uma regra básica da convivência entre as duas raças e sofrer suas consequências. Mas, sem perder de vista a emoção dos próprios irmãos que têm que tomar uma resolução radical e também sofrem por isso.
O roteiro ainda nos guia em complicações pontuais como a gripe que mata boa parte da tribo, sem anticorpos, ou os fazendeiros que começam a invadir e tomar posse das terras prometidas com decretos aleatórios do prefeito e governador local. Esse paralelo político, o apoio de Jânio Quadros, a chegada dos militares, o cumprimento da lei, apesar dos percalços, a ferrovia da Transamazônica vão sendo passados de uma maneira fluida na trama, sem pausas na construção dramática, fazem parte da curva construída para aqueles personagens. Tanto que não há tempo para desenvolver por exemplo a questão da própria Transamazônica, um dos projetos mais faraônicos do Brasil, que nunca conseguiu ser concluído.
Xingu é então, um filme que nos emociona. Acima de tudo, romantiza a luta pela preservação da cultura indígena, toma claramente um partido, e nos envolve nele. É um filme denúncia, um alerta e um questionamento de até que ponto o progresso inevitável de um mundo globalizado é mesmo a melhor solução para todos os povos.
Xingu (Xingu, 2012 / Brasil)
Direção: Cao Hamburger
Roteiro: Elena Soarez, Cao Hamburger e Anna Muylaert
Com: João Miguel, Felipe Camargo, Caio Blat, Fábio Lago e Maria Flor.
Duração: 102 min.
O mais interessante de Xingu, é que não se trata de um filme histórico didático, transvestido em drama. Cao Hamburger e a roteirista Elena Soarez e Anna Muylaert investem na construção dramática através dos três protagonistas, Claudio Villas-Boas (João Miguel), Orlando Villas-Boas (Felipe Camargo) e Leonardo Villas-Boas (Caio Blat) em sua jornada que começa como uma simples aventura. Disfarçados de pessoas humildes, analfabetas, eles embarcam em uma expedição para explorar o Oeste brasileiro, ainda inabitado por homens brancos. Porém, ao descobrir os verdadeiros donos daquelas terras, os irmãos Villas-Boas começam um jogo de negociações, que envolve política, dinheiro e muita ganância de fazendeiros, para pacificação da convivência entre índios e brancos.
Quem conhece um pouco de história ou viu filmes como Terra Vermelha ou Hotxuá sabe que a questão de terra no Brasil nunca foi fácil. Os portugueses chegaram, tomaram posse e não devastaram os índios tal qual fizeram os espanhóis, até as terras brasileiras sempre foram muito vastas e por muito tempo as tribos seguiram seu curso, sem nenhum contato com o branco. Com o tempo, um confronto era mesmo inevitável, afinal como separar culturas tão díspares em um mesmo país, sob as mesmas leis. O índio iria pagar impostos, por exemplo, pela terra que sempre teve de graça? E a inserção de dinheiro em suas negociações não iria começar a descaracterizar sua cultura, com índios usando tênis ou vendo televisão? A ideia de reservas é uma tentativa de retardar ao máximo essa "civilização" dos nativos, mas não deixa de criar outros problemas, já que os tira de suas terras para reagrupá-los em outro terreno.
No filme, Cao Hamburger prefere não entrar tanto nessa questão complexa, dá apenas vislumbres quando os irmãos tentam convencer índios que estão trabalhando em seringais ou os que ainda estão em mata virgem ameaçada pela Transamazônica a se juntarem a reserva de Xingu. Mas, o foco é mesmo esse período inicial de luta pela preservação de pelo menos uma parte do Brasil para esses moradores mais antigos. Desde o primeiro contato, a construção da confiança, os interesses do exército, os fazendeiros que começam a tomar posse de algumas terras, até a assinatura do decreto de Jânio Quadros para criação do Parque. Não posso deixar de ressaltar que esta foi a única coisa realmente boa que o presidente fez antes de renunciar e nos deixar a mercê dos militares na ditadura mais longa e difícil de nosso país.
A solução encontrada para não deixar Xingu como uma didática aula de história foi mesmo centrar nesses três complexos personagens, principalmente em Claudio Villas-Boas, interpretado com maestria por João Miguel, o líder nato do bando, que possuía os conceitos mais fechados em relação a preservação da cultura indígena. Claudio, que também é o narrador. Aliás, o recurso de utilização de voz over parece se tornar uma marca da O2, produtora do filme que imprime um padrão técnico incrível ao filme, tal qual suas mais recentes obras. A fotografia realista com a maioria das cenas em externas, a montagem precisa, a utilização de recursos sonoros pontuais, sem excesso de canções que marcou uma fase de nosso cinema. E principalmente, tudo ali em função de um roteiro consistente que nos conduz na história com uma linguagem fácil e cheia de camadas.
Cao Hamburger, ao conduzir a construção de efeitos diversos dentro do filme, vai nos envolvendo com aqueles personagens. A primeira aparição dos índios é incrivelmente bem orquestrada. Há um suspense com os primeiros sons de assobio, uma tensão crescente, câmeras subjetivas ao redor da floresta, demonstrando que eles estão observando os brancos, a fumaça, os vultos, para só depois revelar o grupo. Eram os donos da terra, como anuncia Claudio em sua narração. É uma preocupação em passar a mensagem através de imagens e da construção da emoção do espectador. Da mesma forma como temos o drama do irmão caçula, vivido por Caio Blat, que vai quebrar uma regra básica da convivência entre as duas raças e sofrer suas consequências. Mas, sem perder de vista a emoção dos próprios irmãos que têm que tomar uma resolução radical e também sofrem por isso.
O roteiro ainda nos guia em complicações pontuais como a gripe que mata boa parte da tribo, sem anticorpos, ou os fazendeiros que começam a invadir e tomar posse das terras prometidas com decretos aleatórios do prefeito e governador local. Esse paralelo político, o apoio de Jânio Quadros, a chegada dos militares, o cumprimento da lei, apesar dos percalços, a ferrovia da Transamazônica vão sendo passados de uma maneira fluida na trama, sem pausas na construção dramática, fazem parte da curva construída para aqueles personagens. Tanto que não há tempo para desenvolver por exemplo a questão da própria Transamazônica, um dos projetos mais faraônicos do Brasil, que nunca conseguiu ser concluído.
Xingu é então, um filme que nos emociona. Acima de tudo, romantiza a luta pela preservação da cultura indígena, toma claramente um partido, e nos envolve nele. É um filme denúncia, um alerta e um questionamento de até que ponto o progresso inevitável de um mundo globalizado é mesmo a melhor solução para todos os povos.
Xingu (Xingu, 2012 / Brasil)
Direção: Cao Hamburger
Roteiro: Elena Soarez, Cao Hamburger e Anna Muylaert
Com: João Miguel, Felipe Camargo, Caio Blat, Fábio Lago e Maria Flor.
Duração: 102 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Xingu
2012-04-04T10:39:00-03:00
Amanda Aouad
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