Geração Plim Plim
Semana passada recebi uma newsletter do Telecine informando que "seis meses após aderir à dublagem, o Telecine Action ganhou 47% de audiência e subiu seis posições no ranking do horário nobre". Isso confirmou uma constatação que vem sendo rotina a cada dia nas salas de cinema, o público de filmes dublados no país aumentou consideravelmente. Já é possível ouvir da bilheteria o 'aviso' de que o filme escolhido é 'legendado, viu?'". Há um tempo isso era quase impossível, aliás, filme dublado no cinema ou nos canais pagos eram raridade.
Assim como o amigo Hugo do Cinema - Filmes e Seriados, fico assustada com as mudanças de preferência do público. Sou mesmo de uma outra geração que se acostumou a assistir filmes com seu som original e isso não é chatice de cinéfila metida a intelectual. É, principalmente, costume. Sim, a banda sonora que vai aberta para o mercado internacional é reduzida, sendo assim, por melhor que seja a dublagem, nossos técnicos têm limitação, isso sem falar na interpretação dos atores, como já demonstrei na análise da cena de Advogado do Diabo. Mas, independente das melhorias ou perdas, ver um filme dublado ou legendado é mesmo uma questão de educação visual e sonora. E a geração que enche as salas de cinema dos diversos shoppings espalhados pelo país foi educada vendo filmes na televisão aberta.
E isso não é uma crítica, apenas uma constatação. O público que está preferindo filme dublado não é apenas o povo menos favorecido econômica ou culturalmente. Como disse o próprio newsletter: "O alto desempenho não contou apenas com a contribuição da classe C, que cresceu 61%, mas também com a da classe AB, que registrou um aumento de 37% na mesma faixa de horário. É dela a maior participação na audiência do canal, com 53%". Observando essa crescente demanda e o comportamento do público nas salas de cinema é mesmo fácil constatar que o principal responsável por isso seja a televisão.
Afinal, o que é ver um filme na televisão aberta? Seja na Globo, SBT, Record, BAND? Primeiro, claro, um filme dublado (quem não se lembra da famosa "versão brasileira Herbert Richers"). Depois um filme com vários comerciais, onde é possível se levantar para ir ao banheiro, conversar, comer algo, etc. Além claro, de estar em casa e poder fazer o barulho ou movimento que se queira sem precisar se concentrar apenas no filme. Por último, não se importar com quem fez o filme, é apenas mais uma história para passar o tempo, ou alguém já viu créditos de filmes na televisão aberta? Basta observar o comportamento nas salas de cinema, com cada vez menos educação em ver o filme, os barulhos, as luzes que incomodam o vizinho, sem falar no movimento quase desesperado de se levantar antes mesmo do primeiro crédito subir na tela. É a verdadeira Geração Plim Plim, poderíamos dizer.
Antes, o cinema era um ritual. As famílias se reuniam, colocavam suas melhores roupas e iam ao cinema como um passeio único, um acontecimento. Havia um respeito pelo espaço, pela arte em si, pela reunião de pessoas que ali se envolviam com as mágicas imagens em movimento. Claro que não precisa nem deve ser um bando de robôs em silêncio profundo, vide o exemplo das cenas que são mostradas em Cinema Paradiso. Sempre houve brincadeiras, barulhos diversos, mas tudo fazia parte do ato coletivo. As pessoas estavam juntas naquele movimento de curtir o momento, o filme, a comunidade. E existia também a figura do Lanterninha, profissional responsável por equilibrar o limite entre a diversão coletiva e a arruaça que atrapalha a apreciação do filme, desrespeitando o próximo. Ele fiscalizava a sessão, retirando os que passavam da conta, preservando o espaço, que sim, sempre foi sagrado.
A função do cinema também era essa. O entretenimento coletivo, a desculpa para se encontrar com os amigos. Lembrando que ele reinou absoluto por muitos anos, antes da popularização da televisão. Mesmo as notícias eram vistas na sala de cinema, os gols da rodada, as informações das guerras, as imagens do outro lado do mundo. Os cinemas de rua tinham sua aura própria. O glamour da indústria de sonhos, os grandes artistas, o fascínio da tela grande. Lembro bem que mesmo na década de oitenta, quando comecei a frequentar as salas, ainda era um acontecimento ir ao cinema, uma ansiedade por algo que só poderíamos ver ali.
Hoje muita coisa mudou. A explosão dos shoppings centers e a indústria do entretenimento crescente dá opções de rapidez e comodidade com muito mais facilidade. As pessoas tem se tornando cada vez mais egocêntricas. Elas podem ter seu próprio cinema dentro de casa com um projetor, uma televisão de alta qualidade, um aparelho de blu-ray e claro, um home theater. O cinema não lhes oferece mais nada de inédito. Nem mesmo o filme, que ao mesmo tempo que está em cartaz já pode ser encontrado em algum link pirata na internet. E cada vez mais pessoas gostam de filmes, cada vez menos pessoas gostam de Cinema.
Assim, ir ao cinema é apenas mais um ritual rotineiro, como rodar pelo shopping para passar o tempo. E se é assim, para que o trabalho de ler legendas que traduzem falas ditas em uma língua estrangeira? Não é necessário o primor de um efeito sonoro que nem será percebido a maioria das vezes pelo ouvido leigo, e pouco importa se a voz não é do ator que vemos em tela. Interpretação também não precisa ser a melhor, afinal, basta entender e acompanhar a história em tela. Eles sempre viram filmes na televisão dessa forma e sempre foi bom, não é? Não podemos culpá-los. Nem mesmo julgá-los. Afinal, é mesmo possível ver um filme dublado e ter uma experiência medianamente satisfatória.
Os defensores do dublado ainda argumentam que é uma defesa de mercado, uma valorização da própria língua, que na Europa todos os filmes são dublados na língua nativa, como se copiar algo da Europa fosse auto-afirmação de alguma coisa. É verdade, a Europa dubla os filmes americanos, como os Estados Unidos sempre dublaram os filmes europeus. Há questões de mercado envolvidas nisso, não sejamos ingênuos. Mas, no Brasil, isso não quer dizer exatamente que somos mais abertos ao imperialismo yankee. Afinal, os filmes europeus ou asiáticos não são dublados para o inglês, por exemplo. É mesmo a defesa e preservação do som original do filme.
E o que nos deixa mais tristes não é exatamente essa mudança de postura e preferência do público que está indo aos cinemas ou comprando canais pagos, mas, sobretudo a falta de opção. Com a televisão digital isso é cada vez mais fácil, basta colocar uma possibilidade de escolha no canal. Assim como as salas de cinema podem reservar um horário que seja para os filmes legendados. Mesmo que minoria, ainda existe um público acostumado e educado a ver filmes com seu som original. Deixemos que a Geração Plim Plim tenha a sua escolha, mas que também nós, dinossauros de uma época, pelo visto, esquecida, possamos não perder o prazer de ir a um cinema ver filmes como sempre vimos. Então, por favor, Dublado sem opção, não, esse eu já vejo de graça na Globo, no SBT, na Record...
Assim como o amigo Hugo do Cinema - Filmes e Seriados, fico assustada com as mudanças de preferência do público. Sou mesmo de uma outra geração que se acostumou a assistir filmes com seu som original e isso não é chatice de cinéfila metida a intelectual. É, principalmente, costume. Sim, a banda sonora que vai aberta para o mercado internacional é reduzida, sendo assim, por melhor que seja a dublagem, nossos técnicos têm limitação, isso sem falar na interpretação dos atores, como já demonstrei na análise da cena de Advogado do Diabo. Mas, independente das melhorias ou perdas, ver um filme dublado ou legendado é mesmo uma questão de educação visual e sonora. E a geração que enche as salas de cinema dos diversos shoppings espalhados pelo país foi educada vendo filmes na televisão aberta.
E isso não é uma crítica, apenas uma constatação. O público que está preferindo filme dublado não é apenas o povo menos favorecido econômica ou culturalmente. Como disse o próprio newsletter: "O alto desempenho não contou apenas com a contribuição da classe C, que cresceu 61%, mas também com a da classe AB, que registrou um aumento de 37% na mesma faixa de horário. É dela a maior participação na audiência do canal, com 53%". Observando essa crescente demanda e o comportamento do público nas salas de cinema é mesmo fácil constatar que o principal responsável por isso seja a televisão.
Afinal, o que é ver um filme na televisão aberta? Seja na Globo, SBT, Record, BAND? Primeiro, claro, um filme dublado (quem não se lembra da famosa "versão brasileira Herbert Richers"). Depois um filme com vários comerciais, onde é possível se levantar para ir ao banheiro, conversar, comer algo, etc. Além claro, de estar em casa e poder fazer o barulho ou movimento que se queira sem precisar se concentrar apenas no filme. Por último, não se importar com quem fez o filme, é apenas mais uma história para passar o tempo, ou alguém já viu créditos de filmes na televisão aberta? Basta observar o comportamento nas salas de cinema, com cada vez menos educação em ver o filme, os barulhos, as luzes que incomodam o vizinho, sem falar no movimento quase desesperado de se levantar antes mesmo do primeiro crédito subir na tela. É a verdadeira Geração Plim Plim, poderíamos dizer.
Antes, o cinema era um ritual. As famílias se reuniam, colocavam suas melhores roupas e iam ao cinema como um passeio único, um acontecimento. Havia um respeito pelo espaço, pela arte em si, pela reunião de pessoas que ali se envolviam com as mágicas imagens em movimento. Claro que não precisa nem deve ser um bando de robôs em silêncio profundo, vide o exemplo das cenas que são mostradas em Cinema Paradiso. Sempre houve brincadeiras, barulhos diversos, mas tudo fazia parte do ato coletivo. As pessoas estavam juntas naquele movimento de curtir o momento, o filme, a comunidade. E existia também a figura do Lanterninha, profissional responsável por equilibrar o limite entre a diversão coletiva e a arruaça que atrapalha a apreciação do filme, desrespeitando o próximo. Ele fiscalizava a sessão, retirando os que passavam da conta, preservando o espaço, que sim, sempre foi sagrado.
A função do cinema também era essa. O entretenimento coletivo, a desculpa para se encontrar com os amigos. Lembrando que ele reinou absoluto por muitos anos, antes da popularização da televisão. Mesmo as notícias eram vistas na sala de cinema, os gols da rodada, as informações das guerras, as imagens do outro lado do mundo. Os cinemas de rua tinham sua aura própria. O glamour da indústria de sonhos, os grandes artistas, o fascínio da tela grande. Lembro bem que mesmo na década de oitenta, quando comecei a frequentar as salas, ainda era um acontecimento ir ao cinema, uma ansiedade por algo que só poderíamos ver ali.
Hoje muita coisa mudou. A explosão dos shoppings centers e a indústria do entretenimento crescente dá opções de rapidez e comodidade com muito mais facilidade. As pessoas tem se tornando cada vez mais egocêntricas. Elas podem ter seu próprio cinema dentro de casa com um projetor, uma televisão de alta qualidade, um aparelho de blu-ray e claro, um home theater. O cinema não lhes oferece mais nada de inédito. Nem mesmo o filme, que ao mesmo tempo que está em cartaz já pode ser encontrado em algum link pirata na internet. E cada vez mais pessoas gostam de filmes, cada vez menos pessoas gostam de Cinema.
Assim, ir ao cinema é apenas mais um ritual rotineiro, como rodar pelo shopping para passar o tempo. E se é assim, para que o trabalho de ler legendas que traduzem falas ditas em uma língua estrangeira? Não é necessário o primor de um efeito sonoro que nem será percebido a maioria das vezes pelo ouvido leigo, e pouco importa se a voz não é do ator que vemos em tela. Interpretação também não precisa ser a melhor, afinal, basta entender e acompanhar a história em tela. Eles sempre viram filmes na televisão dessa forma e sempre foi bom, não é? Não podemos culpá-los. Nem mesmo julgá-los. Afinal, é mesmo possível ver um filme dublado e ter uma experiência medianamente satisfatória.
Os defensores do dublado ainda argumentam que é uma defesa de mercado, uma valorização da própria língua, que na Europa todos os filmes são dublados na língua nativa, como se copiar algo da Europa fosse auto-afirmação de alguma coisa. É verdade, a Europa dubla os filmes americanos, como os Estados Unidos sempre dublaram os filmes europeus. Há questões de mercado envolvidas nisso, não sejamos ingênuos. Mas, no Brasil, isso não quer dizer exatamente que somos mais abertos ao imperialismo yankee. Afinal, os filmes europeus ou asiáticos não são dublados para o inglês, por exemplo. É mesmo a defesa e preservação do som original do filme.
E o que nos deixa mais tristes não é exatamente essa mudança de postura e preferência do público que está indo aos cinemas ou comprando canais pagos, mas, sobretudo a falta de opção. Com a televisão digital isso é cada vez mais fácil, basta colocar uma possibilidade de escolha no canal. Assim como as salas de cinema podem reservar um horário que seja para os filmes legendados. Mesmo que minoria, ainda existe um público acostumado e educado a ver filmes com seu som original. Deixemos que a Geração Plim Plim tenha a sua escolha, mas que também nós, dinossauros de uma época, pelo visto, esquecida, possamos não perder o prazer de ir a um cinema ver filmes como sempre vimos. Então, por favor, Dublado sem opção, não, esse eu já vejo de graça na Globo, no SBT, na Record...
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Geração Plim Plim
2012-05-15T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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