Começou ontem a etapa Salvador da 4ª Edição do In-Edit Brasil, festival dedicado a documentários musicais que surgiu em Barcelona e já possui edições em outras capitais pelo Mundo como Berlim, Santiago, São Paulo e Buenos Aires.
Em Salvador, a segunda edição está de volta ao Cinema do Museu, no Corredor da Vitória, e conta esse ano com mais de 20 documentários musicais, com os principais destaques e os filmes mais aplaudidos na edição paulista de 2012. Entre eles, destacam-se os internacionais “George Harrison: Living in the Material World”, de Martin Scorsese, “God Bless Ozzy”, de Mike Fleiss e Mike Piscitelli, além de “Queen – Days of Your Lives”, de Matt O’Casey. Já entre os nacionais temos “Noel Rosa - Poeta da Vila e do povo”, de Dácio Malta, “Vou Rifar Meu Coração”, de Ana Rieper e “Clementina de Jesus, Rainha Quelé”, de Werinton Kermes.
Feliz com a 4ª edição do In-Edit no Brasil, Aliche, organizador do evento, disse que essa foi a edição mais participativa, com maior retorno. Agradeceu aos patrocinadores, aos apoiadores, à imprensa e reafirmou a felicidade de poder voltar a Salvador e a escolha de abrir o Festival com "Mama África", um dos grandes destaques do festival desse ano, não apenas pelo filme que é, mas pela força da personagem Miriam Makeba. "E também pela coincidência de Mika Kaurismäki morar em Salvador há seis anos e pela ligação da cidade com África. Salvador é a cidade mais africana do Brasil". A programação completa que vai até o dia 21 de junho pode ser conferida no site oficial do evento.
Mika Kaurismäki |
Mama África
Mama África é um documentário sobre a vida da cantora e ativista Miriam Makeba, que lutou pelos direitos humanos e contra o apartheid, sendo exilada da África do Sul por 33 anos. O documentário biográfico engloba os principais momentos de sua vida, desde o começo na África do Sul, relembrando a infância sofrida, a mãe que foi presa com ela no colo, passando pelos primeiros passos na carreira como vocalista do grupo The Cuban Brothers, a carreira solo, a primeira ida aos Estados Unidos, o exílio do seu país, o sucesso na América, o casamento com o ativista político Stokely Carmichael, um dos idealizadores do chamado Black Power e porta-voz dos Panteras Negras, que gerou boicote à sua música, a vida na Guiné, as manifestações nas Nações Unidas, as participações em programas de televisão, as tragédias pessoais como a morte da única filha em 1985, o retorno à terra com um pedido do próprio Nelson Mandela e o fim da vida.A linguagem é relativamente simples, com depoimentos diversos de pessoas que a conheceram, depoimentos de arquivo da própria Miriam, imagens de shows, entrevistas, reportagens. Mas, a montagem é bastante feliz ao conduzir o roteiro de uma maneira ágil e criativa. Um dos momentos é quando o início da carreira de Miriam é contada através de fotos, a forma como elas vão sendo disponibilizadas na tela, é bastante orgânica. Outro momento é quando temos a preparação para a apresentação da banda, com um raccord de olhar dela para o depoimento do marido. Mas, a força do documentário, está mesmo em sua personagem.
Miriam Makeba morreu no palco, em plena atividade, e nunca deixou de acreditar no conceito primário de liberdade para o seu povo. Com um brilho próprio, a cantora sul-africana demonstrava seu talento e chamava a atenção para o seu ritmo, voz e autenticidade. É fácil se encantar por ela, por seus ideais, por seu jeito tímido de expor fatos complexos e profundos como quando lê a carta de pedido de ajuda para a África do Sul na reunião das Nações Unidas. Com uma simplicidade incrível ela defendia “eu não canto política, eu canto a verdade”. Mas, suas letras eram a expressão de um povo, como Soweto Blues que toca em dois momentos distintos no documentário, nos dando emoções diferentes. Logo no início, como uma ambientação e introdução do tema, e no terceiro ato, quando nos emociona por toda a trajetória que já acompanhamos.
Mas, como a própria Miriam dizia, apesar de grandes letras e um envolvimento político forte, sua música mais conhecida é Pata Pata. Um ritmo envolvente, divertido sobre uma dança local, mas tola e “sem sentido”, ela afirmou, “mas, se as pessoas gostam”, completou rindo. É nessa simplicidade de dizer coisas sérias que Miriam encantava, como quando ela respondeu que a diferença entre a África do Sul e os Estados Unidos era que a África do Sul admitia o que era, então, era mais fácil lidar, pois já sabia o que esperar dela.
Essa crítica ao racismo velado é apenas uma das sacadas de Miriam Makeba, que através de sua música trouxe esperança para o seu povo. Uma mulher que merece ser conhecida e homenageada sempre. Mama África, então, é o tipo de filme que vale mais por seu valor histórico, político, cultural do que pelo próprio produto cinematográfico, que ainda assim é uma bela obra.
Mama África (Mama Africa, 2011 / Alemanha)
Direção: Mika Kaurismäki
Roteiro: Mika Kaurismäki e Don Edkins
Duração: 90 min.