Gotham City encontra-se em um momento-chave. Após salvar a cidade da Liga da Sombra, Batman quer livrá-la de todos os traficantes e marginais possíveis. Isso, claro, acaba incomodando muita gente e gerando uma guerra de proporções incríveis. Eis que surge, então, mais um auxiliar para o Batman nessa luta, o promotor Harvey Dent, símbolo de justiça, só que às claras, não pelas sombras como o alter-ego de Bruce Wayne. Do lado de lá, o anúncio do final do primeiro filme se concretiza, surge a ameaça maior: o Coringa.
O vilão é mais do que um bandido perigoso. Ele é uma ameaça concreta à humanidade, pois seu maior objetivo é provar que ela não presta. Trágico, denso, usa da ironia do riso sua arma mais cruel. Afinal, "porque está tão sério?" O Coringa tripudia de nossos sentimentos mais nobres a cada mentira e manipulação que constrói. Ele é um ser à parte, não tem honra, não tem lógica, não tem regras. Sua regra é quebrar o estabelecido e fazer o ser humano se confrontar com suas piores sombras.
Toda a construção de O Cavaleiro das Trevas está em suas mãos. Isso fica claro na primeira cena, onde um assalto ao banco demonstra um jogo de vilões sem o mínimo de parceria. A cada ação completa, um mata o outro, porque o chefe mandou. Até que o "chefe" se revela o único sobrevivente. Aqui temos a personalidade e objetivo do Coringa. Ele não quer destruir, quer que as próprias pessoas se destruam. O tempo inteiro ele joga com os personagens e conosco. Quando é preso, quando faz sua ligação, quando dá uma informação trocada, quando negocia com os criminosos, quando tenta a sua cartada final com a cena das balsas.
Mas, por mais que o homem seja falho e por mais que a humanidade apodreça aos poucos, há a esperança nesse herói trágico. O símbolo do sacrifício que traz toda a responsabilidade para as suas costas e vive nas sombras. Ele suporta pacientemente seu fardo, sem se revelar, nem se vangloriar em nenhum momento. Abre mão daquilo que ama pelo bem maior. É altruísta e fará de tudo para que o Coringa não vença, sem conseguir provar que qualquer homem pode sucumbir às sombras. Seu jogo contrário é tão forte, que ele sustenta esse mundo e se anula ao ponto de seu inimigo brilhar com uma maestria incrível. O Coringa se torna a estrela do filme, porque o Batman precisa agir nos bastidores. Isto daria uma tese.
Claro que a atuação de Heath Ledger ajuda. O ator, falecido antes do lançamento de sua obra-prima, se tornou um ícone. Um ícone tão forte que não terá ator capaz de substituí-lo no capítulo final da saga. Fica a curiosidade de qual fim darão ao Coringa. Ledger incorporou toda carga maquiavélica do personagem, assustando em cada nuança de sua interpretação. Sobressai-se de tal maneira que todos os demais se tornam coadjuvantes. Mesmo que Christian Bale continue bem em seu papel, Aaron Eckhart surja como um exemplo à altura, Maggie Gyllenhaal substitua Katie Holmes com dignidade e Michael Caine, Gary Oldman e Morgan Freeman continuem como ótimo suporte.
Mesmo que o principal em Batman, O Cavaleiro das Trevas seja esse jogo psicológico denso, a direção não é menos precisa. Há cenas antológicas como a perseguição à carro em busca do Coringa, por exemplo. É mais do que carros correndo um atrás do outro, há uma construção do balé perfeito, com uma tensão e uma culminância digna dos envolvidos. A montagem que nos leva ao clímax da decisão dentro dos dois barcos também é minuciosamente construída. Assim como a cena final com a fuga premeditada. Ele simplesmente nos leva em sua trajetória densa.
Batman, O Cavaleiro das Trevas é mais do que um filme de herói, ou um bom drama com ação. É um projeto ousado de uma peça trágica, como há muito o mundo não ousa suportar. Faz parte de um conjunto, não deve ser visto em separado. Começa com Begins em 2005 e só terá seu derradeiro fim agora em 2012. Pena que Heath Ledger não pode participar disso.
Direção: Christopher Nolan
Roteiro: Christopher Nolan, Jonathan Nolan
Com: Christian Bale, Heath Ledger, Aaron Eckhart, Michael Caine, Maggie Gyllenhaal, Gary Oldman e Morgan Freeman
Duração: 152 min