Nessa parte, começamos a provocar a nossa plateia, demonstrando a eles como deve ser uma análise. Perguntamos sobre seus filmes preferidos e o porquê disso. Sobre o que acharam de Zarafa e sobre o que o filme falava. Se eles recomendariam o filme aos amigos. E tiramos também algumas dúvidas sobre o enredo. Foi uma experiência bastante rica perceber a atenção e visão dos pequenos. Fiquei surpresa com a variedade dos filmes citados, quase nenhum infantil sendo uma platéia de crianças de uma média de 10 anos, e com alguns comentários. Apesar da maioria responder que gostou porque era legal, ou coisa do gênero, alguns conseguiram desenvolver um raciocínio interessante sobre suas preferências.
Foi muito bom perceber também o quanto eles prestaram atenção no filme assistido, lembrando de detalhes e discutindo o enredo. A dúvida ficou por conta da compreensão do vilão do filme, o mercador de escravos, que as vezes se confundia, para eles, com o beduíno Hassan. Talvez essa confusão seja porque o protagonista Maki, apesar de ser ajudado por Hassan, acaba brigando com ele várias vezes.
Apesar da euforia que dominou a sala quando começamos a circular perguntando sobre os filmes preferidos, no geral, a plateia se comportou de uma forma bem educada, participando e prestando a atenção. É sempre bom poder falar com crianças e demonstrar um pouco para elas que cinema pode ser mais do que simples diversão passageira. Fico feliz que o FICI continue trazendo experiências assim para todos nós.
Zarafa
A animação de Rémi Bezançon e Jean-Christophe Lie gerou polêmica ao ser lançada. Por contar a história da primeira girafa da França, muita gente não aceitou a licença poética e se revoltou com a deturpação da verdade. Mas, o fato é que Zarafa é uma fábula sobre amizade, promessas e sobrevivência das tribos africanas.O pequeno Maki é um dos muitos africanos presos por um mercador de escravos. Um dia, ele consegue fugir e acaba conhecendo um grupo de girafas, passando a viver com elas. Quando o mercador o encontra, acaba matando um dos animais, mas Maki consegue fugir com uma filhote que ele chama de Zarafa, com a ajuda de um beduíno chamado Hassan. Apesar de o proteger, Hassan acaba se envolvendo em uma missão que desagrada Maki, ele tem que levar a girafa Zarafa como um presente para o rei da França em troca de apoio para libertar Alexandria dos turcos. Começa, então, uma jornada do menino para tentar resgatar sua amiga e cumprir a promessa que ele fez à mãe do animal de sempre protegê-la e levá-la de volta para casa.
Toda a narrativa é contada através de um ancião que explica a história para um grupo de crianças de sua tribo, sentado embaixo de um baobá. A visão é bela e a construção, apesar de simples, tem nuanças interessantes como a própria história da África e suas tribos desfalcadas pelo tráfico indiscriminado de escravos. A ligação de Maki com outra menina africana de nome Sula apesar de clichê, tem seu charme. E a viagem de Zarafa para a França, apesar de fantasiosa não deixa de ser divertida para os pequenos.
Claro que vacas e menino caindo de pára-quedas em um navio de piratas é forçar nossa paciência, assim como a dança grega sem o menor contexto. Assim como a caricatura do rei francês e sua corte pode ser uma crítica exagerada. Mas, tudo parece não ter tanto peso diante da fábula da amizade entre o garoto e a girafinha. É bonito ver sua dedicação, seu empenho de cumprir uma promessa feita e tudo o que ele aprende em sua jornada. Zarafa acaba trazendo valores esquecidos em muitas obras infantis que, em uma linguagem rápida, preferem entreter apenas com cenas mirabolantes.
Há furos e falta de sentido em algumas questões como o fato deles não terem usado o balão para ajudar Zarafa a fugir do zoológico já que sua cela era sem teto. Ou a personalidade da pirata Bouboulina que a princípio parece assustadora, mas logo se torna uma lady mansa e até se insinua para Hassan. A personagem Sula também fica pouco desenvolvida, sempre aparecendo e desaparecendo apenas para gritar "Maki". A resolução do caso Zarafa também é meio forçada. Mas, o conjunto da obra acaba desculpando esses deslizes.
O mesmo acontece com a parte técnica. Ainda que o 2D aqui seja limitado, onde podemos perceber a economia de cenários em movimento em uma estrutura próxima das animações antigas, o filme tem um visual bonito. Explora bem as paisagens dos países por onde passa, principalmente nas imagens aéreas que o balão proporciona, resultando em um produto bem feito. Bastante infantil, mas, ainda assim com um tema que rende boas discussões.
Zarafa (Zarafa, 2012 / França)
Direção: Rémi Bezançon, Jean-Christophe Lie
Roteiro: Alexander Abela, Rémi Bezançon
Com: Max Renaudin Pratt, Simon Abkarian e François-Xavier Demaison
Duração: 80 min