
Considerado o retrato do século XXI,
Cosmópolis é um
filme incômodo. Chega a ser maçante em sua
verborragia. Mas, também traz uma reflexão intensa sobre o ser humano em uma
era digital, onde está aparentemente seguro do mundo exterior. E ao mesmo tempo tenta lutar contra o colapso do capitalismo com a inversão de valores tão fortes como a
China se tornando uma grande potência.
O
filme passa boa parte dentro da
limusine de Eric Packer, o
bilionário maníaco por perfeição vivido por
Robert Pattinson. O seu transtorno é tanto que se submete a exames médicos diários. Dá para imaginar algo assim? E é em seus exames que descobre algo que o desconcerta tanto quanto o yuan, a sua próstata é assimétrica. Packer não parece conseguir lidar com a
imperfeição. A moeda chinesa é um grande mistério para ele, da mesma forma que seu corpo ter algo com algum desvio. Ambos lhe desconcertam e o sufocam. Ele parece querer se libertar daquela vida que o leva a extremos.

Mas, é interessante como essa construção do personagem é gradual. São pequenas pistas que vão o levando ao clímax de uma forma harmônica até. Tudo começa com uma simples necessidade de cortar o cabelo. Mas, seu cabelo só pode ser cortado em um
barbeiro específico, que fica do outro lado da cidade. Isso deixa tenso o chefe de sua segurança, pois a cidade está instável com ameaças de ataques. Enquanto isso, Eric Packer vai recebendo pessoas diversas a bordo de sua
limusine. Mulheres com as quais faz
sexo, outras com as quais discute manifestações anárquicas, rapazes que lhe apresentam novas tecnologias e homens que discutem
economia.
O mundo parece passar enquanto a
limusine anda. E é interessante como
David Cronenberg constrói esse mundo artificial pela janela. Há sempre uma sensação de não pertencimento na imagem. O próprio som dentro do carro é trabalhado de uma forma impressionante. Há diálogos onde não há um só som ambiente. E as imagens que passam pela janela são propositadamente estranhas, em luz, em textura, em ambientação. A artificialidade está também na forma de se comunicar do personagem de
Pattinson. Eric Packer quase não interage com as pessoas, não as olha nos olhos, a sensação é de estar falando o tempo todo via
Skype, telefone, ou algo parecido.

É interessante também a simbologia da
limusine, ou melhor, das limusines diversas. A primeira cena do
filme traz uma fila desses imensos carros ocupando a rua, e cada um deles com um passageiro. Em determinada cena, Packer vê sua noiva em um táxi comum, ele salta e vai até ela perguntando o que houve com a "sua limusine". É possível fazer até um paralelo aí com
Holy Motors, filme de Leos Carax que também usa esse carro quase como personagem. Inclusive quando o personagem de
Robert Pattinson pergunta para onde vão as
limusines no final da noite, só lembrei do galpão de
Holy Motors.
Mas, é um paralelo que pode ir além, já que ambos os
filmes discutem um pouco desse mundo artificial que vivemos e as relações humanas. quase sempre armadas, ensaiadas, onde parece que estamos sempre interpretando papéis e nunca sendo autênticos. A diferença é que
Holy Motors usa o
cinema para ser simbólico, enquanto
Cosmópolis prefere o verbo, e até a filosofia. Há sempre a utilização de frases feitas para gerar discussões, como a abertura do
filme que traz a citação de
Zbigniew Herbert: “um rato se tornou a unidade monetária”. Essa frase volta no discurso de Pattinson que faz uma brincadeira com isso sendo verdade. E nas manifestações de alguns anarquistas que jogam ratos em protesto.

Outra frase que é destacada tem a ver com presente, passado e
futuro. Como se estivéssemos tão preocupados com o futuro que esquecêssemos de viver o presente. Esta seria a lógica do capitalismo, onde "o presente está oprimido para fazer o futuro". Mas, para reconstruir essa
lógica é preciso mesmo o caos, já que "o princípio da destruição é criativo". São esses jogos de palavras,
reflexões e pensamentos que conduzem
Cosmópolis e o personagem de Robert Pattinson, que está bem em seu papel quase robótico. Essa sensação de não pertencimento que seu personagem sente é transmitida de uma forma interessante para o público e quando ele precisa de um pouco mais de emoção, quando contracena com o personagem de
Paul Giamatti, também não faz feio.

Aliás, toda a sequência de
Paul Giamatti é bastante interessante e simbólica. É o
caos estabelecido para se recriar a ordem. O clímax do
filme. Temos ali toda a definição em ações do que vimos em palavras até então. Chama a atenção alguns detalhes como a cena em que
Giamatti fala com
Pattinson como se estivesse em um confessionário. É interessante por tudo o que os dois representam, para a história e um para o outro. O mestre e o aprendiz? A vítima e o algoz? Que papel cada um desempenha ali?
Cosmópolis não é mesmo um
filme fácil. Mas, nos leva a
reflexões e questionamentos diversos sobre o mundo em que vivemos. Chega a ser instigante que um diretor como
David Cronenberg, que sempre atuou em imagens tenha feito dois filmes tão verborrágicos quanto este e
Um Método Perigoso. Mas, aqui pelo menos, há um verbo em função de uma angústia. É a necessidade de expressar, de compreender, de absorver o mundo em que vivemos, as relações que temos através de máquinas e tão pouco em contato físico e as novas regras do
capitalismo onde o ter não é mais tão palpável e o
yuan pode ser a moeda da vez, mas pode facilmente ser substituída, até por um
rato.
Cosmópolis (Cosmopolis, 2012 / EUA)
Direção: David Cronenberg
Roteiro: David Cronenberg
Com: Robert Pattinson, Juliette Binoche, Sarah Gadon, Paul Giamatti, Kevin Durand
Duração: 109 min.