Luto em Luta
Em determinado momento do documentário, um entrevistado está em um cruzamento movimentado de São Paulo, observando as infrações de trânsito feitas pelos carros que por ali passam. Ele, então, faz um comentário e diz que "se as imagens fossem exibidas em um país civilizado, pensariam que aqui só tem bárbaros".
É mesmo assustador o comportamento do brasileiro no trânsito. Fala-se em celular, ultrapassa-se sinais vermelhos, não se obedece à velocidade limite e faixa de pedestre é apenas um adorno no asfalto. Isso para citar apenas alguns comportamentos ilícitos. Luto em Luta fala desse comportamento selvagem, da incompreensão de que o carro é uma arma e da forma como os acidentes crescem a cada dia na Grande São Paulo, principalmente, por causa da ingestão de bebidas alcoólicas.
Primeiro documentário de Pedro Serrano, a ideia surgiu depois que o diretor perdeu o amigo Vitor Gurman, atropelado na capital paulista. Um dos fundadores do movimento Viva Vitão, Serrano vai além e expõe em seu filme o problema de uma maneira mais abrangente, utilizando depoimentos de médicos, psicólogos, vítimas, familiares, policiais, políticos, jornalistas e pessoas comuns. A intenção maior é fazer um retrato da realidade das ruas, buscando uma conscientização para o problema. A frase de um dos movimentos "Não espere perder um amigo para mudar a sua atitude no trânsito" diz tudo. Essa é uma luta de todos, não de casos específicos.
O documentário divide-se em três partes. A maior de todas é Barbárie. A segunda é Luto. E a terceira, Luta. É interessante a forma como o roteiro se organiza assim, porque nos conduz em uma fluência emocional crescente. Primeiro ele ataca o problema, demonstrando a forma irracional como as pessoas agem no trânsito. Há um destaque grande para esse processo de observação na rua. Inclusive para a ação de um oficial do trânsito que, em vez de coibir as infrações, está preocupado com o tempo do semáforo.
Os depoimentos alertam para a falta de espaço e respeito ao pedestre. Ao problema do ciclista que é visto como um objeto estranho que não deveria partilhar o trânsito. Sobre a questão do álcool. E principalmente para o fato de que o carro é uma arma e que as leis aqui no Brasil são muitos frouxas em relação a isso, principalmente no cumprimento a elas. Então, a sensação de impunidade faz as pessoas não se preocuparem tanto em cumprir as leis. Isso me fez lembrar do filme A Outra Terra que uma escolha infeliz no trânsito fez a protagonista destruir seu futuro.
E claro que a simples punição não é o único caminho. É preciso educar. Foi assim que Cristovam Buarque modificou o trânsito em Brasília. Como diz no próprio documentário, na capital brasileira você se sente coagido a agir corretamente, porque as pessoas atualmente se auto-governam. Pise na faixa e o carro irá parar. Não precisa de muito esforço. O que começou com fiscalização mais severa, se sustentou com a campanha educacional e de conscientização eficiente. Porque sem educação, no dia em que não se fiscalizar, volta tudo ao ponto zero.
A segunda parte, o Luto, é curta, porém bastante eficiente no quesito emocional. O documentário traz o depoimento de amigos e familiares que sofreram no trânsito, como os amigos do Vitor e Rafael Baltresca, que perdeu a mãe e a irmã atropeladas, além de uma mãe com uma filha que sofreu um acidente grave de carro e amigos de uma ciclista atropelada por um ônibus.
Por fim, vem a parte da Luta. É interessante como Pedro Serrano escolhe visualmente dividir essas duas partes pela cor. Na parte Luto, as imagens estão em preto e branco, com um tom mais sóbrio, pesado até e quando mudamos para a Luta, as imagens ganham cor, vida. Uma forma de demonstrar que a Luta ajuda a superar em parte, o Luto. Lutando por melhores condições no trânsito, pela conscientização dos motoristas, a morte dessas pessoas ganha um significado, um exemplo para que pare de acontecer e que se possa mudar a forma de punição e educação.
Luto em Luta é um documentário de conscientização, acima de tudo. Tem um bom ritmo, uma preocupação com vinhetas bem elaboradas, escolhas precisas. Mas, o que mais importa ali são as mensagens, os exemplos, a urgência por alguma mudança. Clama-se por algo mais que uma simples consternação. "Um alerta para que cada cidadão faça a sua parte: o problema da sociedade é um problema meu. Não é do Governo. Ele não fará algo se cada um não fizer a sua parte. Então, eu preciso fazer alguma coisa." É o que fica.
E para ampliar essa conscientização, o próprio diretor colocou seu filme na íntegra na internet. Aproveitem.
Luto em Luta (Luto em Luta, 2012 / Brasil)
Direção: Pedro Serrano
Roteiro: Pedro Serrano
Duração: 72 min.
É mesmo assustador o comportamento do brasileiro no trânsito. Fala-se em celular, ultrapassa-se sinais vermelhos, não se obedece à velocidade limite e faixa de pedestre é apenas um adorno no asfalto. Isso para citar apenas alguns comportamentos ilícitos. Luto em Luta fala desse comportamento selvagem, da incompreensão de que o carro é uma arma e da forma como os acidentes crescem a cada dia na Grande São Paulo, principalmente, por causa da ingestão de bebidas alcoólicas.
Primeiro documentário de Pedro Serrano, a ideia surgiu depois que o diretor perdeu o amigo Vitor Gurman, atropelado na capital paulista. Um dos fundadores do movimento Viva Vitão, Serrano vai além e expõe em seu filme o problema de uma maneira mais abrangente, utilizando depoimentos de médicos, psicólogos, vítimas, familiares, policiais, políticos, jornalistas e pessoas comuns. A intenção maior é fazer um retrato da realidade das ruas, buscando uma conscientização para o problema. A frase de um dos movimentos "Não espere perder um amigo para mudar a sua atitude no trânsito" diz tudo. Essa é uma luta de todos, não de casos específicos.
O documentário divide-se em três partes. A maior de todas é Barbárie. A segunda é Luto. E a terceira, Luta. É interessante a forma como o roteiro se organiza assim, porque nos conduz em uma fluência emocional crescente. Primeiro ele ataca o problema, demonstrando a forma irracional como as pessoas agem no trânsito. Há um destaque grande para esse processo de observação na rua. Inclusive para a ação de um oficial do trânsito que, em vez de coibir as infrações, está preocupado com o tempo do semáforo.
Os depoimentos alertam para a falta de espaço e respeito ao pedestre. Ao problema do ciclista que é visto como um objeto estranho que não deveria partilhar o trânsito. Sobre a questão do álcool. E principalmente para o fato de que o carro é uma arma e que as leis aqui no Brasil são muitos frouxas em relação a isso, principalmente no cumprimento a elas. Então, a sensação de impunidade faz as pessoas não se preocuparem tanto em cumprir as leis. Isso me fez lembrar do filme A Outra Terra que uma escolha infeliz no trânsito fez a protagonista destruir seu futuro.
E claro que a simples punição não é o único caminho. É preciso educar. Foi assim que Cristovam Buarque modificou o trânsito em Brasília. Como diz no próprio documentário, na capital brasileira você se sente coagido a agir corretamente, porque as pessoas atualmente se auto-governam. Pise na faixa e o carro irá parar. Não precisa de muito esforço. O que começou com fiscalização mais severa, se sustentou com a campanha educacional e de conscientização eficiente. Porque sem educação, no dia em que não se fiscalizar, volta tudo ao ponto zero.
A segunda parte, o Luto, é curta, porém bastante eficiente no quesito emocional. O documentário traz o depoimento de amigos e familiares que sofreram no trânsito, como os amigos do Vitor e Rafael Baltresca, que perdeu a mãe e a irmã atropeladas, além de uma mãe com uma filha que sofreu um acidente grave de carro e amigos de uma ciclista atropelada por um ônibus.
Por fim, vem a parte da Luta. É interessante como Pedro Serrano escolhe visualmente dividir essas duas partes pela cor. Na parte Luto, as imagens estão em preto e branco, com um tom mais sóbrio, pesado até e quando mudamos para a Luta, as imagens ganham cor, vida. Uma forma de demonstrar que a Luta ajuda a superar em parte, o Luto. Lutando por melhores condições no trânsito, pela conscientização dos motoristas, a morte dessas pessoas ganha um significado, um exemplo para que pare de acontecer e que se possa mudar a forma de punição e educação.
Luto em Luta é um documentário de conscientização, acima de tudo. Tem um bom ritmo, uma preocupação com vinhetas bem elaboradas, escolhas precisas. Mas, o que mais importa ali são as mensagens, os exemplos, a urgência por alguma mudança. Clama-se por algo mais que uma simples consternação. "Um alerta para que cada cidadão faça a sua parte: o problema da sociedade é um problema meu. Não é do Governo. Ele não fará algo se cada um não fizer a sua parte. Então, eu preciso fazer alguma coisa." É o que fica.
E para ampliar essa conscientização, o próprio diretor colocou seu filme na íntegra na internet. Aproveitem.
Luto em Luta (Luto em Luta, 2012 / Brasil)
Direção: Pedro Serrano
Roteiro: Pedro Serrano
Duração: 72 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Luto em Luta
2012-12-27T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
cinema brasileiro|critica|documentario|filme brasileiro|Pedro Serrano|
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