
Diz um velho ditado: soldado mandado não tem
crime. Essa é uma das premissas em que se sustenta o personagem de
Tom Cruise nesse que é apontado por muitos como um dos melhores
filmes de
tribunal. Claro, existem clássicos incontestes antes dele, como
Testemunha de Acusação,
Doze homens e uma sentença, o
Julgamento de Nuremberg,
O sol é para todos, só para citar alguns. Mas,
Questão de Honra tem mesmo um ótimo ritmo investigativo que culmina em um duelo de palavras que se tornou inesquecível como a cena que iremos analisar.
Antes, um resumo da trama. O jovem
advogado Daniel Kaffee interpretado por
Tom Cruise recebe uma missão difícil: defender dois
soldados acusados de matar um colega numa base militar. Ambos alegam que estavam cumprindo ordem que tinha relação com um código interno chamado de "código vermelho" que seria uma espécie de corretivo para colocar o colega na linha. O problema é que o rapaz tinha uma doença rara no
coração e acabou falecendo disso. O suspeito de dar a ordem, no entanto, é um homem importante e protegido por uma tradição de códigos de honra e lealdade. Como acusá-lo e não sair impune? A única solução seria fazê-lo confessar, mas como?

O jogo de
investigação e construção da teia de aranha para pegar o personagem de
Jack Nicholson é empolgante. É interessante, por exemplo, a forma como o personagem de
Tom Cruise constrói todo o raciocínio de que o cabo Santiago não teria recebido uma ordem de dispensa, porque não tinha feito ligações, nem arrumado sua mala. Mas, muito esperto, o coronel Nathan R. Jessep (Nicholson) demonstra facilmente que ele não tem como responder àquilo já que não é o rapaz. Ele sustenta sua posição até o clímax, quando temos esse embate especial.

Toda a cena é feita em plano e contraplano dos dois. Ambos estão sozinhos nessa empreitada como um duelo de fato.
Tom Cruise está com sua equipe bem atrás dele, mas todos haviam lhe alertado para não fazer diretamente a pergunta "você ordenou o código vermelho?" Então, a profundidade de campo é baixíssima ali. Apenas ele está focado, enquanto os outros estão desfocados.
Tom Cruise está só quando pergunta com todas as letras o que quer saber.
O juiz adverte que a testemunha não precisa responder. Mas, Nathan diz que responderá. Então, ele também está só nessa decisão. O quadro se fecha e temos um close no rosto de
Jack Nicholson e mesmo assim uma profundidade de campo baixa. O que não é o seu rosto está desfocado também quando ele grita: "Você não aguenta a verdade". Ele passa, então, a fazer um discurso sobre a necessidade de homens como ele para proteger homens como Daniel que precisa de muros para esconder o que acontece do outro lado.

Durante todo o
discurso inflamado de Nathan o temos em close, cortando em alguns momentos para ver a reação de Daniel. A primeira vez quando ele fala que Daniel lamenta por Santiago, "você pode se dar esse luxo". Nesse ponto o enquadramento é o mesmo anterior, tendo tendo um plano médio onde dá para ver o cenário atrás. A segunda vez é quando ele fala que a
morte de Santiago salvou outras vidas, nesse momento, a câmera está mais fechada mostrando Daniel em plano próximo, apenas ele em quadro, não vemos mais a promotoria, nem os
advogados de defesa. O terceiro momento é quando ele diz que usa palavras como
honra,
código e lealdade como suporte de vida, enquanto Daniel usa como piada. Nesse ponto, já temos um
close de Daniel também, o embate de olhares dos dois atores é intenso ainda que só
Jack Nicholson fale.

Mas, é interessante, que apesar de estar bradando suas verdade e aparentemente ganhando o duelo, a câmera que foca
Jack Nicholson vai aos poucos subindo, pegando em uma angulação de cima para baixo. Na verdade, o personagem está sendo acuado. É possível reparar que no início do discurso ela estava reta, na altura do olhar dele e a cada corte, teve uma angulação leve. Enquanto que a câmera que pega
Tom Cruise continua reta até esse momento.
Quando o discurso de
Jack Nicholson acaba. A câmera volta para um plano mais aberto apenas para acompanhar o caminhar de
Tom Cruise até a testemunha. Aí sim, quando ele chega perto e é visto quase em
close, a câmera está em uma angulação baixa, pegando de baixo para cima dando-lhe a superioridade que ele tem diante de seu adversário naquele momento. Ele pergunta repetidas vezes "você ordenou o código vermelho?", enquanto que
Jack Nicholson está sendo mostrado em uma câmera de cima para baixo, visivelmente irritado, até que finalmente ele confessa quase em um desafio: "você pode ter certeza que sim".

Só então, a câmera mostra os dois réus e os dois outros
advogados de defesa, em planos próximos e com profundidade de campo alta, como se a partir daquela confissão tudo tivesse se aberto para eles. Voltando para
Jack Nicholson arfando, na mesma angulação anterior, com profundidade de campo baixa. E só então, mostra
Tom Cruise ainda em close, quase não acreditando que venceu o duelo. Ainda nele, a câmera se abre acompanhando seu andar pelo tribunal quando ele pede que o júri se reúna imediatamente. Corta para os advogados de defesa (o principal é interpretado por
Kevin Bacon), e ele, quase sem ação, concorda.
Há ainda o desenrolar da trama, onde os soldados são inocentados de quase todas as acusações, mas apesar do código vermelho confesso, acabam sendo condenados por não ter exercido o seu maior dever que é proteger pessoas indefesas. Enquanto que o coronel,
Jack Nicholson, também acaba sendo preso. Mas, a cena do duelo é mesmo a mais impactante do
filme e, por isso, foi escolhida para ser analisada.