
Quando anunciaram um
filme sobre
Hitchcock comecei a contar os dias. De longe, um dos meus diretores preferidos, o
mestre do suspense parecia instigar uma boa história, ainda mais concentrando na produção do
filme Psicose. As primeiras imagens de
Anthony Hopkins transvestido do diretor impressionavam. Mas, aí, vieram as premiações e o
filme passou despercebido. Parecia que algo tinha dado errado. E o interessante é que não merecia mesmo nenhum prêmio, o que não quer dizer que não seja um ótimo
filme.
O roteiro de John J. McLaughlin, baseado no livro de Stephen Rebello é bem redondo. Gostoso de acompanhar, com diversas piadas internas, diálogos inteligentes e um ritmo ágil. Tudo começa após a premiere de
Intriga Internacional e o desafio do próximo
filme do grande diretor.
Hitchcock queria fazer algo diferente, inovador, que saísse da fórmula pronta que o consagrou. A
crítica clara à indústria que rotula seus membros é bem instigante. Para que mudar se a fórmula já deu certo? Para que arriscar dinheiro? Sem um estúdio que banque sua nova loucura,
Hitchcock e sua esposa Alma Reville usam suas economias, hipotecam a casa e encaram o desafio.

O momento em que vive o diretor é mesmo
crítico. Um repórter chega a perguntar se ele não acha que deveria se aposentar no auge.
Hitchcock não parece feliz com isso, ele quer mais. Quer reconhecimento verdadeiro. Lendo os jornais das críticas sobre
Intriga Internacional ele vê jornalistas apontando os "novos"
mestres do suspense. E ele pergunta:
"por que procurar por um novo, quando ainda tem o original?". Em outro momento, se queixa de que os colegas nunca se aproximavam dele para dizer que ele era bom. É interessante mesmo que um diretor que nunca foi reconhecido nos Estados Unidos, nunca ganhou um Oscar, por exemplo, acabou sendo elevado à categoria de autor pelo movimento da
Nouvelle Vague francesa. Para esse grupo festejar um
diretor inglês, que fazia
filmes comerciais nos Estados Unidos, é porque era mesmo um
gênio.

Mas, essa questão não chega a ser abordada no
filme de Sacha Gervasi. Até porque só vem anos depois.
Hitchcock se concentra mesmo nessa virada, nessa aposta em um
filme de terror a partir de um livro considerado menor, grotesco até. A preocupação da censura com o que seria mostrado, por exemplo, é bem divertida. Principalmente na cena do chuveiro. Tanto a
violência quanto a
nudez eram um problema sério para a época. Mas, a discussão de por que
Hitchcock quer mostrar um vaso sanitário, ainda mais dando descarga é mesmo impagável.
Porém, o
filme não se centra apenas na produção de
Psicose. Na verdade, o roteiro faz um passeio que funciona, entre o assassino que inspirou tudo aquilo, a produção do
filme, a relação de
Hitchcock com as atrizes e, principalmente, sua relação com a esposa Alma Reville. Parceira inconteste, sempre à sua sombra, Alma começa a sentir falta de projetos próprios e reconhecimento, isso acaba criando uma rixa entre os dois, despertando o ciúmes de
Hitchcock e até seus fantasmas e suas neuroses. Tirando a escolha de abertura e fechamento, que lembra mais o
Hitchcock Apresenta, as tramas paralelas funcionam bem e se misturam em uma harmonia perfeita, nos envolvendo e criando o clímax com louvor.

Mas, não é mesmo nada demais. Talvez por isso, não tenha despertado amores por parte de
crítica ou público. Não há novidades no
filme. Conhecemos de cor essa história. Os detalhes da produção, a música que o diretor não queria utilizar e a forma como fez o próprio marketing da obra ao não permitir que ninguém entrasse no
cinema após o início da sessão. Naquela época isso não existia e ajudou a criar uma curiosidade em torno da trama. Isso sem falar que é muito difícil alguém não ter visto pelo menos a cena do banheiro de
Psicose. Ainda assim, o
filme ganha brilho em detalhes.
Hitchcock dirigindo a cena da estrada, com falas de motivação da situação são muito bem feitas e cheia de adrenalina, assim como a gravação da cena do banheiro, onde, no auge da tensão, o próprio
diretor assusta a atriz com simulação das facadas.

Uma pena, no entanto, que o grande ator
Anthony Hopkins tenha ficado tão pouco à vontade no papel, dando alguns sinais de caricatura. Ao contrário de
Helen Mirren que esbanja talento e naturalidade como sua esposa Alma Reville. Destaque ainda para
Scarlett Johansson e
Jessica Biel que conseguem construir uma interessante dobradinha interpretando Janet Leigh e Vera Miles respectivamente. Janet é a atriz que faz a protagonista Marion Crane e Vera é sua irmã, Lila Crane. Já o protagonista de
Psicose, Norman Bates, vivido por Anthony Perkins que em Hitchcock é interpretado por
James D'Arcy, não tem muito espaço na trama. Ao contrário da secretária vivida muito bem por
Toni Collette.
Por isso, ao mesmo tempo em que
Hitchcock é muito bom, é um
filme de poucos atrativos. Principalmente para prêmios. É daqueles que não parece ter nada demais, ainda que esse nada seja muito bem feito e divertido. Com um roteiro gostoso de acompanhar, uma montagem incrível, atuações muito boas, o
plus de sua metalinguagem. Mas que parece que falta um tempero especial. Uma pena. Um ótimo
filme sobre um diretor ímpar que merece todas as nossas considerações, na construção de sua obra máxima, mas que acabou não conseguindo o
plus especial para se tornar, de fato, eterno.
Hitchcock (Hitchcock, 2012 / EUA)
Direção: Sacha Gervasi
Roteiro: John J. McLaughlin
Com: Anthony Hopkins, Helen Mirren, Scarlett Johansson, Toni Collette, James D'Arcy e Jessica Biel
Duração: 98 min.