E aí começa o filme de Terry George, em plena revolução Hulu, ainda sem massacres, onde a minoria discriminada toma o poder com o novo presidente. O problema é que esse mesmo presidente Hulu é assassinado e colocam a culpa nos Tutsi, que passam a ser perseguidos, torturados e mortos sem piedade. No meio de toda essa confusão está o protagonista Paul Rusesabagina, Hulu, gerente de um hotel quatro estrelas na cidade, e marido e pai de Tutsis. E o que a princípio era um desespero para salvar sua própria família, se torna uma jornada desesperadora por humanidade.
O filme nos mostra sem pressa, sem ser didático e sem ser cansativo apesar da duração, todos os detalhes desse conflito desumano e assustador. Paul vai colocando os Tutsis escondidos o hotel, sem saber exatamente onde tudo aquilo vai dar. É esperto, negocia com os donos, engana a polícia, fica próximo dos representantes da ONU e dos repórteres. Mas, quando parece que tudo irá se resolver, o problema piora. Os turistas, os repórteres e até os representantes da ONU são retirados do país, deixando o desespero no hotel que fica cada vez mais sitiado.
É um jogo constante de luta por sobrevivência e esperança em sabe-se lá o que. E tudo isso feito de uma maneira emotiva, bem construída e chocante. Há diversas cenas fortes, como a cena da retirada dos brancos do hotel. O desespero dos que ficam, a expressão de decepção de Paul, a vergonha dos que estão indo embora salvar a própria pele. Tudo é muito bem construído. A cena do mar de corpos em uma estrada é outra extremamente marcante.
Mas, o foco é mesmo humano, recortando o exemplo de Paul, ficamos próximos daquele massacre, sentimos mais forte toda aquela desumanidade, a dor. O desespero do personagem que não fica em nenhum momento restrito à própria família nos comove profundamente. Ainda que a dor familiar seja abordada também de diversas maneiras. O ator Don Cheadle consegue dosar bem essas emoções, dando vida ainda maior ao filme e trabalhando todas as nuanças do personagem. Em uma rápida participação, destaco ainda Joaquin Phoenix como o repórter inquieto, muito melhor que Nick Nolte como o líder de ONU que parece mais assustado que qualquer outra coisa.
O desespero e a falta de ajuda exterior marcam toda a jornada de Paul e seus protegidos Tutsis que parecem mesmo esquecidos pelo mundo. Chamados de baratas por seus inimigos. E uma inimizade criada pelos próprios colonizadores externos que agora se recusam a ajudar. Um jogo tolo de poder, de ódio reprimido por uma superioridade ou mesmo diferença inexistente, ainda mais naquelas condições. Tão inexistente que era preciso ver os documentos de identidade para realmente distinguir se uma pessoa era Hulu ou Tutsi. E ainda assim, milhares foram massacrados.
Paul Rusesabagina foi um herói em meio ao seu povo. Esperto e persistente ele conseguiu salvar vidas, ainda que tenha sofrido com a morte de tantos outros. É doloroso e emocionante acompanhar sua trajetória nesse mais que necessário registro histórico. Porque mais do que um filme de ficção, Hotel Ruanda é um registro histórico de um daqueles momentos em que dá vergonha de ser um ser humano. Em que percebemos até que ponto ganância e ódio podem nos levar.
Hotel Ruanda (Hotel Rwanda, 2004 / EUA, Itália, Inglaterra e África do Sul)
Direção: Terry George
Roteiro: Keir Pearson e Terry George
Com: Don Cheadle, Sophie Okonedo, Nick Nolte, Joaquin Phoenix
Duração: 121 min.