Como começa um boato? Crianças sempre falam a verdade? Qual a consequência de uma falsa acusação na vida de uma pessoa? A Caça, filme de Thomas Vinterberg, é um verdadeiro soco no estômago da humanidade. Daqueles que nos fazem pensar por muito tempo.Tudo começa quando Lucas é acusado injustamente de pedofilia. Ele, que sempre adorou crianças e lidou tão bem com elas, trabalhando em uma escola primária. É curioso perceber como Thomas Vinterberg prepara a situação construindo os personagens e situações de uma maneira tão hábil. A primeira parte do filme mostra como Lucas é amado pelas crianças que ficam esperando no portão para brincar com ele. A forma como ele convive com a comunidade, com os amigos, os companheiros de caça e vizinhos. Sempre boa praça, alegre, prestativo. E principalmente, sua relação com a pequena Klara.
Klara é uma garotinha especial. Ela tem TOC - Transtorno Obsessivo Compulsivo, que não a permite pisar em linhas no chão, por exemplo. E sua relação com os pais também é bem complexa. Lucas acaba sendo uma figura muito mais presente e protetora que sua própria família. Não por acaso, ele a encontra perdida no supermercado. Como os pais não perceberam que ela não os estava acompanhando? Se sabem que ela não pisa em linhas, não poderiam acompanhar seus passos mais de perto, como Lucas faz? Em outro momento, ela está sentada na calçada da casa esperando os pais terminarem de brigar para decidir qual dos dois irá levá-la à escola. Função que acaba caindo para Lucas também. A cumplicidade de ambos acaba começando os problemas. 
Por fim, temos o perfil da diretor do colégio. Uma mulher que tem dificuldades de falar de assuntos relacionados a sexo, tanto que não utiliza a palavra, repetindo apenas que são coisas que não devem ser feitas entre adultos e crianças. É visível o seu preconceito diante da vida, e a certeza absoluta de que uma criança não mente. E é impressionante como a mente dos adultos acaba se tornando mais fértil que das próprias crianças, induzindo diversas outras conclusões absurdas contra aquele homem. As pessoas simplesmente não querem saber a verdade, querem acreditar na mentira, tanto que quando Klara repete insistentemente a verdade, os adultos tendem a negar, dizendo que ela está com medo ou que ela esqueceu porque a mente dela abstraiu as coisas ruins que lhe aconteceram. O nome do filme, então, A Caça traz uma bela metáfora da própria situação de Lucas. Ele que também é caçador, que tem como hobby capturar cervos, se torna a caça de uma sociedade que não consegue ser justa. Aliás, a caça é uma espécie de rito de passagem daquela comunidade. Não deixa de ser um signo interessante, principalmente pela ligação com seu filho que aguarda essa licença e a parte final da trama. Mas, também traz o viés de até onde isso é justo, matar animais apenas por esporte? A casa do pai de Klara, por exemplo, é cheia de cabeça de cervos. E dentro das metáforas e construções simbólicas, a cena da Igreja na noite de Natal também é algo próximo do genial.
Outra coisa que chama a atenção em A Caça é em relação à direção. Thomas Vinterberg, que foi responsável, junto Lars Von Trier, pelo movimento Dogma, parece manter um estilo realista e de pouca interferência no meio, principalmente em relação à iluminação. É visível a sua busca por uma "luz natural" nos diversos cenários distintos do filme. Principalmente à noite, onde a luz de um abajur, por exemplo, ilumina muito pouco. Ou mesmo assumindo uma tela na penumbra ao adentrar em um local onde não há luz. Da mesma forma como o tempo é sempre mais lento, sem pressa em uma estrutura sem muitos marcos de manuais de roteiro. A Caça é mais do que um filme sobre pedofilia. É um filme sobre julgamentos, preconceitos e visões distorcidas. É a constatação da forma como somos induzidos das maneiras mais tolas. O ciúme de uma criança carente se torna uma verdade absoluta de uma comunidade. Uma verdade tão absoluta que nem a própria criança negando dá jeito, que nem a falta de provas gera dúvidas e que nem o tempo consegue transformar. É desesperador, angustiante e nos faz pensar.
A Caça (Jagten, 2012 / Dinamarca)
Direção: Thomas Vinterberg
Roteiro: Thomas Vinterberg e Tobias Lindholm
Com: Mads Mikkelsen, Thomas Bo Larsen, Annika Wedderkopp
Duração: 115 min.
