Depois do sucesso de MPB: a história que o Brasil não conhece, resolvi trazer aqui outro mockumentary brasileiro que segue o mesmo viés crítico e irônico do filme de André Moraes: Recife Frio. O falso documentário de Kleber Mendonça Filho é mais fácil de identificar como falso, afinal, fala de uma mudança climática na cidade de Recife, que de fato não aconteceu. Mas, a forma como constrói diversas críticas sociais nas entrelinhas, é muito bem feito.O filme simula uma reportagem de um programa de televisão latino, que retrata um acontecimento estranho na capital pernambucana. Recife não é mais uma cidade tropical, passa oito meses do ano debaixo de chuva, em uma temperatura que varia entre 20 e 5 graus celsius. Isso, claro, cria confusões diversas. Mas, a ironia com a qual Kleber Mendonça Filho constrói o seu texto é que mais chama a atenção.
A começar pelos créditos. Cada ator é "um" alguma coisa. Um narrador, um artesão, um papai noel, uma empregada doméstica, um francês do sol. São todos "um" qualquer que compõe aquele cenário exótico. Onde o frio modifica a sociedade e faz Recife perder os seus atrativos turísticos. Isso sem falar nos moradores de rua que morrem por causa do frio. Kleber Mendonça Filho não poupa ninguém em sua crítica irônica, nem os repórteres do tempo que aparecem em um programa jornalístico qualquer. A forma como o personagem é construído, a nuvem de chuva inexplicável em cima da cidade, os detalhes de composição de cenário. Tudo chama a atenção. Aliás, cada situação descrita no falso documentário tem uma intenção crítica bem clara.
O francês do sol é a caricatura do estrangeiro que vem para o Brasil explorar as riquezas naturais daqui. A pousada que "vende" sol, mesmo quando está chovendo. A forma como ele lamenta que a notícia virou uma reportagem internacional e por isso ele não pode mais "enganar" seus clientes, é ótima. Nossas tradições de copiar o estrangeiro também estão representadas na figura do Papai Noel, única pessoa que ficou feliz com o frio. Agora no Natal, ele não precisa mais passar mal com o calor escaldante enquanto está vestido com aquelas roupas quentes. A ironia que é construída nesse depoimento é muito boa. Inclusive com os vídeos de arquivo que o ator mostra com ele pingando de suor em natais passados.
Mas, a crítica social mais incrível é mesmo o da família de classe alta e sua empregada doméstica. Um contraponto interessante com o novo filme de Gabriel Mascaro que quer nos convencer de que elas são "como da família". Temos aqui duas questões, uma o fato de o imóvel à beira mar ser um trambolho nesse cenário frio, quando era a área mais valorizada em épocas de sol. O outro, ainda mais ferino, é o fato de os quartos de empregada serem sempre os mais quentes da casa, e por isso, o filho da família se mudou para lá, colocando a empregada em seu quarto frio. "Ela não está acostumada com uma suíte", diz a dona da casa. O curta metragem brasileiro mais premiado desde Ilha das Flores (1989), de Jorge Furtado, Recife Frio é mesmo um achado. Uma construção criativa e muito bem realizada de uma crítica social contundente. Não por acaso fez tanto sucesso. E que bom que a produção de Kleber Mendonça Filho disponibilizou na íntegra para quem quiser conhecer. Vejam abaixo.
Prêmios:
Melhor Diretor no Cine PE em 2010
Melhor Diretor no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro em 2009
Melhor Ficção no Curta Cinema - Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro em 2010
Melhor Filme no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro em 2009
Melhor Filme no Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental - GO em 2010
Melhor Filme no Festival Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira em 2009
Melhor Filme no Mostra de Cinema de Tiradentes em 2010
Melhor Filme - Júri Jovem no Curta Cinema - Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro em 2010
Melhor Filme - Júri Popular no Curta Cinema - Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro em 2010
Melhor Roteiro no Cine PE em 2010
Melhor Roteiro no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro em 2009
Recife Frio (Recife Frio, 2009 / Brasil)
Direção: Kleber Mendonça Filho
Roteiro: Kleber Mendonça Filho
Duração: 24 min.
