Corpo Fechado
E já que M. Night Shyamalan está tentando reconstruir sua carreira, lembremos aqui um bom filme seu. Alguns consideram o melhor, discordo, Corpo Fechado não consegue a eficiência técnica de O Sexto Sentido. Ainda assim, é mesmo um filme bem resolvido com cenas extremamente bem feitas, uma boa tensão e algumas surpresas.
O roteiro divide as nossas atenções entre dois personagens. David Dunn, vivido por Bruce Willis e Elijah Price, vivido por Samuel L. Jackson. O primeiro é um homem que traz em sua genética um mistério, não se machuca, nem fica doente. O segundo, ao contrário, quebra com qualquer bobagem. Aliás, ao nascer ele já sofreu, quebrando as duas pernas e os dois braços. Claro, o destino dos dois irá se cruzar, e Elijah vai apresentar sua teoria de que as histórias em quadrinhos são baseadas em pessoas reais, que tinham algum tipo de dom e que, ao exagerar um pouco isso, constrói super-heróis que movimentam a imaginação de milhares de jovens. Elijah quer convencer David de que ele é mais uma dessas pessoas especiais, um herói, só precisa por seus poderes em prática.
Apesar de uma desnecessária apresentação inicial sobre o mercado editorial de HQs, o filme começa tenso com o nascimento de Elijah e logo depois com a cena do trem. É interessante a escolha de M. Night Shyamalan em nos apresentar o personagem de Bruce Willis por um ponto de vista não-identificado a princípio, que fica entre as cadeiras à sua frente. A câmera passeia pela fresta das cadeiras procurando a ele e a moça que está ao seu lado, acompanhando a conversa. Só depois, vemos uma menininha olhando para ele de maneira curiosa. Após conhecer toda a trama, esse pequeno detalhe, aparentemente um capricho sem maiores consequências, nos dá algumas interpretações. David é um homem a ser observado, e, de certa forma, já estava sendo observado. É o fascínio do herói, ainda mais ele que já tinha sido um astro do futebol americano universitário.
A sua relação com a esposa e o filho, são outros elementos que ajudam a construir esse personagem complexo. Ele que parece se sentir fora do seu caminho, que algo parece estar errado sempre. Um homem que se casou completamente apaixonado e parece ainda amar essa mulher. Mas, o relacionamento deles acabou e ficou uma sensação estranha, ainda que vivendo na mesma casa. Já o filho o idolatra de maneira especial e até exagerada. O garoto dormir com ele na cama, enquanto a mãe dorme sozinha em outro quatro é muito estranho, por exemplo. O desespero dele em querer que o pai acredite que possa ser um super-herói e a forma como se agarra a ele também chama a atenção. David não deixa de ser um herói do dia-a-dia, é segurança, tem que estar atento a essas pequenas coisas.
M. Night Shyamalan brinca com isso, brinca com as simbologias de maneira eficiente, aparecendo na tela, inclusive, em um papel pequeno. É interessante a utilização de algumas metáforas, como quando Elijah cai da escada do metrô e vemos sua bengala se espatifando como provavelmente estão seus ossos. Ou quando ele está em uma loja de quadrinhos e um Homem-Aranha inflável pendurado no teto, parece o observar. Ou ainda quando David e a esposa saem para jantar em uma tentativa de recomeço e deixam o filho brincando com dois bonecos, um herói e um vilão. Todos esses detalhes tem significado que deixam a revelação do terceiro ato ainda mais rica. Nada está ali por acaso.
Em determinado momento, a tensão é construída também com um jogo de informações e imagens muito bem pensado. A forma como Bruce Willis se encontra em uma situação delicada e como vamos descobrindo aos poucos o que é aquilo é espetacular. A cadência do suspense é muito bem dosada. Não apenas pela informação que já tínhamos sobre a fraqueza do personagem, pela revelação aos poucos que vai confirmando nossa desconfiança, até finalmente a revelação da situação exata. Uma das melhores cenas do filme. E completamente crível, inclusive em sua resolução.
O que peca talvez em Corpo Fechado seja a sua parte inicial confusa e muitas vezes desnecessária. Poderia ser mais direto, concentrando em David e depois nos apresentar Elijah. E uma necessidade de suspensão da realidade. A premissa de Elijah é muito boa. Pessoas comuns com alguns dons especiais inspiraram os heróis dos quadrinhos. Mas, esses dons poderiam ser mais próximos da realidade. David não se machucar, ok, mas além disso, ser sensitivo naquele nível, soa demais, por exemplo. Mas, esses não chegam a ser problemas graves de roteiro. O filme é bem construído e funciona. Só não é perfeito.
Corpo Fechado acaba sendo um jogo interessante e curioso. Tem um ritmo crescente, que engata principalmente após o encontro dos dois personagens e nos instiga a embarcar naquela viagem. Ainda que a revelação final não seja um choque completo, tem suas surpresas e ajuda a nos fazer rever o filme com outros olhos. Um belo filme que parecia confirmar que seu diretor vinha para ficar. Uma pena que ele só foi se perdendo a cada novo título.
Corpo Fechado (Unbreakable, 2000 / EUA)
Direção: M. Night Shyamalan
Roteiro: M. Night Shyamalan
Com: Bruce Willis, Samuel L. Jackson, Robin Wright
Duração: 106 min.
O roteiro divide as nossas atenções entre dois personagens. David Dunn, vivido por Bruce Willis e Elijah Price, vivido por Samuel L. Jackson. O primeiro é um homem que traz em sua genética um mistério, não se machuca, nem fica doente. O segundo, ao contrário, quebra com qualquer bobagem. Aliás, ao nascer ele já sofreu, quebrando as duas pernas e os dois braços. Claro, o destino dos dois irá se cruzar, e Elijah vai apresentar sua teoria de que as histórias em quadrinhos são baseadas em pessoas reais, que tinham algum tipo de dom e que, ao exagerar um pouco isso, constrói super-heróis que movimentam a imaginação de milhares de jovens. Elijah quer convencer David de que ele é mais uma dessas pessoas especiais, um herói, só precisa por seus poderes em prática.
Apesar de uma desnecessária apresentação inicial sobre o mercado editorial de HQs, o filme começa tenso com o nascimento de Elijah e logo depois com a cena do trem. É interessante a escolha de M. Night Shyamalan em nos apresentar o personagem de Bruce Willis por um ponto de vista não-identificado a princípio, que fica entre as cadeiras à sua frente. A câmera passeia pela fresta das cadeiras procurando a ele e a moça que está ao seu lado, acompanhando a conversa. Só depois, vemos uma menininha olhando para ele de maneira curiosa. Após conhecer toda a trama, esse pequeno detalhe, aparentemente um capricho sem maiores consequências, nos dá algumas interpretações. David é um homem a ser observado, e, de certa forma, já estava sendo observado. É o fascínio do herói, ainda mais ele que já tinha sido um astro do futebol americano universitário.
A sua relação com a esposa e o filho, são outros elementos que ajudam a construir esse personagem complexo. Ele que parece se sentir fora do seu caminho, que algo parece estar errado sempre. Um homem que se casou completamente apaixonado e parece ainda amar essa mulher. Mas, o relacionamento deles acabou e ficou uma sensação estranha, ainda que vivendo na mesma casa. Já o filho o idolatra de maneira especial e até exagerada. O garoto dormir com ele na cama, enquanto a mãe dorme sozinha em outro quatro é muito estranho, por exemplo. O desespero dele em querer que o pai acredite que possa ser um super-herói e a forma como se agarra a ele também chama a atenção. David não deixa de ser um herói do dia-a-dia, é segurança, tem que estar atento a essas pequenas coisas.
M. Night Shyamalan brinca com isso, brinca com as simbologias de maneira eficiente, aparecendo na tela, inclusive, em um papel pequeno. É interessante a utilização de algumas metáforas, como quando Elijah cai da escada do metrô e vemos sua bengala se espatifando como provavelmente estão seus ossos. Ou quando ele está em uma loja de quadrinhos e um Homem-Aranha inflável pendurado no teto, parece o observar. Ou ainda quando David e a esposa saem para jantar em uma tentativa de recomeço e deixam o filho brincando com dois bonecos, um herói e um vilão. Todos esses detalhes tem significado que deixam a revelação do terceiro ato ainda mais rica. Nada está ali por acaso.
Em determinado momento, a tensão é construída também com um jogo de informações e imagens muito bem pensado. A forma como Bruce Willis se encontra em uma situação delicada e como vamos descobrindo aos poucos o que é aquilo é espetacular. A cadência do suspense é muito bem dosada. Não apenas pela informação que já tínhamos sobre a fraqueza do personagem, pela revelação aos poucos que vai confirmando nossa desconfiança, até finalmente a revelação da situação exata. Uma das melhores cenas do filme. E completamente crível, inclusive em sua resolução.
O que peca talvez em Corpo Fechado seja a sua parte inicial confusa e muitas vezes desnecessária. Poderia ser mais direto, concentrando em David e depois nos apresentar Elijah. E uma necessidade de suspensão da realidade. A premissa de Elijah é muito boa. Pessoas comuns com alguns dons especiais inspiraram os heróis dos quadrinhos. Mas, esses dons poderiam ser mais próximos da realidade. David não se machucar, ok, mas além disso, ser sensitivo naquele nível, soa demais, por exemplo. Mas, esses não chegam a ser problemas graves de roteiro. O filme é bem construído e funciona. Só não é perfeito.
Corpo Fechado acaba sendo um jogo interessante e curioso. Tem um ritmo crescente, que engata principalmente após o encontro dos dois personagens e nos instiga a embarcar naquela viagem. Ainda que a revelação final não seja um choque completo, tem suas surpresas e ajuda a nos fazer rever o filme com outros olhos. Um belo filme que parecia confirmar que seu diretor vinha para ficar. Uma pena que ele só foi se perdendo a cada novo título.
Corpo Fechado (Unbreakable, 2000 / EUA)
Direção: M. Night Shyamalan
Roteiro: M. Night Shyamalan
Com: Bruce Willis, Samuel L. Jackson, Robin Wright
Duração: 106 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Corpo Fechado
2013-06-18T08:00:00-03:00
Amanda Aouad
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