Não é um filme idiota, mas talvez mais pretensioso que A Árvore da Vida. Nem por isso chega a ser ruim. Na realidade, Terrence Malick aprofunda aqui uma coisa que ficou an passam no outro filme. A relação dele, e de qualquer ser humano, com Deus. É verdade que o foco está na relação do casal vivido por Ben Affleck e Olga Kurylenko. Mas, através do personagem de Javier Bardem, é construída uma ponte para o diretor / roteirista questionar Deus e busca uma verdadeira comunhão com ele. Essa construção é feita de forma explícita em seus discursos enquanto padre da paróquia e, implicitamente em suas visitas à comunidades e questionamentos internos.
Na igreja, o Padre Quintana chega a verbalizar os dois tipos de amor que existem. E é isso que vemos em tela, amores passageiros entre homens e mulheres e o amor maior, que talvez ninguém explique, pela humanidade. Uma visão de Deus que é construída de maneira poética com imagens belamente construídas e uma trilha sonora bem escolhida. E claro, a voz over já tradicional dos personagens, em um tempo não-identificado revivendo suas vidas. Esse é o estilo que Malick parece fazer questão de impor a um mundo de filmes comerciais de consumo rápido. Não deixa de ser admirável.
A relação entre os personagens de Ben Affleck e Olga Kurylenko é bastante conturbada e com algumas pontas soltas que não fazem muito sentido. Ela, uma francesa, havia se casado muito cedo, tem uma filha de 10 anos e o marido a abandonou. Ele, um americano, se apaixona por ela, a leva para os Estados Unidos junto com a filha, mas nunca a assume de fato, não se casa, nem lhe pede para ficar quando seu visto expira. Entre encontros e desencontros, ele conhecerá a personagem de Rachel McAdams que tem sua própria história de gravidez não-planejada. Mas, parece sempre que o personagem de Affleck não tem vontade própria, é simplesmente levado pelas circunstância, não toma atitudes enérgicas, nunca assume, nem decide nada.
E nisso, as mulheres que convivem com ele sofrem. Ao mesmo tempo que amam e desejam estar com ele. Querem que ele tome uma atitude, que as assuma, que as escolha. Mas, ele simplesmente vai se deixando levar, como uma onda no mar. E é nessa construção que o discurso do padre e a realidade maior que ele apresenta se encaixa tão bem. Por que estamos preocupados com um amor frívolo e passageiro, se há tantas coisas mais importantes no mundo? Malick parece se perguntar.
E ele constrói sua própria visão estética desse mundo através da já conhecida fotografia. Parece que tudo é milimetricamente pensado. Cada plano, cada movimento de câmera. Cada acelerar ou redução da imagem. Uma composição bela, de paisagens e passagens. De corpos que parecem flutuar pelos caminhos. Do vento que compõe cada cena. Dos detalhes de olhares, toques de mãos, pequenos gestos. Do sentir. Terrence Malick nos faz observadores atentos do flagras cotidianos da vida. E isso não deixa de ser uma experiência lúdica prazerosa. Ainda que a viagem não tenha sido tão profunda e bela quanto A Árvore da Vida.
É interessante perceber também a tentativa multicultural que o filme nos traz. Construído basicamente em três linguagens que trazem a bagagem das três culturas dos países que representa. A França no francês de Olga Kurylenko, os Estados Unidos no inglês de Ben Affleck e a Espanha, no espanhol de Javier Bardem. Em determinado momento, a Itália também se faz representada em uma participação, no mínimo, estranha de Romina Mondello. E é ainda mais interessante como essa Torre de Babel consegue se constituir em uma única história, onde todos se comunicam. E também nisso, está a ligação divina. Como se Deus, que é só amor, constituísse sua linguagem universal.
Amor Pleno é um filme de signos que busca desmistificar a si mesmo. E talvez por isso, seja tão pretensioso e cansativo. Talvez por isso, incomode e gere irritações tão extravagantes a ponto de pessoas gritarem no cinema. E talvez também por isso, gere um certo fascínio. Não uma busca pseudo-intelectual querendo quer culta. Mas, algo que nos instiga a investigar as sensações e sentimentos que essas imagens nos provocam e o porquê de nos provocar tanto. Cinema também é isso. Então, torço para que Terrence Malick continue bastante produtivo.
Amor Pleno (To the Wonder, 2013 / EUA)
Direção: Terrence Malick
Roteiro: Terrence Malick
Com: Ben Affleck, Olga Kurylenko, Rachel McAdams e Javier Bardem
Duração: 112 min.