
Finalmente assisti ao
filme mais consagrado de
Sofia Coppola. E realmente
Encontros e Desencontros possui uma construção especial, não apenas do mundo da fama, tema que a diretora tanto preza, como um certo estranhamento e deslocamento de vida que nos faz compreender os protagonistas e embarcar junto com eles nesta jornada insólita.
Bill Murray é um
ator famoso que está no
Japão para divulgar uma marca de uísque que o patrocina. É visível o seu incômodo de estar ali, "poderia estar fazendo uma peça", diz em determinado momento. Ao mesmo tempo em que sua vida também não parece fazer muito sentido, com um casamento desgastado e filhos com os quais não tem intimidade, vide que esqueceu o aniversário de um deles.

Já
Scarlett Johansson é uma recém-formada em Filosofia, desempregada que simplesmente acompanha o marido
fotógrafo em uma excursão de trabalho. Ainda mais deslocada neste mundo de aparências com o qual ela não tem paciência, vaga pelo
hotel em seu tédio aparente. O próprio marido a chama de boçal, quando ela critica uma atriz vivida por
Anna Faris.
Encontros e Desencontros nos apresenta a aproximação gradativa dessas duas almas perdidas, em uma cultura completamente estranha à deles.
Sofia Coppola tem a sensibilidade de os aproximar aos poucos, sem nenhum drama ou clichê. Na troca de olhares cúmplices, na semelhança do
tédio olhando a televisão japonesa, nas primeiras trocas de palavras, nas conversas e convivência. Tudo vai sendo construído de uma maneira fluída, sem arroubos ou mesmo declarações.

Ao mesmo tempo que foge dos clichês e padrão com seus protagonistas, a diretora pesa a mão na caricatura de um
Japão estranho. Desde o princípio, com
Bill Murray no carro observando o mundo lá fora, a cada jornada dele por lá. É a gravação do comercial onde o diretor fala e é traduzido de maneira sucinta, nos dando uma situação risível. Ou na seção de fotos, quando o fotógrafo pede poses estranhas. Ou ainda no programa de entrevista que ele participa. Tudo muito esquisito aos nossos olhos e ao do personagem.

A
fama também é criticada a partir da personagem de
Scarlett Johansson. Seja através de seu marido que parece um tolo deslumbrado com a sua própria possibilidade de trabalhos. Ou com a personagem de
Anna Faris que é o clichê da atriz boba, com reações exageradas, citações a anorexias que fazem vergonha ou mesmo a fala na coletiva de imprensa comparando-se a
Keanu Reeves porque ambos tem cachorro e moram em Los Angeles, como se isso fosse uma coincidência única.
Como todo
filme de
Sofia Coppola, a ação é sempre preterida à observação. O ritmo é próprio e temos muito tempo para observar a rotina, os desgastes, as sensações de
tédio de seus protagonistas. A forma como ela desnuda e nos coloca dentro desse mundo de aparências é sempre muito perspicaz, tornando-se sua principal marca.
Encontros e Desencontros é um filme peculiar, definitivamente "Lost in Translation". Que nos envolve e nos faz compreender os sentimentos e a vida daquelas duas pessoas estranhas e nos faz simpatizar com elas. Uma viagem agradável dentro do desagradável que pulula dentro daqueles seres.
Encontros e Desencontros (Lost in Translation, 2003 / EUA)
Direção: Sofia Coppola
Roteiro: Sofia Coppola
Com: Bill Murray, Scarlett Johansson, Giovanni Ribisi, Anna Faris e Catherine Lambert
Duração: 101 min.