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Praia do Futuro
Praia do Futuro
Quem viu O Céu de Suely, Madame Satã, ou mesmo prestou atenção no roteiro de Cinema, Aspirina e Urubus, sabe o que atrai Karim Aïnouz. São dramas psicológicos naquele estágio quase latente onde a vida parece não fazer muito sentido e qualquer desculpa é motivo para fugir. Praia do Futuro não foge dessa premissa.
Donato é um salva-vidas de praia em Fortaleza, no Ceará, e vive nessa rotina. Dentro d'água ele é como um peixe, ou o Aquaman, como chama seu irmão. Ali ele encontra paz, silêncio e sentido. Na terra ele se sente literalmente um peixe fora d'água, ainda que tenha o irmão para brincar e, posteriormente, Konrad para amar.
O roteiro é construído em três capítulos bem definidos, como etapas da vida de Donato após salvar Konrad no mar e perder o companheiro do alemão em uma cena forte e bem desenvolvida que abre o filme. O primeiro capítulo é "O abraço do afogado" e mostra Donato em seu habitat, seu relacionamento com o irmão, as buscas pelo alemão perdido e o início da relação com Konrad. O segundo capítulo é "Um herói partido", com Donato no habitat de Konrad, em férias da Alemanha. E o terceiro capítulo é "Um fantasma que fala alemão", mostrando como estão os personagem oito anos depois.
Essa esquemática divisão ajuda Karim e Felipe Bragança a contar essa história pela etapas de vida e transformação de Donato. Mas, por vezes, parece esquemática demais, rompendo de forma abrupta a narrativa que vinha sendo construída. Ao mesmo tempo, faz sentido ao pensarmos em uma vida comum, onde nada é planejado e estruturado, precisando de recortes para chegar a algo.
Praia do Futuro tem gerado algumas polêmicas pela temática homossexual, o que é uma bobagem, mas que o filme acaba colaborando por não preparar sua audiência. Não há uma apresentação do tema, só sabemos que Donato é gay quando o vemos no ato sexual com Konrad. É tudo muito cru, pura pele, realista ao extremo, para uma platéia que ainda está sendo educada a "aceitar" o diferente.
E falo isso não condenando ou achando ruim, apenas compreendendo o assombro de alguns. Mas, dentro da estrutura do filme, faz todo o sentido. O ponto principal a ser desenvolvido não é esse, e sim, a sensação de não pertencimento de Donato. Ainda que este fato tenha algo a ver com isso, não é exclusivo. É interessante perceber, por exemplo que ele sempre busca uma válvula de escape onde possa se sentir em paz, seja o mar no Brasil ou a boate na Alemanha.
Nessas simbologias Brasil vs Alemanha, o filme vai criando paralelos interessante entre Konrad e Donato. O primeiro, da terra, piloto de motocross, o segundo, da água. No segundo capítulo, eles vão se misturando de alguma maneira, tanto que é possível perceber na composição das cenas no apartamento que Donato é enquadrado com imagens de moto ao fundo, enquanto que Konrad está atrás de um painel de mar. A posição deles reflete inclusive no sexo, nos recortes que mostram o ato em si, uma no Brasil, outra na Alemanha. É curiosa a opção de Karim Aïnouz em marcar de maneira muito forte quem assume a posição de ativo em cada país.
E nessa relação à dois, existe o terceiro polo, que é Ayrton, o irmão de Donato. Mesmo que pareça que ele seja esquecido em algum ponto da trama, é interessante a forma como é resgatado e a solução para uma certa questão entre os irmãos relacionada a praia e água.
Praia do Futuro é um filme belo, que busca o ser em sua essência querendo passar verdade para a tela. Tem problemas em algumas escolhas que nos fazem sair da narrativa em alguns momentos para raciocinar sobre o porquê daquilo. Mas, talvez também isso seja a vontade de Karim. Não é seu melhor filme, mas, sem dúvidas, é digno de sua filmografia.
Praia do Futuro (Praia do Futuro, 2014 / Brasil)
Direção: Karim Aïnouz
Roteiro: Felipe Bragança, Karim Ainouz
Com: Wagner Moura, Clemens Schick, Jesuita Barbosa, Savio Ygor Ramos
Duração: 106 min.
Donato é um salva-vidas de praia em Fortaleza, no Ceará, e vive nessa rotina. Dentro d'água ele é como um peixe, ou o Aquaman, como chama seu irmão. Ali ele encontra paz, silêncio e sentido. Na terra ele se sente literalmente um peixe fora d'água, ainda que tenha o irmão para brincar e, posteriormente, Konrad para amar.
O roteiro é construído em três capítulos bem definidos, como etapas da vida de Donato após salvar Konrad no mar e perder o companheiro do alemão em uma cena forte e bem desenvolvida que abre o filme. O primeiro capítulo é "O abraço do afogado" e mostra Donato em seu habitat, seu relacionamento com o irmão, as buscas pelo alemão perdido e o início da relação com Konrad. O segundo capítulo é "Um herói partido", com Donato no habitat de Konrad, em férias da Alemanha. E o terceiro capítulo é "Um fantasma que fala alemão", mostrando como estão os personagem oito anos depois.
Essa esquemática divisão ajuda Karim e Felipe Bragança a contar essa história pela etapas de vida e transformação de Donato. Mas, por vezes, parece esquemática demais, rompendo de forma abrupta a narrativa que vinha sendo construída. Ao mesmo tempo, faz sentido ao pensarmos em uma vida comum, onde nada é planejado e estruturado, precisando de recortes para chegar a algo.
Praia do Futuro tem gerado algumas polêmicas pela temática homossexual, o que é uma bobagem, mas que o filme acaba colaborando por não preparar sua audiência. Não há uma apresentação do tema, só sabemos que Donato é gay quando o vemos no ato sexual com Konrad. É tudo muito cru, pura pele, realista ao extremo, para uma platéia que ainda está sendo educada a "aceitar" o diferente.
E falo isso não condenando ou achando ruim, apenas compreendendo o assombro de alguns. Mas, dentro da estrutura do filme, faz todo o sentido. O ponto principal a ser desenvolvido não é esse, e sim, a sensação de não pertencimento de Donato. Ainda que este fato tenha algo a ver com isso, não é exclusivo. É interessante perceber, por exemplo que ele sempre busca uma válvula de escape onde possa se sentir em paz, seja o mar no Brasil ou a boate na Alemanha.
Nessas simbologias Brasil vs Alemanha, o filme vai criando paralelos interessante entre Konrad e Donato. O primeiro, da terra, piloto de motocross, o segundo, da água. No segundo capítulo, eles vão se misturando de alguma maneira, tanto que é possível perceber na composição das cenas no apartamento que Donato é enquadrado com imagens de moto ao fundo, enquanto que Konrad está atrás de um painel de mar. A posição deles reflete inclusive no sexo, nos recortes que mostram o ato em si, uma no Brasil, outra na Alemanha. É curiosa a opção de Karim Aïnouz em marcar de maneira muito forte quem assume a posição de ativo em cada país.
E nessa relação à dois, existe o terceiro polo, que é Ayrton, o irmão de Donato. Mesmo que pareça que ele seja esquecido em algum ponto da trama, é interessante a forma como é resgatado e a solução para uma certa questão entre os irmãos relacionada a praia e água.
Praia do Futuro é um filme belo, que busca o ser em sua essência querendo passar verdade para a tela. Tem problemas em algumas escolhas que nos fazem sair da narrativa em alguns momentos para raciocinar sobre o porquê daquilo. Mas, talvez também isso seja a vontade de Karim. Não é seu melhor filme, mas, sem dúvidas, é digno de sua filmografia.
Praia do Futuro (Praia do Futuro, 2014 / Brasil)
Direção: Karim Aïnouz
Roteiro: Felipe Bragança, Karim Ainouz
Com: Wagner Moura, Clemens Schick, Jesuita Barbosa, Savio Ygor Ramos
Duração: 106 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Praia do Futuro
2014-05-14T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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