
Com a tela ainda preta ouvimos a famosa frase: "Eu acredito na América". O fade in nos mostra o personagem visivelmente emocionado em seu discurso sobre a triste sina da filha, em close. A câmera vai se afastando aos poucos e depois de muito tempo vemos apenas a mão e depois a silhueta de Don Corleone. Seu nome é citado pelo personagem antes dele enfim aparecer em nossa tela, também em close, com a câmera se afastando aos poucos para nos mostrar o cenário.
Nos pequenos detalhes somos apresentados àquele mundo e, principalmente, àquele personagem. Com ar sereno, um gato no colo e uma voz sussurrante, o chefe da família Corleone demonstra o seu poder, mas também os seus valores. O zelo pela família, o valor dado à amizade, a necessidade de ser reverenciado, o "título" de padrinho. E a frase que fecha a cena e parte para a festa: "Não somos assassinos".

Michael Corleone era o filho querido, o protegido, aquele que estava destinado a outro futuro. Mas, o destino parecia ter outros planos traçados. Ver Michael na festa do casamento de sua irmã tão jovem e inocente ainda, chega a ser irônico. "Essa é a minha família, não sou eu", ele diz à namorada Kay. E Michael não era, mas a cena no hospital muda sua sina e suas convicções, no momento em que ele vê que precisa agir para proteger seu pai. O resto, a maioria já sabe.

E não apenas de roteiro se faz a beleza de O Poderoso Chefão. Todos os quesitos fílmicos são cuidadosamente construídos para nos dar o melhor daquela história. O elenco é excepcional. Não apenas por Marlon Brando e Al Pacino que dão show em cada gesto. Mas todos os demais, a expressão de Diane Keaton na cena final já vale sua participação no filme. James Caan como Sonny e Robert Duvall como Tom também tem ótimos momentos. Daria para citar nome a nome, elogiando atuações.
A direção também é cuidadosa, dando ritmo às cenas e escolhendo com cuidado cada momento. A cena inicial já citada, assim como a final já valem como elogio, mas temos outros momentos marcantes como a cabeça do cavalo na cama, que vai sendo descoberto aos poucos em um suspense crescente até o impacto do terror. Ou a própria cena do hospital, com a tensão da chegada do estranho, a cena na porta e o embate com a polícia. Mesmo a cena do atentado a Don Corleone em uma feira caindo no meio das barracas de frutas.

Um jogo de poder que começa com a negação de um convite a entrar no narcotráfico, é apenas o pano de fundo para nos apresentar e envolver com personagens únicos, com construções cuidadosas e valores bem definidos. Uma família que vai além da simples constituição social. É um pacto sagrado que os prende e os faz caminhar na mesma direção.
O Poderoso Chefão é um marco no cinema. Simples assim. Nem precisa dizer que está entre meus favoritos de todos os tempos.
O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972 / EUA)
Direção: Francis Ford Coppola
Roteiro: Mario Puzo e Francis Ford Coppola
Com: Marlon Brando, Al Pacino, James Caan, Robert Duvall, Diane Keaton, Richard S. Castellano, Al Lettieri, Richard Conte
Duração: 175 min.