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Depois da Chuva

Depois da Chuva - filmeFinalmente, o filme baiano Depois da Chuva estreia em circuito comercial. Dois anos após circular por diversos Festivais de Cinema, inclusive como "work in progress" nos festivais de Cannes e Bafici, e na competitiva do Festival de Rotterdam. Além de ter vencido o Harlem International Film Festival 2014, realizado em Nova Iorque, na categoria melhor filme estrangeiro. A expectativa é de que a obra possa atingir também o público.

A obra dirigida em parceria pelo casal Cláudio Marques e Marília Hughes tem diversas qualidades. E a maior delas, talvez, seja construir um filme que não se apega a clichês regionais ou históricos para nos contar uma história de maneira bem particular. A época é pouco explorada no cinema nacional, a chamada reabertura política após vinte anos de ditadura militar no país. O cenário é a cidade de Salvador, mas sob uma ótica da classe média da época, nem ricos, nem pobres. E a cultura é a do punk rock, que muitos podem achar até que não existiu pelas terras do "axé".

Depois da Chuva - filmeO protagonista Caio, interpretado pelo estreante Pedro Maia, é um aluno secundarista de um colégio particular de Salvador. Filho de pais divorciados, vive problemas familiares e financeiros, mas o que o angustia mesmo é a situação política do país e suas questões existenciais. Caio participa de um grupo anarquista e vivencia um lado underground da cidade, cultuando, inclusive, o movimento punk rock efervescente. Se não bastasse isso, ele também está vivendo o seu rito de passagem de fim da adolescência e descoberta do amor.

O que mais chama a atenção no roteiro de Cláudio Marques é o paralelo criado entre a vida de Caio e os acontecimentos no país. Em uma metáfora interessante, o filme vai nos mostrando as mudanças e discussões políticas no colégio bem próximas das decisões do planalto. A reabertura de um grêmio, só com eleição indireta abre questões diversas, da mesma forma que a postura de professora e diretor diante das provocações trazidas por Caio sobre o que significa tudo aquilo.

Depois da Chuva - filmeEm um dos momentos, acompanhamos a apresentação no colégio da semana de arte moderna. Enquanto professora exalta os exemplos de vanguarda do passado, Caio lhes traz o novo, o incômodo, o choque. Questionando arte e política feita naquele local, ele questiona também o que está acontecendo no país. Não por acaso, sua redação se torna alvo de controvérsias e reviravoltas no rumo da trama. Vemos ainda a composição de esquemas políticos e alianças da mesma forma que acontece com os partidos.

Depois da Chuva - filmeVer um grupo de anarquistas em um tema como esse, também é algo que instiga. Normalmente, são os comunistas retratados. E o personagem Tales, interpretado por Talis Castro, é o extremo desse idealista que acredita piamente no auto-governo e quer modificar o mundo despertando a consciência de cada um. O que acaba sempre gerando um paradoxo, já que nada pode ser imposto, moldando o caráter trágico do personagem. E isso é bem retratado na trama. Da mesma forma que trágica parece a trajetória de um país que "comemora" sua redemocratização no túmulo de um novo presidente.

Este, talvez, seja o tom de Depois da Chuva, a melancolia de um momento de perdas, de incapacidade diante de situações que vão além da simples vontade, onde sonhos de luta parecem esbarrar em manobras políticas do próprio destino. Afinal, qual a solução para um país que saiu das mãos de uma ditadura tão pesada para as mãos dos mesmos políticos que com ela confabularam, só que com discursos diferentes? É o que Caio tenta bradar a um colégio que continua sob o julgo de diretores rígidos e professores incapazes que observar o novo.

Com uma fotografia extremamente granulada e uma trilha sonora de punk rock que pulsa e dita o ritmo da trama, Depois da Chuva nos soa um incômodo soco no estômago ao analisar nossa história recente, revelando sonhos frustrados e a desesperança que paira no ar. É um filme que instiga, até pela constante busca pela fuga do clichê. Não é um filme perfeito, mas é entusiasmante diante do cenário local, além de uma reflexão mais do que bem-vinda.


Depois da Chuva (2015 / Brasil)
Direção: Cláudio Marques e Marília Hughes
Roteiro: Cláudio Marques
Com: Pedro Maia, Sophia Corral, Talis Castro, Aícha Marques, Ricardo Pisani, Victor Corujeira
Duração: 90 min.

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