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Entrevista com Milton Gonçalves: Minha raiz está aqui

Entrevista com Milton Gonçalves -  Filme O DueloPresente em mais de cem filmes brasileiros, Milton Gonçalves é uma verdadeira lenda vida do nosso cinema. E não apenas dele, mas também do teatro e da televisão. Em O Duelo, novo filme de Marcos Jorge que estreia esta semana ele faz apenas uma pequena participação como o governador do Rio de Janeiro, mas foi uma homenagem que o diretor fez questão de prestar àquele que considera um ícone.

Até hoje o seu papel mais marcante é a Rainha Diaba de Antonio Carlos da Fontoura, com o qual ganhou diversos prêmios. Mas, seu talento permeia diversas épocas e gêneros sempre intercalando cinema, teatro e televisão. E como sua própria biografia ressalta: "E não fez só papéis de ´escravo´ e ´empregado´. Fez doutores, fez um médium, e coisas de muito gabarito". Sendo ainda diretor de algumas séries e telenovelas. É também pai do ator Maurício Gonçalves, que está no filme como o deputado Jerônimo Paiva.

Presente na pré-estreia do filme em Salvador, Milton Gonçalves estava feliz. Acompanhado da namorada e do amigo Terciliano Jr, artista plástico local de grande prestígio internacional, ele conversou com o CinePipocaCult. Vejam como foi.

Entrevista

Entrevista com Milton Gonçalves -  Filme O DueloCinePipocaCult: O Duelo é baseado em Os Velhos Marinheiros de Jorge Amado, você conhecia a obra?

Milton Gonçalves: Eu tive o prazer de conviver com Jorge Amado, não posso dizer que fui seu amigo íntimo, mas frequentei muito sua casa aqui no Rio Vermelho. Sempre tive um enorme respeito e admiração por ele. Era uma das pessoas importantes na cultura brasileira que deixou uma marca maravilhosa.

CPC: Marcos Jorge disse que fez o personagem do Governador negro em homenagem a você. O que achou disso?

MG: Eu acho bom. A gente não tem agora, nessa nova candidatura no Brasil, um único governador negro. Tivemos poucos em toda a história. Temos que nos organizar politicamente, culturalmente e levar isso a sério. Agora o filme foi uma participação honrosa. O próprio diretor disse isso, foi uma participação de carinho, de afeto. E claro que eu gostei. Inclusive o meu filho está no filme também, faz lá um deputado. Ainda não vi o filme, mas, ao ver hoje, se eu não chorar aqui, vou chorar logo mais a noite.

Entrevista com Milton Gonçalves -  Filme O DueloCPC: Mas são lágrimas boas.

MG: Graças a Deus. Algumas pessoas estão perguntando minha opinião sobre negros na política. Eu sei que muitos negros não vão gostar do que eu vou falar, mas se eu não fizer isso eu vou me sentir falso e culpado de não ter falado na oportunidade. Eu acho que nós brasileiros negros, descendentes de africanos temos que parar de botar o nosso umbigo lá. Nosso umbigo está aqui. Foi aqui que meus pais trabalharam, que meus avós trabalharam, que meus tetravós trabalharam. Eles têm juros a cobrar desse país, um país que, se cresceu na agricultura e uma série de coisas, foi com a presença de trabalhadores negros. Agora, na minha cabeça não estou preocupado se eu sou branco, sou amarelo, sou roxo. Eu sou brasileiro. Antes de qualquer coisa eu sou um brasileiro e quero um país melhor.

Entrevista com Milton Gonçalves -  Filme O DueloCPC: E como vê esta pré-estreia do filme aqui em Salvador?

MG: É um prazer enorme voltar a Salvador. Porque aqui nós fizemos ótimos espetáculos teatrais, tivemos um enriquecimento de ideias, políticas e ideológicas. Foi aqui que nós decidimos o Teatro de Arena de São Paulo. Ao voltar a São Paulo montamos um espetáculo de Gianfrancesco Guarnieri, Eles não usam Black Tie, que se transformou em filme e uma série de coisas. E todas as vezes que passa o filme, no final, quando citam o nome do meu personagem Bráulio falando que morreu e tal eu não consigo segurar as lágrimas. Porque foi um momento em que nós brasileiros lutávamos pela redemocratização do país, nós lutávamos pelo respeito ao trabalhador com uma vida mais digna, mais tranquila. Nós brigamos por escolas, por ensino. Para que a escola não fosse um privilégio dos mais ricos. Isso que a gente sempre fez e está lá no “Eles não usam Black Tie”, eu lembro com muita emoção. E isso está ligado a Salvador, lá atrás quando eu vim à Bahia conhecer essa capital, essa gente, que meu coração ficou desse tamanhinho que é uma gente que diz respeito a mim enquanto etnia, só que a gente está um pouco afastado. Acho que tem que se organizar, pensar politicamente e não falo só pra negros não. Negros, pobres. Começar a buscar um país melhor, uma escola melhor, em busca de um exercício político. Eu não sou comunista porque eu acredito em Deus, mas eu acho a regra é cada um de acordo com a sua necessidade. Eu acho isso. E a raiz está aqui.

Entrevista com Milton Gonçalves -  Filme O DueloCPC: Você falou do teatro de Arena, você acha que o cinema também pode ter esse papel de instigar e representar pensamentos políticos?

MG: O cinema já teve esse papel. E não é só o nosso cinema. Um cinema qualificado que leve ao espectador o que melhor ele possa produzir até política e idelogicamente, claro. Naquela época dos anos 50/60 que o cinema era político, profundo, acho que é importante. E nesse filme a gente vai ver que tem a marca disso. Não é a escolha política, é a política discutida.

CPC: Você já fez mais de cem filmes, ainda tem algum papel que falte fazer?

MG: Não sei, eu já fiz muita coisa. Já fiz papéis clássicos. Já fiz o Licurio em Mandrágora, olha que loucura. Quem estava fazendo o papel era o Gianfrancesco Guarnieri, mas ele tinha que voltar mais cedo e disse, “O Milton faz”. Eu era um dos escravos. Imagine, sair do escravo para o cara que engendrava tudo. Ou seja, já passei por esse tabu de só fazer personagens negros. Então, eu acho que tem que acontecer mais isso em todas as manifestações culturais do país.

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