A Bruxa
É comum vermos uma certa rixa no olhar da crítica e do público em relação a determinados filmes. Blockbusters como Crepúsculo ou Transformers adorados por multidões podem sofrer massacres em textos especializados. Enquanto alguns filmes considerados de arte são cultuados pela crítica e odiados pelo público, como Adeus à Linguagem.
O filme de Robert Eggers parece estar caminhando no mesmo sentido. Basta observar o termômetro do Rotten Tomatoes com 89% de aprovação da crítica e 53% do público. E analisando o filme, é bem fácil de compreender o porquê dessa dicotomia. A começar pela forma como o filme está sendo vendido, que é como um terror tradicional, onde as pessoas esperam tomar um susto a cada minuto ou ficar com medo por recursos audiovisuais mais superficiais do que os utilizados na obra.
O outro ponto está na narrativa. Fomos acostumados em uma tradição aristotélica com um enredo muito bem desenhado e um propósito para aquela trama. O roteiro de A Bruxa lida com relatos comuns nos anos de 1600 nos Estados Unidos. Lida com senso comum sobre contos de bruxas e pactos com o diabo. Tem até um bode preto para reforçar o culto satânico. E, claro, muito sangue inocente para saciar a sede das trevas. Mas, no superficial da trama, há uma história tola de uma família igualmente sem propósito, com pontos caricatos que inclusive tiram o espectador da história não os fazendo colar com o drama daquela família.
Mas, então, por que a crítica está elogiando tanto? Porque a forma como Robert Eggers lida com tudo isso possui muito mais camadas, além de uma técnica impecável que realmente impressiona. A começar pela fotografia e direção de arte criativa e que reconstroem a época com uma riqueza de detalhes incrível. A fotografia lavada com penumbras que ajudam na atmosfera tensa, os planos fechados que não nos dão a dimensão exata dos espaços, nos deixando vulneráveis, mesmo em paisagens abertas, o jogo de câmera que distorce personagens, deixando-os mais assustadores. Isso sem falar na trilha sonora sempre pontuando a tensão crescente.
Mas, deixando de lado toda a técnica fílmica que envolve o filme e que o público comum normalmente percebe em seu inconsciente, mas não dá tanta importância assim, cheguemos mais perto da história. Particularmente, ela me incomoda, devo confessar. Minhas convicções pessoais não conseguem embarcar nessa caricatura de bruxa, nem nessa ideia de paganismo (que não deve ser confundida com satanismo). Mas, essas questões à parte, temos que observar o que o filme nos passa e não o que gostaríamos que ele passasse. E o que temos aqui é um terror psicológico com um viés crítico bem interessante.
Temos uma família que se diz temente à Deus, mas que no início do filme está sendo expulsa de sua comunidade cristã por algum motivo que não ficou claro. O chefe da família parece ter suas próprias convicções religiosas destoantes dos pastores, mas se diz um bom cristão e leva sua família com essa mesma convicção, fazendo orações diárias, confissões de pecados e penitências. Sozinhos em um descampado perto de uma floresta essa família tenta viver normalmente até que o bebê some sob a vista da irmã mais velha, que claro, é culpada pela mãe.
Muitas questões começam a entrar em pauta na obra. A começar pela fé e pela aceitação da vontade divina. Vontade essa que parece o tempo todo contestada ou mesmo esquecida, já que a culpa de tudo está na menina. Acusações sem provas, julgamentos precipitados, informações escondidas e vamos desvendando aos poucos cada um dos personagens daquela família, inclusive os estranhos gêmeos que ficam cantando uma aparente inocente música irritante. Tratam-se de imagens projetadas, não de realidade, por isso soa tão caricata em alguns momentos.
E a forma como vai se desenrolando até o desfecho perturbador nos faz pensar nas noções de certo e errado. Além de nossos medos inconscientes. É um filme que precisa ser mergulhado na profundidade do que ele quer externar, ainda que pareça tolo e incômodo alguns conceitos e atitudes. Se formos pensar em metáforas para aquela família e sua atitudes que partem de mitos e relatos, podemos perceber o quão perturbadores podem ser aqueles julgamentos. E onde tudo pode nos levar quando preferimos culpar os outros e não prestar atenção em nossas próprias atitudes.
A Bruxa não é um filme de terror tradicional, você não irá sentir medo com recursos fáceis de susto que nos fazem pular da cadeira com uma aparição repentina ou um corte brusco para um ser assustador. Mas, toca em assuntos incômodos e tem um dos finais mais bizarros que já vi nos cinemas.
A Bruxa (The VVitch: A New-England Folktale, 2016)
Direção: Robert Eggers
Roteiro: Robert Eggers
Com: Anya Taylor-Joy, Ralph Ineson, Kate Dickie
Duração: 92 min.
O filme de Robert Eggers parece estar caminhando no mesmo sentido. Basta observar o termômetro do Rotten Tomatoes com 89% de aprovação da crítica e 53% do público. E analisando o filme, é bem fácil de compreender o porquê dessa dicotomia. A começar pela forma como o filme está sendo vendido, que é como um terror tradicional, onde as pessoas esperam tomar um susto a cada minuto ou ficar com medo por recursos audiovisuais mais superficiais do que os utilizados na obra.
O outro ponto está na narrativa. Fomos acostumados em uma tradição aristotélica com um enredo muito bem desenhado e um propósito para aquela trama. O roteiro de A Bruxa lida com relatos comuns nos anos de 1600 nos Estados Unidos. Lida com senso comum sobre contos de bruxas e pactos com o diabo. Tem até um bode preto para reforçar o culto satânico. E, claro, muito sangue inocente para saciar a sede das trevas. Mas, no superficial da trama, há uma história tola de uma família igualmente sem propósito, com pontos caricatos que inclusive tiram o espectador da história não os fazendo colar com o drama daquela família.
Mas, então, por que a crítica está elogiando tanto? Porque a forma como Robert Eggers lida com tudo isso possui muito mais camadas, além de uma técnica impecável que realmente impressiona. A começar pela fotografia e direção de arte criativa e que reconstroem a época com uma riqueza de detalhes incrível. A fotografia lavada com penumbras que ajudam na atmosfera tensa, os planos fechados que não nos dão a dimensão exata dos espaços, nos deixando vulneráveis, mesmo em paisagens abertas, o jogo de câmera que distorce personagens, deixando-os mais assustadores. Isso sem falar na trilha sonora sempre pontuando a tensão crescente.
Mas, deixando de lado toda a técnica fílmica que envolve o filme e que o público comum normalmente percebe em seu inconsciente, mas não dá tanta importância assim, cheguemos mais perto da história. Particularmente, ela me incomoda, devo confessar. Minhas convicções pessoais não conseguem embarcar nessa caricatura de bruxa, nem nessa ideia de paganismo (que não deve ser confundida com satanismo). Mas, essas questões à parte, temos que observar o que o filme nos passa e não o que gostaríamos que ele passasse. E o que temos aqui é um terror psicológico com um viés crítico bem interessante.
Temos uma família que se diz temente à Deus, mas que no início do filme está sendo expulsa de sua comunidade cristã por algum motivo que não ficou claro. O chefe da família parece ter suas próprias convicções religiosas destoantes dos pastores, mas se diz um bom cristão e leva sua família com essa mesma convicção, fazendo orações diárias, confissões de pecados e penitências. Sozinhos em um descampado perto de uma floresta essa família tenta viver normalmente até que o bebê some sob a vista da irmã mais velha, que claro, é culpada pela mãe.
Muitas questões começam a entrar em pauta na obra. A começar pela fé e pela aceitação da vontade divina. Vontade essa que parece o tempo todo contestada ou mesmo esquecida, já que a culpa de tudo está na menina. Acusações sem provas, julgamentos precipitados, informações escondidas e vamos desvendando aos poucos cada um dos personagens daquela família, inclusive os estranhos gêmeos que ficam cantando uma aparente inocente música irritante. Tratam-se de imagens projetadas, não de realidade, por isso soa tão caricata em alguns momentos.
E a forma como vai se desenrolando até o desfecho perturbador nos faz pensar nas noções de certo e errado. Além de nossos medos inconscientes. É um filme que precisa ser mergulhado na profundidade do que ele quer externar, ainda que pareça tolo e incômodo alguns conceitos e atitudes. Se formos pensar em metáforas para aquela família e sua atitudes que partem de mitos e relatos, podemos perceber o quão perturbadores podem ser aqueles julgamentos. E onde tudo pode nos levar quando preferimos culpar os outros e não prestar atenção em nossas próprias atitudes.
A Bruxa não é um filme de terror tradicional, você não irá sentir medo com recursos fáceis de susto que nos fazem pular da cadeira com uma aparição repentina ou um corte brusco para um ser assustador. Mas, toca em assuntos incômodos e tem um dos finais mais bizarros que já vi nos cinemas.
A Bruxa (The VVitch: A New-England Folktale, 2016)
Direção: Robert Eggers
Roteiro: Robert Eggers
Com: Anya Taylor-Joy, Ralph Ineson, Kate Dickie
Duração: 92 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
A Bruxa
2016-03-18T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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