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Compasso de Espera
Compasso de Espera
Existe racismo no Brasil ? A triste constatação da resposta a essa pergunta dói ainda mais no final da década de sessenta quando Antunes Filho fez seu único filme, lançado apenas em 1973. Compasso de Espera é um soco no estômago em diversos aspectos. Um filme importante que ficou no limbo da filmografia brasileira.
A trama conta a história de Jorge, poeta e publicitário, negro “com alma branca”, como define um colega aos clientes da agência onde discutem uma peça. Amante da dona da agência, apadrinhado por um grande empresário, Jorge tem consciência de sua situação, mas prefere se omitir à causa racial, engolindo diversas ofensas. Até que ele conhece Cristina, uma bela moça de família quatrocentona paulista.
O fato de Antunes Filho trazer seu protagonista covarde, que aceita as piadas racistas e prefere não confrontar os brancos, torna o filme tão instigante. A maioria das situações são incômodas, geram revolta, nos fazem refletir e discutir. Não que o filme se esquive da discussão dentro da trama. Jorge é cercado por pessoas que lhe cobram atitudes, como os amigos adeptos da filosofia de MalcomX, ou a irmã que critica não apenas sua postura apática, como o fato de negar suas raízes e quase não visitar a mãe.
Interpretado por Zózimo Bulbul, que na vida real também era casado com uma mulher branca e sofreu muito preconceito, Jorge é um homem como muitos no Brasil até hoje, que não são capazes de se impor e se defender de injustiças. E sofrem por não querer se indispor. Ele cita a postura de Martin Luther King para justificar sua passividade, mas de fato, nunca faz nada para tentar mudar sua situação, ao contrário do líder norte-americano.
O filme vai construindo sua vida, sua rotina, expondo as humilhações e o racismo velado. Mas, também nos dá fortes cenas de violência e imposição de uma realidade cruel. E o mais interessante é que ele não vitimiza totalmente Jorge, nem o coloca na postura de herói. Ele constrói muito da sua própria situação submissa, principalmente em relação a mulher que o banca. E acaba causando situações difíceis também para Cristina, vivida por Renée de Vielmond, a jovem por quem se apaixona, como em um momento em que ela tem que se esconder na cozinha de seu apartamento.
A cena em que Jorge vai levar dinheiro para a mãe em um bairro popular também é repleta de reflexões e demonstra o quanto o poeta tem um postura recriminatória. Sua mãe, vivida pela saudosa Jacira Sampaio (eterna tia Anastácia), é amorosa e condescendente com o filho ausente. Já a irmã, vivida por Léa Garcia, faz ironias e expõe as feridas, em uma cena extremante forte e bem construída.
Mas, sem dúvidas, a cena mais marcante acontece na praia. Não apenas pela resolução, mas por toda a construção de preparação da situação. As imagens são fortes, nos impactam e nos fazem pensar na capacidade da humanidade de ser tão cruel com semelhantes. Como se cor de pele fosse algo que definisse caráter. E pior é saber que casos assim eram comuns, como a atriz Arlete Salles que sofreu boicote ao se relacionar com Tony Tornado. Ou Marcos Paulo e Zezé Motta que fizeram o primeiro casal inter-racial na televisão brasileira, gerando polêmica.
Ainda que precisemos combater o racismo em outros níveis, Compasso de Espera é um filme importante que merecia ser melhor conhecido e estudado. Há questões ali que ainda imperam tantas décadas depois infelizmente, encará-las também é uma forma de crescimento.
Filme Visto no 5º Olhar de Cinema de Curitiba.
Compasso de Espera (1973 / Brasil)
Direção: Antunes Filho
Roteiro: Antunes Filho
Com: Zózimo Bulbul, Renée de Vielmond, Léa Garcia, Jacira Sampaio, Antônio Pitanga, Stenio Garcia, Marina Freire
Duração: 94 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Compasso de Espera
2016-06-14T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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