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Henrique Dantas
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A Noite Escura da Alma
A Noite Escura da Alma
Diversos filmes já retrataram os porões da ditadura militar no Brasil. Mas e na Bahia? Lembro que mesmo nas aulas de história, a concentração era muito no Rio de Janeiro e em São Paulo, deixando para o nosso estado uma espécie de espaço mais neutro e brando. A Noite Escura da Alma, de Henrique Dantas, vem mostrar que não é bem assim.
Todo filmado no quartel do Barbalho, principal ponto de tortura e prisões da época, o cineasta entrevista diversas personalidades como Juca Ferreira, Lúcia Murat, Emiliano José, Theodomiro dos Santos e Carlos Sarno, além de outros representantes da sociedade na época para nos contar que sim, teve ditadura na Bahia e ela foi tão cruel quanto em qualquer outro lugar.
Como em todo filme que faz, Henrique Dantas busca uma estética própria que tenha relação com o tema, sem nos apresentar um documentário cru, mas repleto de elementos gráficos e sobreposição de imagens que recriam significados próprios. Talvez em seu filme mais experimental, aqui ele mistura os depoimentos com performances de artistas diversos que ilustram as torturas e sofrimento narrados em vez de recorrer a imagens de arquivo.
Ainda que em alguns momentos as performances sejam previsíveis e até mesmo reforcem o que está sendo dito, como na cena da salmoura, há um impacto profundo na construção da obra. As imagens são fortes, os depoimentos são fortes, tudo nos deixa com nó na garganta e uma vontade de gritar junto por uma justiça maior. Há uma cena, por exemplo, em que o ator Bertrand Duarte é enrolado com um fio de náilon que deforma sua pele e nos deixa ali, presos com ele, clamando por liberdade.
Henrique também é criativo na apresentação de suas personagens. A princípio aparecem na penumbra, e quando a luz as ilumina pela primeira vez, estão de boca fechada com a voz over. Uma metáfora interessante do viver nas sombras e de não poder falar claramente para não serem presos. A ditadura calou muitas vozes pela força ou pelo medo. Por isso, incomoda um pouco quando, em alguns depoimentos, ele abre mão desse recurso, mas que pode ser interpretado também como a "anistia" ainda que tardia.
Falar de ditadura, de tortura, de cerceamento do pensamento é sempre algo delicado. E a possibilidade de falar livremente sobre todos os acontecimentos, muitos deles inéditos em qualquer meio, é algo que merece ser aplaudido. O filme não se furta, inclusive, a falar de ACM e seu envolvimento com os militares e com a censura mesmo após o fim oficial da ditadura.
E por falar em fim, o filme ainda levanta a reflexão sobre os dias atuais e as torturas e assassinatos que continuam acontecendo todos os dias com a população pobre e negra, mas que não incomoda mais tanto quanto na época em que os militares pegavam os estudantes e intelectuais. É mesmo uma reflexão necessária que nos mostra que ainda precisamos evoluir muito para nos tornarmos um povo livre e civilizado.
A Noite Escura da Alma é uma expressão cunhada pelo monge São João da Cruz para expressar o momento mais difícil de nossa vidas onde não parece existir saída e nossa fé é questionada. E nada mais propício que isso para traduzir o tema que o documentário trata. Um filme extremamente necessário. Impactante e bem produzido que nos faz viajar por períodos nefastos que a história escondeu.
Filme Visto no XII Panorama Internacional Coisa de Cinema.
A Noite Escura da Alma (A Noite Escura da Alma, 2016 / Brasil)
Direção: Henrique Dantas
Roteiro: Henrique Dantas
Duração: 92 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
A Noite Escura da Alma
2016-11-16T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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