Dia Internacional da Mulher, resolvi homenagear a todas falando de uma diretora brasileira que há muito admiro e que recentemente lançou seu quarto longa-metragem de ficção no Festival de Berlim com boa aceitação. Falo, claro, de Laís Bodanzky, essa paulista que parece bastante introspectiva e que consegue levar para a tela uma verdade impressionante. Em seus quatro filmes de ficção, Laís falou de temas bem específicos. Sobre a loucura, em Bicho de Sete Cabeças. A terceira idade, em Chega de Saudade. A adolescência, em As Melhores Coisas do Mundo. E a mulher e o feminismo, em Como Nossos Pais.
Apesar de não ter conferido ainda a obra mais recente, percebo pelos textos que chegam até nós que Como Nossos Pais segue a mesma linha dos demais. Uma mise-en-scène cuidadosa, porém, enxuta para nos envolver de uma maneira com aquele universo que nos pareça retirado de um documentário. Não há muitos estereótipos nos filmes de Laís, nem exageros, tudo parece a vida como ela é. A loucura foi cuidadosamente construída em Bicho de Sete Cabeças, sem exageros, sem grandes performances. Há uma interiorização da situação, do estado de espírito das personagens. Assim como em Chega de Saudade, a terceira idade e a dinâmica dos bailes. O ritmo do filme é leve, traz a naturalidade da mão da diretora de maneira bem simples e direta. E por fim em As Melhores Coisas do Mundo, o universo adolescente é desnudado de maneira bastante intensa e verdadeira, com questões bem próximas do que vemos e vivemos em uma época de transição como essa.
Não por acaso, seu curta-metragem no projeto Mundo Invisível fala do conceito de Yoshi Oida sobre o "ator invisível". "O Ser Transparente" é um documentário com depoimentos diversos que tentam demonstrar a ideia de que o ator está a serviço da personagem. Quanto menos ele é notado, melhor estar sendo sua interpretação, pois o público deve enxergar a personagem e não o ator em cena. E é isso que vemos nos filmes de Laís. Por mais famoso e consagrado que seja o ator, são as personagens que se destacam, desmistificando, inclusive rótulos. Rodrigo Santoro, por exemplo, era apenas um galã da Globo quando fez Bicho de Sete Cabeças. Por mais que Abril Despedaçado também tenha sido feito no mesmo ano, não deixou de ser um passo à frente na carreira do ator.
Inquieta, Laís Bodanzky não se resume à direção. Sócia da produtora Buriti Filmes, ela já produziu diversas obras, não apenas longa-metragens como documentários e séries para televisão, clipes, curtas e peças teatrais. E, principalmente, se preocupa com a formação de público e profissionais. Durante dez anos ela e seu marido Luiz Bolognesi rodaram o país com um espécie de cinema itinerante, exibindo curtas metragens brasileiros em praças públicas de cidades que tem pouco ou nenhum acesso ao audiovisual. A experiência foi registrada no livro “Cine Tela Brasil e Oficinas Tela Brasil: 10 anos levando cinema a escolas públicas e comunidades de baixa renda”. E no documentário Cine Mambembe - O Cinema descobre o Brasil. Há também o Instituto Buriti, criado em 2014 com o desejo de desenvolver oficinas de alfabetização audiovisual em escolas públicas.
Ou seja, Laís Bodanzky respira o audiovisual e entende que esta é uma linguagem que pode ser acessível a todos. Ver filmes, ser iniciado na linguagem e ser visto em tela é uma maneira de ampliar o alcance do cinema brasileiro no gosto popular. Com seus filmes, ela consegue algo que poucos atingem: ser sucesso de público e crítica. Que outras possam vir com essa mesma garra e talento.
Filmes
Bicho de Sete Cabeças (2001)
Inspirado no livro "Canto dos Malditos", de Austregésilo Carrano, é o mais intenso e premiado filme de Laís Bodanzky. Na trama, Rodrigo Santoro interpreta Neto, um rapaz que é internado em um manicômio por seus pais quando eles o encontram fumando maconha. A narrativa se dá nesse clima de incompreensão e denúncia, diante da situação do manicômio e precariedade do cuidado dos doentes mentais na época. Um filme forte em imagens e interpretações.
Chega de Saudade (2008)
Um filme mais leve, com certa melancolia, fala de dor e alegrias ao mesmo tempo. O que chama mais atenção na obra é a duração de sua narrativa toda ambienta em um clube de dança desde que ele abre as portas até o último frequentador ir embora. Dançando entre as pessoas, a câmera vai flagrando as histórias das personagens, suas dores, seus desejos, suas decepções. Tudo com o baile acontecendo ao redor. As músicas ajudam na narrativa e tornam a experiência ainda mais proveitosa.
As Melhores Coisas do Mundo (2010)
As melhores coisas do mundo pode não ser a melhor obra que já surgiu no cinema nacional, mas com certeza entra para o hall dos grandes filmes sobre adolescentes já feitos. Há uma conexão da narrativa com o universo juvenil, suas dores, seus medos diante da transição dessa fase da vida sem menosprezar o sentimento dos meninos, nem ser caricata. Ao mesmo tempo, consegue ser extremamente madura na decomposição de uma família, resumida em uma cena bela de ovos na parede.
Em breve:
Como Nossos Pais (2017)
Sem data de estreia ainda no Brasil, Como Nossos Pais conta a história de Rosa que tem que lidar com todos os papéis de profissional, mãe, filha, esposa e amante sempre se cobrando muito. "Filha de intelectuais dos anos 70 e mãe de duas meninas pré-adolescentes, ela se vê pressionada pelas duas gerações que exigem que ela seja engajada, moderna e onipresente, uma super-mulher sem falhas nem vontades próprias. Até que em um almoço de domingo, recebe uma notícia bombástica de sua mãe. A partir desse episódio, Rosa inicia uma redescoberta de si mesma". Fiquemos de olho.