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Como Nossos Pais
Como Nossos Pais
Há uma questão familiar no novo filme de Laís Bodanzky que se estampa desde o título inspirado na genial música de Belchior. Porém, em um filme onde o som ambiente é quase o tempo todo privilegiado, outra música chama a atenção em uma cena específica: a polca Atraente de Chiquinha Gonzaga. Entra de maneira sutil em um momento chave da protagonista para reforçar seu ato libertário: ser ela mesma.
É curioso que o filme trata do universo feminino atual, suas questões diversas em um mundo ainda patriarcal onde equilibrar vida social, pessoal, profissional e familiar é um malabarismo obrigatório para mulheres que querem ir além do papel de mulher e mãe. Ao mesmo tempo, Laís parece nos mostrar que essa ainda é uma luta árdua, tal qual a compositora brasileira travou no início do século passado. Mais do que isso, de certa maneira, ela nos faz pensar que, tal qual a peça de Ibsen, ainda somos Noras, presas em nossas casas de bonecas. Sair dela ainda é a história válida. Não superamos.
Laís Bodanzky, que sempre trabalhou com os roteiros de Luiz Bolognesi, seu companheiro, neste assinou em parceria o texto. É a primeira vez também em sua filmografia em que o universo feminino surge com tanta força. Não apenas por Rosa, sua protagonista, como por sua mãe Clarice, suas filhas, sua irmã, sua cunhada, a nova esposa de seu pai. Mesmo que muitas apareçam pouco em tela, são todas com personalidades bem definidas, nomes e trazem algo para a trama.
Rosa não é o exemplo de super mulher, não é uma feminista que levanta bandeiras, é uma mulher comum, que, como a maioria, exige de si perfeição. E que está cansada de arcar com todas as responsabilidades domésticas e trabalhar em algo que não a satisfaz nem a reconhece, só porque o salário paga suas contas, enquanto seu marido vive o seu sonho pessoal de ser um ambientalista. Como se não bastasse, ela descobre que o homem a que chama de pai não é o seu genitor, abrindo feridas e dificultando ainda mais sua relação com a mãe.
A construção de Rosa e as diversas situações que passa constroem ecos com muitas mulheres que atualmente ainda lutam por serem ouvidas. Já na primeira cena, ela discute com a mãe sobre qual trabalho é mais importante: o dela, que segundo a mais velha é fútil, ou o do marido, que tem causas nobres. Maria Ribeiro e Clarisse Abujamra constroem esse embate de gerações, pensamentos e angústias com uma sutileza incrível. Aquele eterno jogo de amor e ódio onde os limites parecem confusos e tênues. Entre medos, arrependimentos, egoísmo e preocupação, elas passam por diversas confrontações verbais, ao mesmo tempo em que são capazes de pequenos gestos de compreensão única.
Já sua relação com o pai, interpretado de maneira única por Jorge Mautner acaba sendo o alívio cômico da trama em sua capacidade de filosofar com o vazio. Ainda que tenha problemas com dinheiro, pareça irresponsável e tenha problemas em cumprir promessas, Rosa parece relevar seus deslizes. É uma relação bem resolvida emocionalmente, ao contrário da mãe. E mesmo com a descoberta de que não foi aquele homem que a gerou, não parece abalar isso. Já o encontro com seu verdadeiro pai biológico talvez seja o único ponto fraco da trama, por diversas questões nas escolhas, mas não compromete o sentimento maior da obra.
Como Nossos Pais é, acima de tudo, um filme intimista, denso, emocionante. Com o mesmo talento já demonstrado em outras obras, Bodanzky consegue nos passar uma sensação de realidade muito próxima. Suas escolhas de mise-en-scène são contidas, porém crescem em efeito, nos levando para dentro da tela junto com as personagens. A câmera na mão, o privilégio do som ambiente, as escolhas dos planos, tudo se encaixa de uma maneira harmônica e conjunta, mesmo quando ela repete por diversas vezes um plano que mostra o quarto do casal e das filhas separados pela parede, reforçando a aproximação, e ao mesmo tempo distância, que existe entre o casal na relação com as filhas.
No final, mesmo com todas as brigas e perspectivas, Rosa parece chegar a mesma conclusão de Belchior, o que não deixa de ser belo e emocionante. Assim como, mais uma vez, Nora pode tomar a decisão de sair da Casa de Bonecas, ainda que de maneira distinta, em um mundo que apesar de tudo, demonstra mudanças positivas em relação aos papéis familiares.
Como Nossos Pais (Como Nossos Pais, 2017 / Brasil)
Direção: Laís Bodanzky
Roteiro: Laís Bodanzky, Luiz Bolognesi
Com: Maria Ribeiro, Clarisse Abujamra, Paulo Vilhena, Felipe Rocha, Jorge Mautner, Herson Capri
Duração: 102 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Como Nossos Pais
2017-08-29T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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