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As Duas Irenes
As Duas Irenes
A questão do duplo vem sendo trabalhada de diversas maneiras na dramaturgia desde que Dostoievski lançou sua obra. Fabio Meira é criativo ao trazer a questão de maneira extremamente realista e ao mesmo tempo nonsense na pele de suas duas Irenes.
As personagens de Isabela Torres e Priscila Bittencourt nasceram no mesmo dia, tendo o mesmo pai, porém, de mães diferentes. E o homem, vivido por Marco Ricca, teve a brilhante ideia de batizar ambas com o mesmo nome: Irene. O que poderia ser apenas uma estratégia para não trocar os nomes das filhas acaba construindo uma situação extremamente simbólica, duas meninas que se tornam uma ou trazem em si questões semelhantes ou opostas em todos os sentidos.
A Irene de Priscila Bittencourt é mirradinha, pouco desenvolvida ainda, enquanto a de Isabela Torres já desenvolveu um corpo de mulher que chama a atenção dos garotos ao seu redor. E esse acaba sendo o mote da aproximação das duas. Uma fase de transformação e descobertas, onde o corpo está se formando ainda. Toda mulher passa por esse processo e tem nas amigas os parâmetros. Aquelas que se desenvolvem primeiro começam a namorar primeiro e é preciso lidar com medos, frustrações e auto-estima baixa.
No caso de Irene isso vem com uma carga ainda maior porque a "outra" é sua irmã e tem seu nome. A questão da busca pela identidade se fortalece. E Fabio Meira trabalha a questão do duplo de maneira incrível. As imagens estão sempre se dividindo ou se complementando, como quando as duas se olham no espelho, formando um só rosto. Ou quando andam de bicicleta, uma no controle e outra na garupa. O momento em que elas trocam de lugar aí também é extremamente simbólica.
Como se não bastasse ser ainda uma menina pouco desenvolvida e ter uma irmã, com o mesmo nome, já uma mulher mais atraente, Irene ainda é a filha do meio de seu próprio núcleo familiar. Não tem mais os mimos e graça da caçula, nem a atenção e o orgulho da mais velha que está se preparando para o baile de debutante. É uma verdadeira busca por seu lugar no mundo que Fabio Meira imprime de maneira bastante eficaz.
A direção tem um cuidado de enquadrar muitas cenas entre paredes ou outros objetos. Vemos as cenas através de janelas ou quadros, como se Fabio Meira quisesse nos apresentar uma história com uma visão de fora e nos dando a sensação de quadros de família, de fato. Aos poucos é que sua câmera vai quebrando essa barreira e adentrando naqueles mundos, nos convidando a ir juntos. Em uma progressão dramática impecável que culmina em uma resolução incrível. Capaz de nos fazer refletir muito ainda sobre isso.
Há uma delicadeza em tratar os temas e aquelas famílias. A família aparentemente perfeita, com pai, mãe e três filhas em contraste com a casa da outra, onde ele passa raramente e demonstra ser bem mais humilde. Não há julgamentos, mesmo quando Irene começa a rejeitar o pai e ser agressiva com ele. Tudo é tratado mais como uma busca por espaço mesmo.
Ainda que dirigido e roteirizado por um homem, As Duas Irenes consegue construir uma visão feminina muito delicada e verdadeira. O amadurecimento e reconhecimento de seu lugar no mundo, enquanto menina-mulher com todos os medos e conflitos que isso traz. Um belo e delicado filme.
As Duas Irenes (As Duas Irenes, 2017 / Brasil)
Direção: Fabio Meira
Roteiro: Fabio Meira
Com: Isabela Torres, Priscila Bittencourt, Marco Ricca, Inês Peixoto
Duração: 89 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
As Duas Irenes
2017-09-16T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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