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Sebastián Lelio
Uma Mulher Fantástica
Uma Mulher Fantástica
Lidar com a perda é sempre algo delicado, imagine quando essa perda vem acoplada a uma perda de legitimidade? Uma Mulher Fantástica, filme do cineasta chileno Sebastián Lelio, é bastante feliz ao retratar uma situação cada vez mais comum em nossa sociedade de maneira tão sensível e sem exagerar no tom.
Por ser uma mulher trans Marina vê sua vida transformada com a morte do seu companheiro Orlando. Já no hospital ela não pode responder por ele, afinal não é "da família". Assim se sucede o carro, o apartamento, o impedimento de ir ao velório ou ao enterro. Mesmo a desconfiança em relação às circunstâncias da morte. Porém, o principal é mesmo o desrespeito ao seu próprio papel de viúva sem direito a sofrer com a perda do ser amado.
Daniela Vega consegue dar a Marina o tom exato dessa mulher devastada e desrespeitada em sua intimidade em pequenos gestos. Principalmente no olhar, onde o sentimento da personagem é transmitido com toda a sua potência. Destaque para o momento da notícia no hospital e para a cena em que tem que se submeter a um exame de corpo de delito. A força da protagonista está muito mais no que ela se cala do que no que ela diz.
E isso acaba sendo um retrato cruel e verdadeiro da própria situação dos trans em nossa sociedade. Muito se avançou em seus direitos, nunca se falou tanto sobre o assunto, porém ainda é um tabu para muitos. Inaceitável para tantos outros. Como se coubesse a nós aceitar ou não o que o outro é e como lida com sua vida. Orlando se separou e escolheu viver com Marina, mas seus filhos e sua ex-esposa nem querer cogitam a possibilidade de entender isso e respeitar Marina como parte da família.
Sebastián Lelio é feliz ao retratar essa situação sem colocar Marina em uma posição de "coitada". O roteiro constrói essa "mulher fantástica" em todos os aspectos. Em seu talento musical, em sua vida que vai além de Orlando e na sua capacidade de enfrentar todos os problemas que surgem com a sua morte. Ao mesmo tempo em que abre mão de direitos materiais, demonstra persistência em busca do seu lugar enquanto viúva. O direito a viver o seu luto.
A câmera constrói esse tom realista da obra com a precisão dos espaços e uma fotografia que valoriza os contrastes, nos dando imagens vivas e nos deixando próximos de Marina. Cenas como a do "sequestro" trazem uma intensidade pelos planos longos, que nos dão a sensação de tempo real, o que aumenta a angústia da cena, por exemplo. Já a cena da igreja, temos um ambiente escuro, que traduz muito do sentimento da cena.
Uma Mulher Fantástica nos apresenta uma experiência honesta e sensível. Um filme que nos faz criar empatia e nos colocar na posição do outro com muita habilidade. Não apenas pela questão trans, mas pelo respeito ao ser humano. Poderia ser uma mulher cis no lugar de Marina, desrespeitada como condição de amante, ou um homem homossexual, por exemplo. Os preconceitos e desrespeitos que a nossa sociedade impõe a escolhas individuais. Isso só torna o filme mais rico.
Uma Mulher Fantástica (Una Mujer Fantástica, 2017 / Chile)
Direção: Sebastián Lelio
Roteiro: Sebastián Lelio, Gonzalo Maza
Com: Daniela Vega, Francisco Reyes, Luis Gnecco
Duração: 104 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Uma Mulher Fantástica
2017-10-04T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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