O Touro Ferdinando
Touradas, tradição repleta de polêmica, afinal é uma verdadeira violência contra o animal. Criar uma história para crianças sobre um touro na Espanha não deixa de ser um ato corajoso. E O Touro Ferdinando consegue um belo resultado, ainda que escorregue em algumas escolhas do roteiro.
Ferdinando é criado em uma fazenda voltada para touradas. Lá, os bezerros são treinados para o "esporte", criando uma espécie de esperança vã de que um deles vencerá o "matador" na arena. Ele, porém, não gosta dessa ideia. Sensível, adora flores e quer ser amigo dos animais. Quando seu pai não retorna de uma tourada, o bezerrinho resolve fugir, sendo criado por uma menina e seu pai em uma fazenda de flores. Porém, uma confusão o fará retornar ao local de origem e ao velho dilema da luta.
A estrutura épica do roteiro prejudica um pouco a fruição da trama. Na tentativa de captar todos os momentos da vida do touro, os roteiristas acabam não conseguindo dosar tão bem a economia dramática, passando muito rápido por alguns momentos e se alongando demais em outros. Na verdade, essa escolha parece ser pela busca do que imaginam ser o ideal para o público infantil, já que algumas questões que mereciam aprofundamento ficam na superfície, enquanto o roteiro prefere privilegiar longas cenas de gags bobas, incluindo uma disputa entre touros e cavalos, além de esquetes com um trio de ouriços.
Não que o humor seja um problema, porém há uma espécie de nivelamento por baixo do tom da obra, que não consegue equilibrar tão bem as camadas de entendimento. Em muitos momentos, falta fôlego e a narrativa se perde em reviravoltas e correrias excessivas. Acaba ficando cansativo ver as repetições da mesma piada visual ou de comportamento, como um touro que "não enxerga" porque tem pelo caindo nos olhos.
A questão é que a premissa prometia mais. Há um universo ficcional incrível a ser explorado. Principalmente com um tema tão pesado e com tantas nuanças. A cena em que Ferdinando percebe que seu pai não voltou, por exemplo, é forte. Da mesma forma em que a cena da arena em si, com a provocação dos ajudantes para que o touro fique bravo e "ataque" o toureiro.
Ainda assim, Ferdinando é daquelas personagens oportunas em um momento de instabilidade mundial. Onde a violência passa se tornar rotina e o mundo só consegue enxergar gestos amáveis como algo tolo e sem propósito. Onde querer viver em paz e harmonia com o próximo é algo para ingênuos. Sua recusa em se tornar o "monstro" que todos temem é admirável e emociona em diversos momentos. E sua relação com a pequena Nina é também uma bela amizade, pena que pouco explorada no roteiro.
O Touro Ferdinando é uma animação competente. Uma das melhores, senão a melhor, dirigida pelo brasileiro Carlos Saldanha. Há uma boa dinâmica na aventura, bem-humorada, ainda que com alguns exageros visuais e há espaço também para poesia, como as diversas contemplações da natureza pelo protagonista. A maneira como ele constrói a fusão em alguns momentos unindo dois personagens distantes como se estivessem no mesmo espaço é bem interessante dando mais dinâmica à montagem.
Um bom filme que poderia ser ainda melhor. De qualquer maneira, uma obra que deve agradar a todas as idades.
O Touro Ferdinando (Ferdinand, 2018 / EUA)
Direção: Carlos Saldanha
Roteiro: Robert L. Baird, Tim Federle, Brad Copeland
Duração: 108 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
O Touro Ferdinando
2018-01-29T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
animacao|Carlos Saldanha|comedia|critica|drama|infantil|oscar 2018|
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