Ícaro
O sonho de Ícaro era voar, mas não ouviu os conselhos do pai, aproximando-se muito do sol, que derreteu suas asas de cera fazendo-o cair e morrer no mar. Mito e nome casam perfeitamente com o documentário de Bryan Fogel.
A ideia do cineasta era fazer uma espécie de versão de "Super Size Me" com doping. Procurou ajuda para passar por programa de sessões de anabolizantes que o ajudariam em uma competição de ciclismo. O desafio era passar por tudo isso, melhorar sua posição, seu desempenho e, principalmente, não ser pego no exame anti-doping. A questão é que seu destino cruza com o de Grigory Rodchenkov no período em que vaza o escândalo do esquema na Federação de Esportes da Rússia, dando outro rumo a sua obra.
Desapego poderia ser uma palavra boa para Fogel deixar o seu documentário ainda melhor. Por mais que o roteiro precise construir essa ambientação que o levou a entrevistar Rodchenkov, acaba não amarrando tão bem as pontas. o filme gasta um bom tempo com a proposta inicial da experiência pessoal, das aplicações, dos resultados bons e ruins, para depois simplesmente abandoná-la em detrimento do tema que cai como uma bomba em suas vidas.
Ainda assim, é impossível não se envolver e admirar o resultado. Acompanhar o dilema do homem que ajudou a montar um dos esquemas mais absurdos no mundo do esporte e as consequências da sua decisão em aceitar contar tudo é algo instigante. Mesmo com tantas atitudes erradas, Rodchenkov passa uma imagem de "boa praça". Sempre simpático, prestativo, amante dos animais e cuidadoso com a família e amigos. A sua humanização deixa o escândalo ainda mais assustador.
A virada na trama, quando surgem as primeiras notícias, é bem conduzida, já que Fogel e Rodchenkov conversavam muito via internet. O diretor vai mesclando imagens que saíram na imprensa em geral, principalmente em relação a polêmica decisão do COI em tirar os atletas russos das Olimpíadas do Rio. E ainda constrói ironias dramáticas, já que só a federação de atletismo foi impedida de competir, quando o cientista afirma o tempo todo que todos os esportes estavam envolvidos e o documentário ainda mostra imagens de atletas russos ganhando medalhas no Brasil.
Com um esquema digno de filmes de espionagem durante a Guerra Fria, Grigory Rodchenkov afirma ter ajudado a Rússia a se tornar a potência no esporte que é ainda hoje, sendo esse esquema muito mais antigo do que se poderia imaginar. É difícil, no entanto, ter provas de tantos esquemas ou mesmo que atletas teriam sido beneficiados por isso, deixando uma sensação de falta de solução no ar. O documentário é hábil em demonstrar também isso, ainda que demonstre não haver motivos para o russo ter inventado tudo isso.
Bryan Fogel estava no lugar certo, na hora certa, tendo um material documental praticamente caído em seu colo. E ele soube aproveitá-lo bem, ainda que a relutância em abandonar a primeira ideia tenha criado alguns entraves em sua obra final. De qualquer maneira, é um filme instigante e envolvente.
Ícaro (Icarus, 2017 / EUA)
Direção: Bryan Fogel
Roteiro: Jon Bertain, Bryan Fogel, Mark Monroe, Timothy Rode
Duração: 121 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Ícaro
2018-02-03T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
Bryan Fogel|critica|documentario|oscar 2018|
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